A universidade, o direito e suas funções sociais em tempos de Covid-19

A luta pelo saber, por meio das pesquisas, não pode ser um fenômeno individual/Unplash
A luta pelo saber, por meio das pesquisas, não pode ser um fenômeno individual/Unplash
O setor jurídico é provocado a regular, trazer soluções e entregar respostas para a nova realidade.
Fecha de publicación: 25/06/2020
Etiquetas: Brasil

Ao preservar os indivíduos, a essência funcional da universidade é ser a guardiã da educação, das esperanças nas descobertas da saúde, das grandes ideias na salvaguarda democrática, tanto nas relações entre particulares como naquelas em face do Estado. Parafraseando uma expressão de Anísio Teixeira, a universidade deve exercer esta função guardiã, porque é a “mansão das liberdades, ela é o ambiente em que o pensamento deve ser livre como o ar”.

E, a partir desta ideia, é que se traz ao relevo o estudo das estruturas sociais, pois com a chegada da Covid -19 quebraram-se todas e a humanidade passou a viver na era das incertezas. Em desenho mundial, foram relativizadas as construções que se haviam consolidado, por exemplo, das noções de concretização de direito subjetivo público, de direitos universais, como a saúde e à vida, havendo um claro rompimento de toda a estrutura linear que os cientistas do direito construíram na sociedade livre. Com isso, o direito é provocado a regular, a trazer soluções e entregar respostas para essa nova realidade ou para garantir um núcleo fundamental de direitos de uma vida digna.

O mundo vive um cenário de dúvida da economia presente e futura, da saúde, da subsistência, da produção, das relações de trabalho, dos contratos, da segurança jurídica, dos direitos fundamentais, da própria existência e a única certeza que se pode assentir é a da finitude da vida humana, o que nos insere entre consenso e conflito o tempo todo.

Com esta mudança de paradigma, saiu-se da era linear para questionar a própria função social da universidade, até então o símbolo maior do monopólio do saber, mas que foi colocada em xeque para protagonizar não apenas as modificações e transformações sociais. Deixando para trás seu papel apenas crítico para passar a ser a coadjuvante da própria sobrevivência humana.

Mas o que pode fazer a universidade nessa conjuntura de mais de um milhão de infectados no Brasil e mais de 50 mil mortes em razão da pandemia?

Muitas respostas são esperadas e a primeira delas é de que a instituição é a maior responsável pelos jovens e, se num momento a missão universitária era conduzi-lo pela educação para um futuro de formação, passamos agora a ter um olhar para o jovem no tempo presente.

Também cabe à universidade manter as rotinas de estudos e pesquisas dos seus estudantes, suas integrações com os docentes e projetos universitários, diminuindo-lhes as opressões, fortalecendo-os nesse momento de tanta dificuldade e isolamento. O que parece ter dimensão individual será considerado no futuro como a preservação das partes para a formação do todo social.

Mais do que nunca as instituições de ensino e pesquisa devem acolher o jovem, despindo-se de sua condição de avaliadora para mostrar-lhe que é a condutora de sua educação e integridade intelectual.

Neste desafio, a luta pelo saber, por meio das pesquisas, não pode ser um fenômeno individual, a fim de reafirmar que, além de centro do saber, a universidade é também um núcleo ideológico e político com um fator legitimador dos projetos sociais e coletivos. As intenções individuais devem dar lugar aos grupos para a construção da segurança social e o reconhecimento científico de que o momento atual pandêmico necessita ser um estado entre iguais.

A doença, tal como chegou ao mundo e ao Brasil, nos lembra as palavras de Helmholtz, grande estudioso da teoria da conservação da força, que em 1862, escreveu sobre a dimensão coletiva da universidade, segundo a qual, cada um de nós deve julgar-se não somente aquele que satisfaz sua sede de saber, de promover vantagens particulares ou mesmo de buscar o brilho próprio, mas apenas um simples companheiro de trabalho no grande esforço comum em prol dos mais altos interesses da humanidade.

Valendo-nos também do reforço da história constitucional, já na consolidação de 1946, quando se falava em educação, positivou-se que esta deveria ser conduzida pelos ideais da solidariedade humana.

Assim, a partir da pandemia, com o rompimento das estruturas, como centro de formação, a universidade é instituição exclusiva e insubstituível, uma vez que por meio dela, o saber, nesta perspectiva de rompimento de propósitos individuais, poderá avançar para a pesquisa e a educação que transpassam um ato de transmissão entre gerações e se tornam uma atitude de espírito, que mantém vivo o conhecimento.

Em síntese, as conclusões que entornam a função social e jurídica da universidade são:

  • Desenvolver as tecnologias para o encontro permanente acadêmico em ambiência virtual, unindo o pensamento mundial em torno da cura, da sobrevivência e, notadamente ao direito, das recomendações e positivações do direito a viabilizarem uma melhor forma de convivência humana neste período;
  • Sugerir nas regulações da administração pública a total flexibilização das formas de práticas de ensino e de pesquisa éticas;
  • Regulação no âmbito da pós-graduação brasileira para a integração da ciência, para o prestígio ao trabalho em home-office e todas as situações que sublimem as intensas formas de contágio decorrentes do vírus da Pandemia;
  • Assumir o seu papel quanto à formação e divulgação da informação verdadeira e relevante para toda a sociedade, a tutelar o direito à informação em todas as suas formas possíveis;
  • Retomar, aos moldes da sugestão constitucional de 1946, o conceito de educação para a solidariedade social;
  • Romper com o individualismo para uma perspectiva da ciência em suas dimensões coletivas;
  • Estruturar soluções para as mazelas sociais que se somam ao caos da pandemia, como a pobreza e a desigualdade social.

*Cláudia Mansani Queda de Toledo e José Luiz Ragazzi são sócios do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados.

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