A quixotesca saga da transferência de propriedade de veículos no Brasil é o contraste da felicidade de quem vende e de quem compra um carro, uma moto, enfim, daqueles que estão obrigados a realizar esta complexa operação como se fosse a paga pelo bem tão necessário no país onde o transporte público é serviço dos mais ruins.
Embora os expeditos a demonizem, a burocracia nada mais é do que o conjunto de formalidades que têm por objetivo garantir a higidez e a segurança jurídica dos atos praticados. Ela tem elevada importância aqui, na terra da fraude e do jeitinho, mas não deveria jamais ser vista como fim em si mesmo; antes, ela deveria estar a serviço de quem tenta exercer direitos e deveres na sociedade. Com efeito, quem está a vender ou a comprar um veículo tem encontro marcado com ela, e graças à tecnologia superá-la pode ser mais fácil do que se imagina.
Tal possibilidade está na inovação que ocorre a partir de março desse ano. Conforme anunciado pelo Ministério da Infraestrutura, qualquer pessoa poderá transferir veículos de forma digital. Por meio do aplicativo Carteira Digital de Trânsito (CDT), será possível comprar ou vender um carro sem que para isso seja necessário contrato, reconhecimento de firma em cartório ou mesmo o intermédio de despachantes.
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O sistema vai adotar o seguinte fluxo: o vendedor deverá acessar o CDT e informar o CPF do comprador. Essa requisição gera a Autorização para Transferência de Propriedade do Veículo (ATPV-e) e deverá ser assinada digitalmente, com uso da ferramenta gratuita do gov.br ou do certificado digital. O comprador será automaticamente notificado e manifestará seu interesse na operação assinando da mesma forma. Após esse passo, restará levar o veículo ao Detran para que a transferência seja concluída.
É importante ressaltar que para usufruir da facilidade, o veículo em questão deverá possuir documentação digital. Essa condição está disponível para os automotores saídos de fábrica ou negociados a partir de 4 de janeiro de 2021. Além disso, tanto comprador quanto vendedor deverão ter o login qualificado no gov.br (ouro ou prata) e o departamento de trânsito local precisa ter realizado a adesão ao novo sistema de autorização digital.
O potencial da inovação, parte outra, ainda precisa ser atualizado para a maior parte dos condutores brasileiros. Na Play Store, loja de aplicativos do Google, pouco mais de 10 de milhões de downloads foram realizados. Há mais de 70 milhões de condutores habilitados no Brasil; destes, cerca de 45 milhões possuem a CDT. Noutras palavras, a ferramenta carece de mais divulgação e facilidade de acesso aos cidadãos.
Estamos no caminho certo.
*Edmar Araujo é presidente executivo da Associação das Autoridades de Registro do Brasil (AARB).
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