Uma exigência ilegal para aderir ao Perse

Legislação prevê a alíquota zero para quatro tributos durante 60 meses. / Unsplash
Legislação prevê a alíquota zero para quatro tributos durante 60 meses. / Unsplash
Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) lançou medidas fiscais para compensar impactos da Covid-19.
Fecha de publicación: 13/06/2022

Em 18 março de 2022, o Congresso Nacional promulgou, após a derrubada de vetos presidenciais, a Lei Federal nº 14.148/2021 que instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) e previu medidas fiscais e de fomento, visando compensar os impactos decorrentes da pandemia da Covid-19. 

Os benefícios do PERSE incluem a renegociação de dívidas tributárias, não tributárias e do FGTS, a indenização para empresas que comprovarem redução de 50% do faturamento entre os anos de 2019 e 2020 e a redução a zero da alíquota do PIS, da COFINS, do IRPJ e da CSLL nos próximos 60 meses.


Leia também: Lei Perse: quem pode usufruir dos benefícios?


A Lei nº 14.148/2021 definiu os destinatários das medidas compensatórias e quando tratou das atividades turísticas vinculou sua fruição, exclusivamente, à exploração de serviços turísticos” tal como definido no art. 21 da Lei nº 11.771/2008.

 

O art. 21 da Lei nº 11.711/2008, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, relaciona nos incisos do caput, as atividades consideradas essencialmente turísticas, como hotéis e agências de viagens. Já o seu parágrafo único destaca aquelas equiparáveis às atividades turísticas. Dentre essas, estão restaurantes, centros de convenções, casa de espetáculos, parque temáticos aquáticos e as locadoras de veículos para turistas.

 

A Lei nº 14.148/2021 não estabeleceu qualquer distinção de tratamento entre as atividades econômicas relacionadas no art. 21 da Lei nº 11.711/2021 para fins de adesão ao PERSE

 

Não obstante, a Portaria do Ministério da Economia nº 7.163/2021, a quem a lei incumbiu exclusivamente a tarefa de definir os códigos da CNAE´s favorecidos pelo programa, limitou a fruição dos benefícios concedidos para pessoas jurídicas equiparáveis aos prestadores de serviços turísticos (art. 21, parágrafo único, da Lei nº 11.711/2008 e Anexo II da Portaria), à regularidade prévia das empresas no CADASTUR (Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos), instituído pela Lei nº 11.771/2008 e, atualmente, regulamentado pela Portaria MTUR nº 38/2021. 

 

O cadastro no Ministério do Turismo das atividades relacionados no parágrafo único do art. 21 da Lei nº 11.771/2008 sempre foi facultativo e sua ausência não impede o regular exercício das atividades inseridas na cadeia produtiva do turismo.  Da mesma não é uma condição estabelecida na lei instituidora do PERSE. Por isso, a exigência, veiculada em norma infralegal, de regularidade no CADASTUR, previamente à publicação da Lei nº 14.148/2021, extrapola os limites estabelecidos na lei ordinária e restringe, ilegalmente, benefícios concedidos com o propósito de atingir a todo o setor de eventos.

 

A Portaria nº 7.163/2021, ao instituir requisito individual não previsto na Lei nº 14.148/2021, pretende, na prática, alterar a natureza da norma isentiva instituída pelo Congresso Nacional, de isenção geral (para todas as empresas do setor de eventos e turismo, cuja definição se dá exclusivamente pelos respectivos CNAE´s) para norma individual e condicionada.

 

Ou seja, pretende-se equiparar um Cadastro do Ministério do Turismo, que não tem qualquer correlação com o sistema tributário, a um despacho de reconhecimento de direito à isenção condicionada, previsto no artigo 179 do CTN.

 

Entretanto, a isenção tributária instituída pela norma do PERSE é geral e absoluta, já que não vinculada a características individuais (abarca todos os contribuintes do setor beneficiado) ou a requisitos formais a serem cumpridos, como autorização da administração ou outro requisito formal.

 

A instituição de restrição infralegal ao benefício instituído pelo Congresso Nacional ofende aos princípios constitucionais da legalidade, isonomia e da livre concorrência. Além de violar o art. 111 do CTN que impõe a interpretação literal da norma que institui isenções, que veda interpretações restritivas que contrariem o conteúdo gramatical da norma, principalmente com base em considerações de conveniência e concordância com os seus efeitos concretos.  

 

A teleologia que informa o PERSE é voltada à avaliação geral da situação do setor de eventos e turismo. O legislador buscou incentivar e apoiar todas as empresas que fazem parte dessa cadeia produtiva, de forma ampla, não tendo trazido pressupostos limitadores do universo dos beneficiados e muito menos requisitos individuais para o gozo do benefício.

