Escritórios virtuais e bancas tradicionais irão competir no pós-pandemia

"A médio prazo, esta concorrência com escritórios virtuais, em causas mais generalistas, deve causar outros efeitos como, por exemplo, uma diminuição nos valores dos honorários advocatícios."/Pixabay
"A médio prazo, esta concorrência com escritórios virtuais, em causas mais generalistas, deve causar outros efeitos como, por exemplo, uma diminuição nos valores dos honorários advocatícios."/Pixabay
Para vice-presidente da OAB do Rio de Janeiro, nova realidade virtual também trouxe democratização da Justiça.
Fecha de publicación: 17/06/2020
Etiquetas: Brasil

A pandemia do novo coronavírus trouxe novos desafios à atividade advocatícia e, quase quatro meses após o primeiro caso, isto deixou de ser novidade. O que se deve notar é que agora um embate entre gerações de advogados, e mesmo na maneira de se gerir escritórios, começará a definir a competitividade na área após a pandemia. A análise é da vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro, Ana Tereza Basílio.

A advogada, que é sócia do escritório Basílio Advogados, desenha uma realidade onde escritórios, que já eram cada vez mais virtuais, aceleraram este processo de digitalização por conta da pandemia. Assim, uma geração mais jovem, de escritórios menores e mesmo virtuais, deverá pressionar e ocupar espaços hoje dominados por bancas mais inclinadas a um esquema tradicional de atendimento e atuação. 

Ana Tereza, que também preside a comissão de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), afirmou, em entrevista por telefone, que a perspectiva para este setor no futuro pós-pandemia é de crescimento, sem que se percam as características atuais deste tipo de resolução de conflitos. "A demanda por mediação, para diversos casos, tenderá a crescer após a pandemia e passa sim a ser a melhor opção, mais célere e econômica, para os contribuintes afetados pela crise", afirmou. 

A seguir, trechos da entrevista:

Qual seria o maior desafio hoje à advocacia no país? E isso implica em que tipo de mudanças?

Hoje, no momento em que estamos, este desafio está na capacidade de conseguir atender a partir de dentro de casa, sem a possibilidade dos escritórios e das salas de reunião, a questão de conseguir se reunir com clientes de maneira presencial, e manter uma rotina que era comum até há pouco tempo. A pandemia provocou uma aceleração abrupta nessa modernização, que era um processo calculado e que vinha sendo feito pela área advocatícia.

Mas há sim pontos positivos a se destacar: a principal destas mudanças causadas pela pandemia é a democratização do acesso da advocacia aos tribunais superiores no Brasil. Antes da pandemia, uma série de fatores poderia impedir que houvesse a devida defesa em tribunais, seja por conta da distância, seja porque o cliente ou o escritório não podiam arcar com os custos de acompanhar o caso nos tribunais superiores. 

Ana Tereza Basílio

A tribuna virtual é um caminho irreversível?

Tudo indica que sim, até porque os tribunais têm ganhado em eficiência. No pós-pandemia, o julgamento virtual não deverá voltar a ser uma normalidade, mas dificilmente devem retroceder de alguns avanços trazidos pela plataforma virtual.

Com a possibilidade de sustentações virtuais e o acompanhamento virtual destes processos, a Justiça acaba por se tornar mais democrática. Ainda há ajustes a serem feitos, e – mas a plataforma do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que regulamenta o assunto é um bom início da discussão.

E qual o efeito desta democratização? 

Isso [a possibilidade de julgamentos virtuais em tribunais superiores] possui o efeito de diminuir a concentração da advocacia em escritórios maiores, que podiam enviar seus profissionais com mais facilidade aos mais diversos tribunais para acompanhar estes casos e abre espaço para escritórios menores, que operem exclusivamente em ambiente virtual.

E não há impedimentos para que um escritório funcione de maneira 100% virtual. Inclusive alguns escritórios já operam nesse sentido, sendo uma opção até mais competitiva para estes advogados mais jovens.

Quando você diz que estes escritórios virtuais seriam competitivos, isso não colocaria os escritórios tradicionais em desvantagem?

Os grandes escritórios ainda sim teriam espaço de atuação. Casos considerados estratégicos para as empresas ainda demandarão um atendimento específico e personalizado de grandes escritórios especializados. Mas mesmo estes escritórios mais tradicionais irão acelerar os esforços de virtualização do seu atendimento, já no pós-pandemia.

A médio prazo, esta concorrência com escritórios virtuais, em causas mais generalistas, deve causar outros efeitos como, por exemplo, uma diminuição nos valores dos honorários advocatícios. 

Os valores dos honorários seriam jogados para baixo, então?

Sim – uma vez que, para estas causas mais generalistas, os escritórios menores irão competir com custos menores, já que podem cortar despesas, valendo-se de, por exemplo, atendimento a clientes pela via virtual.

Que lado teria vantagem neste "conflito de gerações"?

Hoje há ainda certa dificuldade de uma parcela de advogados que sofrem com a falta de equipamentos, acesso à internet móvel, etc. Este grupo de advogados, menos ligados à tecnologia, terão de se adaptar, ao menos em parte, a esta nova realidade. 

A médio prazo, com este cenário consolidado, os advogados mais jovens teriam mais vantagens, ao poder operar de maneira mais competitiva dentro de um cenário que se encaminha para o ambiente virtual.

Você fala de uma oportunidade de crescimento, após esta pandemia, de arbitragem – que hoje é quase que uma exclusividade de multinacionais ou empresas de grande porte de capital aberto. Isso mudará?

A minha expectativa é que a arbitragem continue sendo um tipo de processo mais caro e restrito. Afinal de contas, são as participantes do contrato que escolherão as regras do julgamento, a câmara que fará a decisão, e os julgadores – que são pessoas de ser de notório saber jurídico e altamente especializados. 

Uma solução mais democrática, e acredito que seja mais viável a todos, será a mediação, tanto judicial quanto extrajudicial. A demanda por mediação, para diversos casos, tenderá a crescer após a pandemia e passa sim a ser a melhor opção, mais célere e econômica, para os contribuintes afetados pela crise – e quase todos os setores foram afetados pela crise. Isso também tem o objetivo de  desafogar o Judiciário, que está com acúmulo de ações desde antes do estado de calamidade. 

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