Não. Esse breve artigo ou relatório despretensioso não irá cansá-lo, mais do que já estão, sobre os desenrolamentos referentes a CPI da Covid. Além do que, já passou do limite da desfaçatez de algumas declarações dos depoentes.
Não que a investigação sobre os erros na condução da pandemia não seja importante, mas apenas como simples observadores, vamos tentar analisar um pouco o cenário econômico doméstico e internacional que, por incrível que pareça, pode ser mais importante do que os resultados advindos -- ou não-- da CPI.
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Em algumas leituras de periódicos e papers acadêmicos, acabamos refletindo melhor o que eventualmente possa estar acontecendo com a inflação nos Estados Unidos, que entre insights valiosos, observações e vendo a avidez por parte dos FED Boys, talvez devamos levar, sim, em consideração, que a inflação norte-americana possa ser transitória dado os seguintes pontos:
1. As duas maiores elevações de preços nos EUA, que levaram o IPC a bater 4.2% em 12 meses deveram-se a fatores peculiares relacionado à reativação da economia. Por exemplo, o aumento de 10% no preço de carros usados, foi um fato peculiar. As pessoas estão deixando o distanciamento social querendo aproveitar ao máximo a liberdade de ir e vir, cerceada momentaneamente.
O mercado de carros usados parece estar experimentando um boom por parte dos consumidores daquele país. A enorme vontade de viajar e evitar aglomerações em aviões tem levado muitas famílias a procurarem por esse bem. Mas por que não carros novos? As cadeias mundiais de suprimentos ainda estão extremamente desorganizadas. Faltam insumos, chips para a fabricação de automóveis novos e ainda existem vários gargalos de oferta ao redor do mundo, diminuindo sua oferta e encarecendo mais ainda alguns bens e produtos.
Além do aumento peculiar dos carros usados, que contribuiu com 1/3 dos aumentos de abril, o preço das “hospedagens fora de casa” também subiram, corroborando a vontade de aproveitar um novo ou antigo “normal” de liberdade. Toda essa peculiaridade na demanda reprimida acabou levando também a um cenário de preços reprimidos, que se soltaram com o fim do isolamento, mas alguns confrontando um choque de oferta ou falta de bens e serviços para atender essas demandas restringidas por tanto tempo.
Em algum periódico, não lembro qual, um economista comparou a atual situação da inflação dos EUA como uma garrafa de ketchup momentaneamente entupida. Dificilmente alguém não tenha passado pela experiência de bater no fundo da garrafa para lambuzar seu sanduíche sem sucesso, até que após exaustivas tentativas, a inundação da “iguaria” acaba cobrindo seu quitute exageradamente. Talvez essa analogia possa ser aplicada a situação atual. Preços reprimidos por causa do fim do isolamento, com tentativa de buscar novas ofertas, e dado o choque de oferta, os preços sobem (a garrafa entope). Assim que a demanda reprimida arrefece, as cadeias de suprimento se regularizam com a abertura das economias e o mundo testemunhará talvez a um excesso de oferta momentânea, corroborando a temporariedade do repique inflacionário (ketchup à vontade).
2. E o nosso câmbio, hein? Inúmeras vezes já vimos que a trajetória da nossa moeda foi uma das piores, melhor apenas que o desempenho do Peso argentino, mas pior que a Lira turca. A resposta beira nitidamente na percepção do nosso risco fiscal. Mas por que o Real brasileiro tem apresentado finalmente uma trajetória de apreciação, acompanhando a depreciação do US Dólar, como observado na performance do DXY? Talvez o risco fiscal tenha diminuído. Mas como pode isso ter acontecido? Ora, ao final das contas, o que importa é a trajetória da dívida pública, que depende de alguns fatores como segue:
Se esperamos uma maior inflação para esse ano, além de um maior crescimento econômico (3.5% e contando!!), a base de tributação tende a melhorar, melhorando o nosso déficit primário. Com todos esses fatores, o teto da dívida pública para o ano de 2022, sem maiores “puxadinhos orçamentários”, tende a ser respeitado, bem como a nossa dinâmica da dívida pública passa a testemunhar uma trajetória menos explosiva, daí a menor inclinação das curvas de juros e a apreciação cambial observada no último mês.
Se analisarmos a curva de juros do Brasil perceberemos que apesar do deslocamento para cima dado o aumento da SELIC, o diferencial entre os yields de 10 e 2 anos diminuíram, o que reflete um menor risco fiscal percebido. Menor risco fiscal percebido aqui, aliado a uma maior depreciação do US Dólar observado pelo DXY, acaba batendo favoravelmente na nossa moeda.
3. A inflação no Brasil parece teimosamente não dar trégua, O último IPCA-15 chegou a bater 7.27% em 12 meses. Com essa puxada, será que o BACEN ficará mais hawkish do que esperamos? Acho difícil, em que pese que a meta de inflação de 2021 já estar perdida rompendo o teto de 5.25%, a política monetária funciona com uma certa defasagem. Pisar no freio agora só repercutirá na dinâmica da formação de preços em um prazo de 6 a 9 meses. Mira-se agora a inflação de 2022.
Mesmo assim, será que estamos em uma escalada inflacionária consistente? Aparentemente não. Se analisarmos a evolução do nível de preços de bens transacionáveis (alimentação) e não transacionáveis (outros), o índice de preço que se destaca refere-se ao índice de transacionáveis (commodities alimentos + câmbio) e eletroeletrônicos, este último produto de um choque de oferta (menos insumos para a sua montagem). O preço de outros bens e serviços, tais como vestuários, despesas pessoais (basicamente serviços, housing, transportes e outros), ficam dentro do limite da meta.
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Segundo o IBGE se considerarmos apenas os setores não transacionáveis, a inflação de 12 meses ficou em 2.1%, ou seja, a inflação ou a subida de preços não nos parece generalizada, principalmente devido à ainda fragilidade do mercado de trabalho. Dessa forma, é possível continuar apostando em uma subida gradual da SELIC para 5.5% a 5.75% subindo 0.75% e 0.5% em cada reunião até o final do ano, chegando a 6.5% em 2022.
*Roberto Dumas é economista e professor no Insper.
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