Transformação de FIPs em sociedades anônimas: aspectos fiscais

Fundamentos jurídicos são fortes para embasar a neutralidade fiscal das operações de transformação de FIP em S.A./Pixabay
Fundamentos jurídicos são fortes para embasar a neutralidade fiscal das operações de transformação de FIP em S.A./Pixabay
Previsões do PL 2.337 põem fim a qualquer atratividade do FIP a investidores nacionais.
Fecha de publicación: 09/02/2022

Ainda em 2021, o Projeto de Lei n. 2.337, de 2021, que trata da reforma do imposto de renda no país, provocou bastante movimento no mercado de Fundos de Investimento em Participações (FIP). É que, nos termos de seu artigo 30 (e seguintes), os ganhos auferidos por FIPs não qualificados como entidade de investimento, nos termos da legislação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), passariam a ser tributados da mesma forma que aqueles auferidos por pessoas jurídicas, ou seja, no momento de seu reconhecimento, antes mesmo de sua distribuição a seus cotistas.

 

Além disso, o PL 2.337 também prevê que todo o acréscimo patrimonial apurado pelo FIP em nome de seus cotistas, a diferença entre o valor das cotas e seu custo de aquisição, desde sua constituição até 31 de dezembro de 2021, deveria ser oferecido à tributação, pelo administrador do fundo, até 30 de Novembro de 2022.

 

Ao menos numa perspectiva puramente fiscal, estas previsões poriam fim a qualquer atratividade do FIP a investidores nacionais. Como se sabe, atualmente os FIPs possuem isenção fiscal, de modo que qualquer impacto tributário sobre os investimentos do fundo somente é verificado no momento da distribuição de seus rendimentos a determinados investidores. Não foi por outra razão que, sob o risco de aprovação do Projeto de Lei ainda em 2021, muitos investidores decidiram se “desfazer” de seus investimentos em FIPs.


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Dentre as possíveis estruturas para a execução desse desinvestimento, uma em especial ganhou bastante destaque: a transformação do FIP em sociedade anônima de capital autorizado.

 

Nos termos do artigo 50 da Lei 4.278/1965, “os fundos em condomínios de títulos ou valôres mobiliários poderão converter-se em sociedades anônimas de capital autorizado, (...), ficando isentos de encargos fiscais os atos relativos à transformação”.

 

Com base nessa legislação, seria possível concluir que um FIP poderia ser transformado em sociedade anônima de capital autorizado e, desta forma, deixar de se submeter às previsões do PL 2.337, desde que tal transformação fosse executada antes da vigência da nova Lei.

 

Contudo, a transformação de FIP em S.A. de capital autorizado ainda é tema que gera bastante incerteza e insegurança no mercado, tanto para os cotistas como, principalmente, para os administradores dos FIPs que, como se sabe, são os responsáveis tributários por toda e qualquer apuração e recolhimento de tributos em nome do fundo e dos cotistas.

 

Talvez essa incerteza venha do fato de que a legislação é antiga, de 1965, e usa terminologia já ultrapassada (fundos em condomínios de títulos ou valores mobiliários), ou, ainda, porque a Receita Federal do Brasil nunca tenha se pronunciado sobre o tema.

 

De toda forma, a nossa posição técnica é a de que a transformação do FIP em sociedade anônima de capital autorizado possui fundamentos jurídicos sólidos, não havendo base jurídica para eventuais questionamentos fiscais contra a operação. Embora a explicação detalhada dos argumentos que fundamentam esta posição técnica certamente extrapole os objetivos deste breve artigo, entendemos ser prudente apresentar os mais relevantes, de forma sumarizada.


Pois bem. Em primeiro lugar, o texto do artigo 50 da Lei 4.278/1965 é bastante claro tanto em autorizar a transformação de “fundos em condomínio” em sociedade anônima de capital autorizado como em estabelecer a neutralidade fiscal da operação. Também é claro o artigo 3º da Instrução Normativa CVM n. 555/2014, que atualmente define o fundo de investimento como “uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros”. A mesma definição pode ser encontrada no artigo 1.368-C do Código Civil.

 

Assim, basta um simples silogismo para fundamentar juridicamente nossa posição: dado que fundos em condomínios de investimentos podem ser transformados em sociedades anônimas de capital autorizado sem provocar consequências fiscais e FIPs são espécies de condomínios de investimentos. Então, FIPs podem ser transformados em sociedades anônimas sem provocar consequências fiscais, nos termos do referido artigo 50.

 

A CVM parece adotar o mesmo entendimento. A posição mais emblemática foi formalizada nos autos da transformação do Modal 21 Fundo de Investimento em Ações (FIA) na sociedade anônima de capital autorizado Camargo Corrêa Participações Societárias S.A., por meio do ofício CVM/SIN/GII-2/n. 2157/07, emitido em 22 de outubro de 2007.  

 

Neste ofício, a CVM autorizou expressamente o encerramento do FIA e a baixa de sua inscrição perante a Comissão, sem haver a necessidade de baixa do CNPJ em razão da continuidade das atividades econômicas por meio da sociedade anônima recém constituída a partir da transformação.  

 

Em dezembro de 2017, o Grama Fundo de Investimento em Participações Multiestratégia, se valeu deste mesmo ofício para, também, obter autorização da CVM para o encerramento do registro do fundo sem cancelamento do CNPJ em razão do mesmo tipo de transformação. Ambos os procedimentos foram registrados nas juntas comerciais normalmente.


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Adiante, há também que se considerar que a transformação da entidade de um tipo jurídico para outro não representa nenhum tipo de ato ou negócio jurídico que implique realização da renda, nos termos do artigo 43 do CTN, não representa alienação, cessão ou transferência de propriedade dos ativos do fundo a qualquer título, ou a baixa, depreciação, amortização, ou extinção do investimento por seus cotistas.

 

Existe alguma jurisprudência desfavorável ao contribuinte sobre temas, à primeira vista, análogos à transformação do FIP, como a desmutualização da Bovespa, mas que, numa análise mais detalhada, se mostram inaplicáveis.

 

Por fim, a transformação também não implica qualquer tipo de acréscimo patrimonial para qualquer uma das partes envolvidas na transformação. Para os cotistas pessoa física, haverá mera substituição, ou transferência de direitos, de ativos declarados nas respectivas DIRPFs, atribuindo-se às novas ações o mesmo valor anteriormente atribuído às cotas do fundo de investimento.

 

Para a sociedade recém constituída, todo o seu capital social será formado pelos ativos anteriormente componentes da carteira de investimento dos fundos. De toda forma, ainda que exista alguma divergência entre os valores dos ativos registrados pelo FIP (como saldos de valor justo) e os valores pelos quais passarão a ser registrados pela sociedade recém constituída com base na legislação societária (provavelmente via equivalência patrimonial), entendemos que esta diferença, positiva ou negativa, deveria ser registrada em conta de patrimônio líquido, não transitando pelas contas de resultado da sociedade.

 

Portanto, embora os receios do mercado até sejam justificados a partir de uma perspectiva pragmática, considerando o histórico do Fisco em quase sempre questionar operações e negócios inusuais, entendemos que os fundamentos jurídicos são fortes para embasar a neutralidade fiscal das operações de transformação de FIP em sociedades anônimas de capital autorizado.

 

*Vinícius Nogueira é advogado e fundador do Horvath & Nogueira Advogados (HNA)

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