A tributação dos combustíveis e a arrecadação dos Estados

Aumento na arrecadação de impostos estaduais advém, em grande parte, do exponencial aumento dos preços dos combustíveis/Canva
Aumento na arrecadação de impostos estaduais advém, em grande parte, do exponencial aumento dos preços dos combustíveis/Canva
Alta de preços revela cenário de aumento da arrecadação sem incremento de capacidade contributiva, o que configura confisco.
Fecha de publicación: 28/06/2022

O ano de 2022 é um divisor de águas no equilíbrio democrático entre os Poderes e os entes federados, muito por conta dos preços dos combustíveis e os seus respectivos impactos na economia brasileira.

 

Na tentativa de conter a exponencial alta nos preços foram suscitadas importantes medidas visando alterações na tributação de combustíveis, mas há resistência grande dos Estados de implementarem essas iniciativas, para gerar o efeito esperado de diminuição dos preços ao consumidor final.

 

A primeira alteração significativa veio com a publicação da Lei Complementar nº 192/22, que estabeleceu a monofasia do ICMS sobre os combustíveis (sistemática de arrecadação moderna, eficaz, redutora de complexidade e de litigiosidade desnecessária).

 

Percebemos que essa iniciativa foi recebida com bons olhos pelos players que atuam no mercado, mas com muita resistência pelos Estados, que temem perdas na arrecadação.


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Com base nesta lei, foi criado o regime monofásico de ICMS em que se estabeleceu a alíquota única e uniforme do referido tributo por unidade de medida (ad rem) sobre os combustíveis ali descritos por ocasião da saída do estabelecimento do produtor ou equiparado ou do desembaraço aduaneiro.

 

Além de mudanças no ICMS, foram reduzidas a zero as alíquotas de PIS/Cofins e PIS/Cofins-Importação sobre as receitas com vendas/importação de óleo diesel, biodiesel, querosene de aviação e gás liquefeito de petróleo (gás de cozinha) até 31 de dezembro de 2022.

 

No tocante ao óleo diesel, a LC nº 192/22 estabeleceu que a base de cálculo do ICMS-ST será a média móvel dos preços médios praticados ao consumidor final nos 60 meses anteriores à sua fixação (média móvel dos últimos cinco anos), enquanto não disciplinada a incidência monofásica do ICMS.

 

Diante desse normativo, os Estados se movimentaram para regulamentar, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), a LC nº 192/22 em relação às operações com óleo diesel. 

 

A deliberação levou à publicação do Convênio ICMS nº 16/22, que disciplinou a monofasia do ICMS sobre o óleo diesel; definiu as alíquotas aplicáveis ad rem por litro de óleo diesel, a vigorar por 12 meses contados da publicação do Convênio; descreveu que deveres instrumentais serão disciplinados por ajuste Sinief e autorizou os Estados a aplicar fatores de equalização de carga tributária, que implicam na redução ou aumento da carga tributária final.

 

Ocorre que a publicação do Convênio ICMS nº 16/22 gerou um embate entre os entes federados, sobretudo por conta dos “fatores de equalização”, haja vista que isto resulta, na prática, em cada Estado definindo sua própria alíquota.

Efetivamente, tal convênio criou um artifício para não regulamentar a LC n° 192/22.

 

O fato levou ao ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.164 por parte da Advocacia-Geral da União (AGU). O relator, ministro André Mendonça, deferiu liminar, no último dia 17 de junho, determinando que se cumpram os termos estabelecidos pela LC nº 192/22 e que os Estados regulamentem o disposto na referida lei.

 

Não bastassem essas controvérsias, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 18/22, que visa a estabelecer alíquotas máximas de ICMS sobre combustíveis (dentre outros bens), reconhecendo a sua essencialidade, em consonância com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 714.139.

 

Esses inúmeros capítulos envolvendo as controvérsias na tributação dos combustíveis escancaram o evidente descompasso atualmente existente entre os entes federados.

 

Os Estados relutam em aceitar mudanças tributárias que possam implicar na diminuição na arrecadação, ainda que tais mudanças decorram de processo legislativo, no qual foram representados pelos senadores, representantes dos Estados. O cenário é grave e mostra tempos de crise institucional. Tudo seria evitado se cada ente respeitasse o processo democrático e as competências funcionais de cada Poder.

 

Fora isso, até que ponto os Estados de fato perderão arrecadação? Sabe-se, ao contrário, que diversos Estados sanearam suas contas, por conta do aumento de arrecadação de ICMS – muito em função da alta nos preços dos combustíveis.

Numa análise comparativa das Leis Orçamentárias Anuais (LOAs) dos Estados listados abaixo, é evidente que há aumento considerável nas receitas decorrentes de arrecadação de impostos considerando a arrecadação de 2021 e a estimada em 2022.

 

Como exemplo, citam-se: São Paulo, aumento de 17,4%; Santa Catarina, aumento de 21,14%; Ceará, aumento de 12,5% e Pernambuco, aumento de 14,1%. Quanto ao ICMS, vale citar comparativo entre a arrecadação de janeiro a abril de 2021 em relação ao mesmo período em 2022 tendo como referência Goiás (com aumento em 14,8%) e Pará (aumento de 44,7%).

 

Esses são apenas alguns exemplos. Mas objetivamente o aumento na arrecadação de impostos estaduais advém, em grande parte, do exponencial aumento dos preços dos combustíveis.


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A arrecadação estatal tem aumentado, o que é muito bom, mas esse incremento não está vinculado a um aumento efetivo de atividade econômica ou a um enriquecimento da população (reveladora de nova capacidade contributiva).

 

Pelo contrário, toda essa cascata de arrecadação tem colaborado para o empobrecimento dos consumidores, reverberando, também, e de forma direta, na inflação, já que diversos insumos são encarecidos pela ata dos combustíveis.

 

Por essas razões, é fundamental que os entes federados e os Poderes busquem entre si mecanismos efetivos que venham a minimizar os aumentos nos preços de combustíveis, respeitando o sistema de freios e contrapesos (“checks and balances”) constitucional.

 

Um bom começo para essa dinâmica virtuosa, de respeito às regras, cabe aos Estados, ao cumprirem o que está previsto nas legislações recentemente baixadas pelo Congresso Nacional.

 

O que não deveria ser incentivado é o aumento de arrecadação, em patamares desproporcionais à atividade econômica, e à revelia total de qualquer aumento de capacidade contributiva dos consumidores, que ao final são quem arcam com os tributos incidentes na cadeia. Prevalecer esse cenário é a consumação do confisco do patrimônio dos particulares, o que é vedado pela Constituição Federal.

 

*Mario Prada é sócio e Marcus Vinícius Araújo é advogado do Mattos Filho.

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