 

Trata-se de opção legislativa válida e justificável, que se encontra no âmbito da competência constitucional do Congresso Nacional e que não pode ser limitada artificialmente pelo Executivo, e muito menos pelo Judiciário, sobre pretensos juízos de conveniência.

 

O ilegal discriminem instituído pela Portaria do Ministério da Economia implica na criação de duas categorias de empresas que operam no mesmo setor produtivo e exercem a mesma atividade, vinculada ao setor de eventos e turismo: aquelas anteriormente cadastradas no Ministério do Turismo, que poderão usufruir da exoneração fiscal pelo prazo de 5 anos e outras que, não tendo se cadastrado, estarão impedidas de ter acesso ao benefício instituído por lei e ficarão em pior situação concorrencial. Contexto que implica em violação aos princípios constitucionais da isonomia tributária (art. 150, inciso II), livre concorrência (artigo 170, IV) e aos ditames da liberdade econômica (Lei nº 13.874/19). 


Veja também: As consequências do excesso de demandas judiciais no ambiente de negócios


A matéria já vem sendo apreciada pelo Poder Judiciário, destacando-se recente decisão proferida pelo Desembargador Leandro Paulsen, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que afastou a exigência da inscrição prévia no CADASTUR para adesão ao PERSE. Confira-se:

 

Logo, a Lei 14.148/2021 delegou ao ato do Ministério da Economia apenas a designação dos códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), sendo que a exigência de situação regular no Cadastur foi estipulada somente pelo ato infralegal, ao arrepio do princípio da legalidade que rege as normas tributárias. 

No caso, a exigência de cadastro regular no Ministério do Turismo pegou a agravante de surpresa, pois estipula um requisito temporal retroativo, exigindo condição que era facultativa para a agravante até então e que tal condição estivesse cumprida em 03/05/2021, data da publicação da lei que instituiu o PERSE. 

Tanto é que a agravante já obteve o cadastro no Ministério do Turismo, mas é impedida de ingressar no programa de benefícios, pois não o teria feito antes, sendo que só tomou ciência da obrigatoriedade com a publicação da Portaria, em 21/06/2021. (TRF4, AG 5022229-45.2022.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 03/06/2022)

 

Veja-se que o jurista e Desembargador Federal destacou a violação ao princípio da legalidade, bem como o caráter facultativo do CADASTUR. Adiante, a decisão reforça o impacto da exigência na preservação da concorrência no setor. Confira-se:

 

Assim, estando o código CNAE da agravante previsto na Portaria, inquestionável que suas atividades vinculam-se ao setor de turismo. Assim, a impetrante faz jus à adesão ao PERSE, de modo que sua exclusão de programa especialmente criado para tal setor, em razão da ausência de um cadastro facultativo até a publicação da Portaria ME, viola o princípio da isonomia tributária. Criado um programa de benefícios fiscais para o setor turístico, contribuintes vinculados a tal setor devem ser tratados igualitariamente, não se sustentando a recusa da autoridade coatora em realizar a adesão ao respectivo programa. – Destaca-se.

 

 

Em outra decisão, que deferiu medida liminar, o juízo da 5ª Vara Cível Federal de São Paulo também reconheceu a ilegalidade do requisito exigido pela Portaria do Ministério da Fazenda:

 

É certo que a inscrição no CADASTUR encontra previsão legal no artigo 21, parágrafo único, da Lei nº 11.771/2008, que dispõe que as sociedades empresárias que prestem serviços de restaurantes, cafeterias, bares e similares poderão ser cadastradas no Ministério do Turismo.

No entanto, relativamente ao setor da impetrante, não há imposição de concretização do referido cadastro, mas apenas faculdade, consoante dicção dos artigos 21 e 22 da Lei nº 11.771/2008, especialmente considerando a utilização do verbo "poderão", in verbis: 

(...)

De outra parte, a Lei nº 14.148/2021, que instituiu o PERSE, não trouxe qualquer previsão acerca da necessidade de prévio cadastramento no Ministério do Turismo, como condição para que a empresa pudesse se valer dos benefícios da alíquota zero.

Em palavras outras, a Portaria nº 7163/2021 desborda os termos da lei, em fronta aos princípios da estrita legalidade e da hierarquia das leis. (Mandado de Segurança nº 5010648-93.2022.4.03.6100)

 

Tendo em vista a extensão dos benefícios concedidos pelo PERSE, espera-se que o Poder Judiciário reconheça a ilegalidade da restrição infralegal ao acesso dos destinatários desse Programa de Incentivo, dando a devida eficácia aos princípios que vinculam o sistema tributário nacional.

 

*Alessandro Mendes Cardoso e Petrina Rodrigues de Mello são, respectivamente, sócio e coordenadora de contencioso tributário do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.