BC deveria rever norma que proíbe bancos de incentivar aplicação de recursos captados no Brasil no exterior

Bruno Balduccini - Crédito Divulgação
Bruno Balduccini - Crédito Divulgação
Bruno Balduccini, do Pinheiro Neto, analisa decreto de revisão de atos normativos
Fecha de publicación: 16/12/2019
Etiquetas: decreto 10.139, câmbio, bcb

Em entrevista ao LexLatin, o advogado Bruno Balduccini, sócio do Pinheiro Neto Advogados, avalia que o Banco Central poderia aproveitar a imposição do decreto de revisão de atos normativos para rever a regra que proíbe bancos de incentivarem seus clientes a investir fora do país os recursos que depositam no Brasil. 

Sócio do Pinheiro Neto Advogados, ele se formou em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e obteve um LL.M. (Master of Laws) na Boston University. Além disso, presidente o Comitê de Direito Bancário do Instituto de Advogados de São Paulo desde 2001.

Editado no fim do mês passado, o decreto determina que todos os órgãos do Executivo federal revisem e consolidem todos os atos normativos inferiores a decreto, em somente três categorias --portarias, resoluções e instruções normativas--, permitindo ainda a revogação das normas "já revogadas tacitamente"; "cujos efeitos tenham se exaurido no tempo" e "vigentes, cuja necessidade ou cujo significado não pôde ser identificado". 

Leia abaixo a entrevista:

Qual é sua avaliação sobre o decreto de revisão de normas editado pelo governo?

Acho uma norma positiva que obriga aos órgãos regulatórios da administração pública, limparem e aprimorarem as suas normas visando trazer simplicidade e eliminação de inseguranças jurídicas.

Que impactos práticos espera que aconteçam? Uma grande revisão ou revogação?

Vai depender de cada órgão. Alguns deverão ter mudanças maiores outros apenas pontuais. Vale lembrar que o decreto não visa criar novas regras, mas apenas racionalizar e simplificar o processo infralegal de cada órgão.

Poderia destacar três normas de sua área que deveriam sofrer revisão ou serem eliminadas inteiramente durante esta revisão?

A Circular 24/66, uma norma antiga que determina que um banco não pode incentivar a aplicação de recursos captados no Brasil no exterior. Essa norma surgiu numa época de controle cambial e proteção da divisa. Ocorre que as regras cambiais foram atualizadas e hoje qualquer pessoa pode fazer mandar recursos para fora do país. Então, ficamos com uma situação delicada em que o banco não pode oferecer o serviço, mas o cliente pode pedir para mandar o dinheiro para fora. Sempre há o temor de o banco ser punido pelo BACEN.

A revisão também poderá impactar um conceito na regra cambial do começo do século passado, que se chama Jogo sobre o Câmbio. Pela definição feita no passado, parece que uma operação de hedge cambial seria proibida.

O último exemplo: para a realização de câmbio é preciso achar uma classificação cambial (um código) que é disponibilizada pelas regras do BACEN. Há, por exemplo, um código de remessa para empréstimo, constituição de disponibilidade, manutenção de pessoas, etc. Se não há código, então, em tese, não se pode mandar o dinheiro. Um exemplo clássico de ausência de código é o reembolso de despesas. Então, se uma empresa no exterior incorre em um gasto de uma empresa no Brasil e a empresa no Brasil precisa reembolsar, daí não consegue mandar o dinheiro. Ela teria que utilizar um outro código. Isso é um problema, porque, a depender do código, é possível gerar o pagamento de um imposto que não seria devido no reembolso. Ademais, usar o código errado pode gerar uma multa que pode chegar a 100% do valor da operação.

Qual o impacto destas transformações para a prática da advocacia nos próximos anos?

Acho que ajuda a advocacia como um todo. A inconsistência nas normas gera diversas interpretações, o que ao final provoca insegurança jurídica e dificuldade do advogado se posicionar claramente sobre um tema. Dessa forma, a previsibilidade nos aconselhamentos aumentará e haverá ganho de eficiência para todos na cadeia. Outro ponto importante: o excesso de normas e a sua inconsistência prejudicam os escritórios de advocacia e os advogados com estrutura mais enxuta. Então, um segundo impacto seria a democratização dos serviços jurídicos com aumento de qualidade no serviço.

O decreto de revisão faz parte de um amplo conjunto de medidas adotadas pelo governo para reformulação do Estado. Como avalia as mudanças realizadas neste ano e o que esperar para o ano que vem?

No geral, esse pacote de mudanças é bem-vindo e importante para o país. O Brasil possui um excesso de normas em todas as esferas. Esses excessos geram uma burocracia desnecessária com encarecimento dos processos e uma maior chance de corrupção. Afinal, ambientes burocráticos e complexos propiciam o surgimento de “facilitadores” que vendem soluções. O Estado deve passar ao cidadão uma experiência seamless, ou seja, deve agir de forma harmônica e pró-cidadão.  Se forem necessárias diversas etapas para fazer algo, isso será traduzido no custo final do produto e pode afastar investidores. É preciso pensar sempre nas consequências práticas das normas que são implementadas.

Ter normas em excesso prejudica o ambiente de negócios, mas ao mesmo tempo as mudanças frequentes de normas no Brasil cria insegurança jurídica. Neste momento, o que prevalece na visão dos investidores em sua opinião?

Os investidores olham para o Brasil como um país de grandes oportunidades, mas muito complexo. Alguns anos atrás tivemos um cliente americano que queria implementar um produto que envolvia câmbio de moedas e remessas ao exterior. Depois de comparar o Brasil com outros países, decidiu implementar o seu produto na China primeiro. Entendeu que o Brasil era tão complicado que fez primeiro um “aquecimento” na China para depois enfrentar o Brasil. Concordo que ter normas em excesso ou realizar muitas mudanças prejudica e afasta investimentos. Por isso, as normas precisam ser pensadas para durarem o tempo adequado e serem interpretadas de forma linear e sem interpretações alternativas. Para isso, quem escreve as normas precisa entender claramente os modelos de negócios existentes e as consequências de cada palavra escrita. É preciso se perguntar: essa norma vai facilitar a vida da empresa ou do cidadão? Vai ser fácil de implementar? Vai gerar burocracia? Quais são os passos práticos que uma empresa ou cidadão precisa observar para cumprir a norma? Esses questionamentos farão com que a qualidade final da norma seja superior.

O que podemos esperar de impactos no Judiciário quando o Executivo revogar dezenas de normas que atualmente justificam decisões judiciais?

Deverá causar inicialmente um aumento de casos contenciosos, mas a médio prazo a clareza e a simplificação deverão reduzir a judicialização dos assuntos. É um mal necessário, mas precisa ser feito.

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