A tributação de dividendos

Tentar equiparar o Imposto de Renda do Brasil ao de países ricos é prejudicar ainda mais o ambiente econômico e a geração de empregos/Freepik
Tentar equiparar o Imposto de Renda do Brasil ao de países ricos é prejudicar ainda mais o ambiente econômico e a geração de empregos/Freepik
Medida é complexa, tanto na apuração dos tributos pelos contribuintes como na fiscalização a ser feita pela Receita Federal.
Fecha de publicación: 17/09/2021

A partir do aparente consenso da sociedade de que a tributação brasileira necessita de uma reforma com o objetivo primordial de sua simplificação, mas sem majoração da carga tributária global, várias propostas de mudanças legislativas têm sido discutidas.

A taxação de dividendos, aprovada no texto-base do Projeto de Lei n. 2337/2021, da Reforma Tributária, votado pela Câmara dos Deputados e agora em tramitação no Senado, significa não só um aumento da carga tributária, mas trará mudanças na sistemática de apuração do imposto de renda que significam relevante aumento de complexidade na apuração e na fiscalização dos tributos.

 

A exposição de motivos que orientou o PL 2337 indicou, como razão para a instituição desse tributo, a necessidade de seguir outras legislações internacionais que dividem a tributação sobre a renda em duas parcelas: no auferimento de lucro pela pessoa jurídica e na distribuição de dividendos para o sócio.


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Inicialmente, cumpre destacar que as alíquotas pretendidas pelo PL (redução gradual do imposto da pessoa jurídica em oito pontos percentuais (7% do IRPJ e 1% do CSLL) e instituição do tributo na distribuição de lucros em 20%) trazem nítido aumento de carga tributária. Para que houvesse uma neutralidade, as alíquotas precisariam ser graduadas de forma muito diferente, contando, por exemplo, com uma redução de 10% no imposto da pessoa jurídica que seria compensada com uma alíquota de 15% na distribuição de dividendos.

 

Também cumpre desmistificar a impressão de que a tributação dos dividendos se fundamenta em algum raciocino de justiça fiscal.

 

A comparação com a estrutura de tributação dos lucros em países desenvolvidos é inadequada e perigosa. São realidades sociais, culturais e fiscais totalmente diferentes. Tecnicamente existem diferenças relevantes na estrutura dos impostos nas legislações estrangeira, inclusive com hipóteses de dedutibilidade de despesas bem mais amplas. No aspecto social e econômico, o Brasil é um país em desenvolvimento que precisa fortemente do apoio da iniciativa privada para a melhoria social, o aumento da oferta de empregos e da renda média do trabalhador. O nível de tributação sobre o lucro é inversamente proporcional ao incentivo para o investimento na economia real. Tentar equiparar o Imposto de Renda do Brasil ao de países ricos é prejudicar ainda mais o ambiente econômico e a geração de empregos.

 

A decisão feita pela nossa legislação de concentrar a tributação do lucro na empresa é baseada em fortes motivos técnicos e arrecadatórios. A mudança pretendida pelo PL 2337 trará repercussões negativas que não podem ser ignoradas.

 

De pronto, cumpre salientar que o nosso modelo atual não traz privilégios para o empresário. Além de todos os tributos que incidem sobre a sua receita, a empresa está atualmente sujeita a uma pesada tributação global sobre o lucro auferido. Assim, ao decidir estruturar a sua atividade em uma pessoa jurídica, o empresário passa a recolher as contribuições ao PIS e à Cofins (atualmente em 9,25% da receita), mais o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, que somam 34% e incidem sobre o mesmo valor que pode ser distribuído ao sócio. Já é uma carga alta, que não justifica qualquer impressão de que a isenção no recebimento de dividendos representa um benefício fiscal ou privilégio para o empresário.

 

Sob o aspecto técnico, é fundamental destacar dois motivos relevantes para a concentração da tributação na apuração do lucro pelas empresas.

 

Em primeiro lugar, porque a arrecadação é antecipada para o momento do auferimento do lucro pela empresa, sem depender de um evento futuro e incerto de distribuição dos valores para os sócios. Ou seja, reduzir o Imposto de Renda da empresa e instituir o imposto no recebimento de dividendos aos sócios tende a postergar o pagamento para as empresas que distribuem integralmente os lucros e diminuir a arrecadação global em relação às demais que não os distribuem integralmente.

 

Ressalta-se, por oportuno, ser fundamental, para um sistema tributário justo, o correto balanceamento da tributação com o nível de capacidade contributiva dos contribuintes. O modelo de divisão da tributação em dois momentos enseja a dispensa da tributação daquela empresa que é lucrativa, mas mantém total ou parcialmente os resultados em reservas de lucros. E a incidência desse cenário normalmente ocorre com mais frequência em empresas de grande porte, multinacionais e de capital aberto.

 

O PL 2337 representa, mesmo na versão do texto-base aprovada na Câmara, portanto, uma opção de renunciar à tributação na situação de mais clara demonstração de capacidade contributiva, qual seja, o auferimento de lucro. Na prática, e em certa medida, tende ainda a diminuir a tributação de empresas lucrativas de grande porte, para onerar mais severamente empresas de médio porte.

 

Por fim, cumpre destacar que a tributação dos dividendos impõe uma complexidade muito maior, tanto na apuração dos tributos pelos contribuintes como na fiscalização a ser feita pela Receita Federal. Isso porque revigora o instituto da distribuição disfarçada de lucros, uma preocupação enorme para os agentes econômicos, que precisam se esquivar de inúmeras normas pré-existentes e várias outras trazidas pelo próprio PL 2337.


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Pela ótica da fiscalização, certamente existirá enorme dificuldade em inibir as práticas de sonegação, com empenho de equipes e estrutura já anteriormente insuficientes. Como inexorável consequência, serão mais onerados aqueles contribuintes de boa-fé, que terão a desleal concorrência dos sonegadores, cuja imensa maioria não será identificada pela Receita Federal.

 

A sonegação é o maior retrato da injustiça fiscal, e com ela já convivemos demasiadamente em nosso País.

 

Não se justifica uma alteração legislativa que, além de ofender a capacidade contributiva, tornará mais complexa a interpretação e aplicação da lei tributária e propiciará condições mais favoráveis à sonegação fiscal.

 

*Tiago de Oliveira Brasileiro é advogado especializado em tributação e sócio gestor do Martinelli Advogados em Belo Horizonte.

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