Para receber nossa newsletter diária, inscreva-se aqui!
Impressionante como a cada semana o Brasil entra em uma discussão econômica, dividindo falaciosamente as opiniões entre os que querem o mal e os que querem o bem do Brasil. Insisto sempre que fazer o bem é bom. Somente sociopatas querem o mal das pessoas. Não digo que algumas vezes não desejemos falar umas verdades para um vizinho ou conhecido, mas querer o mal de a maior parte da população brasileira, se resolve apenas com doses cavalares de Sertralina, Rivotril e terapia intensiva Junguiana ou Freudiana.
Após acalorados debates sobre o Projeto de Lei n°1166 aprovado no Senado, mas em tramitação no Congresso, que fixa em 30% o limite máximo que os bancos podem cobrar sobre o cheque especial e as prestações de cartões de crédito, agora as discussões voltaram sobre a possibilidade de o governo furar o teto de gastos e perenizar os gastos transitórios ocorridos durante o orçamento de guerra aprovado em 2020, estendo-os para 2021.
Todos têm razão, mas muitos esquecem as consequências de uma guinada expansionista irresponsável para 2021. É fato que precisamos de mais recursos para ajudar os mais desprovidos, extensão dos benefícios sociais como o “coronavoucher”, mais recursos para investimentos em infraestrutura e por aí vai.
Mas se precisamos que o governo atue mais fortemente no ano de 2021, para lograr ter um maior crescimento econômico, que mal há nisso? Aprovemos novamente um orçamento de guerra que possibilita o governo a furar o teto de gastos e pronto. Não é bem assim. Aliás, desrespeitar o teto de gastos em 2021 poderia fazer mais mal para a economia brasileira do que bem.
Ok, já percebo que perdi a simpatia de mais da metade dos leitores aqui. Não se trata apenas de aumentar os gastos do governo para melhorar o bem estar da população. Isso todo político e cidadão normal também deseja. Mas se o governo abandonar seu discurso de retidão fiscal para os próximos anos, obviamente que os financiadores da dívida pública começarão a perceber um risco maior no financiamento da mesma.
Alguns podem ter esquecido, mas durantes os anos 1970s, 1980s e parte dos 1990s, o Brasil monetizou largamente os seus déficits fiscais resultando em uma inflação acumulada de 1980 a 1994 de 13 trilhões percentuais! É fático, o estado brasileiro não goza de credibilidade como o Japão e os EUA.
Qualquer percepção de que passaremos a gastar mais sem um correspondente aumento nas receitas levará os financiadores da dívida pública (24% previdência, 26% fundos de investimentos, 9% seguradoras e outros e 27% instituições financeiras) a exigir retornos maiores, para financiar a nossa gastança. Risco maior, retorno exigido maior.
Não paguem mais juros então! Boa ideia. Se os nossos investimentos em fundos gestores de seguradoras não aceitarem remunerações que não compensem um risco maior, a fuga para o dólar seria o resultado inexorável. Mas se isso acontecer, como o governo financiaria uma dívida pública que não para de crescer, assumindo que os investidores não recebam o que demandam? Simplesmente monetizando a dívida pública como fizemos nos anos 70 e 80. Poderíamos até voltar a velha e conhecida operação de overnight. Exagero. Por enquanto.
Mas como podemos aferir a possibilidade de que a dívida do governo de fato está mais arriscada? É só checar o comportamento da curva de juros, que continua cada vez mais inclinada. Para maiores prazos, nós, financiadores da dívida pública, já estamos pedindo maiores retornos.
Por exemplo, em 18 de agosto, a curva de juros para um título de 10 anos de prazo estava em 7.11%. Se o Congresso ou o governo, vendo que sua popularidade continua crescendo graças aos auxílios emergenciais decidir perenizar esses auxílios, muito provavelmente o risco da dívida pública aumenta e o retorno requerido para financiá-la, também.
O professor Affonso Celso Pastore evoca a contribuição do ganhador do prêmio Nobel de economia em 2017, Richard Thaler, revelando que as pessoas são muito mais afetadas por perdas inesperadas, do que por ganhos inesperados. Ou seja, a ajuda emergencial do governo aumentou a popularidade do presidente. Dessa forma, quando a ajuda terminar, a frustração da perda por parte dos beneficiados será maior do que a decorrente do ganho inesperado, provocando uma queda na popularidade do residente do Palácio da Alvorada. Cabe avaliar se o presidente, agora com maior popularidade, aguentará politicamente uma queda em sua simpatia conferida pela população com o fim desses benefícios.
Mas afinal, qual o risco disso tudo? Se de fato, oxalá não ocorra, o presidente decida por estender os benefícios conferidos durante o orçamento de guerra, para 2021, a curva de juros se inclinará mais ainda. Ou seja, os investidores que compram títulos da dívida pública passarão a requerer maiores retornos suscitando o chamado crowding out effect, resultando em menor nível de investimentos privados em formação bruta de capital e consumo das famílias.
Quanto maior o retorno livre de risco, menor as oportunidades de investimentos de risco e o consumo das famílias. Pense em um avião de três turbinas, onde a turbina do governo aumenta fortemente o empuxo, mas as turbinas do consumo e do investimento privado abrem seus reveses. Ao final, teríamos uma dívida pública maior ainda, sem o benefício econômico expansionista esperado.
Mas onde fica a Selic nessa história? Dos R$ 4,5 trilhões de dívida pública federal que nós temos, aproximadamente 40% é financiado via Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), título público atrelado à Selic. Se o risco percebido pelos agentes econômicos em relação a dinâmica da dívida pública piorar, muito provavelmente esses investidores que estão expostos a um título atrelado à Selic (R$ 1,8 trilhão), passarão a exigir um retorno maior do que apenas 2% (Selic atual), limitando portanto o afrouxamento monetário do Banco Central. Certamente não é isso que o país precisa.
*Roberto Dumas é economista especializado em mercados asiáticos.
Add new comment