Gustavo Brigagão: "As estruturas jurídicas têm que se adaptar para receber mais afrodescendentes"

Vou dar continuidade aos projetos de inclusão que foram implementados pela instituição e tocam em uma questão nevrálgica da sociedade brasileira/Divulgação
Vou dar continuidade aos projetos de inclusão que foram implementados pela instituição e tocam em uma questão nevrálgica da sociedade brasileira/Divulgação
Novo presidente do Cesa fala sobre a importância da inclusão, reforma tributária e conjuntura brasileira.
Fecha de publicación: 14/04/2021

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Gustavo Brigagão é o novo presidente do Cesa, o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados. Ele assumiu o cargo no fim de março. A entidade tem 38 anos e representa 1200 escritórios de advocacia, entre eles os maiores do país. O advogado, que é sócio do Brigagão, Duque Estrada Advogados, vai administrar o Cesa no triênio 2021-2024.

O novo presidente é um dos maiores especialistas em direito tributário do país e desde 1995 acompanha a discussão da reforma tributária no Congresso Nacional. Ele foi presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro e tem atuado nos principais temas que envolvem os mercados de petróleo, tecnologia da informação, entretenimento, telecomunicações e energia, além dos setores industrial e comercial.


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Ao longo da última década, Brigagão também esteve envolvido com eventos esportivos internacionais (Copa do Mundo, Jogos Olímpicos) e regimes especiais de importação, planejamento tributário (incluindo aplicação de benefícios fiscais brasileiros) e reestruturação societária. Ele também é professor de direito tributário dos cursos de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas.

Em uma conversa com LexLatin, o advogado falou dos desafios que vai enfrentar como presidente do Cesa, entre eles a importante missão de melhorar a inclusão no mundo jurídico nos próximos anos. Veja a entrevista.

Como foi o caminho até a presidência do Cesa?

Estou no Cesa há 21 anos. Iniciei a minha atuação no comitê tributário da instituição. No meu primeiro contato com o Cesa surgiu uma questão muito séria relativa à tributação pelo ISS da Sociedade de Profissionais. Nesse momento, pensei que deveria agir de alguma forma para que erros não fossem cometidos. Na época, eu era presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB e vi no Cesa um excelente caminho, tendo em vista a sua seriedade, representatividade e capilaridade muito fortes. Temos comitês que se dedicam ao exame de questões relativas aos mais variados ramos do direito: tributário, comercial, social, societário, penal, arbitragem etc. A capilaridade vem das seccionais, que estão espalhadas por todas as regiões do país.

Passei, então, a frequentar a instituição e atuar fortemente na busca de solução daquele problema, que era de índole nacional. O Cesa era um excelente foro para o debate de questões relevantes em direito de uma forma geral. Não só para as questões relativas às sociedades profissionais, mas para a sociedade civil como um todo. Nos anos que se seguiram, fui eleito presidente da seccional do Rio de Janeiro e depois, fui sucessivamente diretor de Relações Internacionais e diretor de Relações Institucionais.

Durante todo esse período, só reforcei a minha constatação inicial relativa à excelência e à representatividade do Cesa como instituição formadora de opinião. Sou o seu primeiro presidente não paulista, depois dos quase quarenta anos da sua existência, o que muito me orgulha e, ao mesmo tempo, duplica o meu desafio, já em muito asseverado pelo fato de estar, juntamente com a Cristiane Romano, nossa vice-presidente, sucedendo o Cajé e a Moira, que, por seis anos, foram responsáveis por uma gestão impecável e da mais absoluta excelência.

Quais são suas bandeiras para esse período frente ao Cesa?

Vamos dar continuidade ao trabalho que o Cajé e a Moira vinham realizando. Como disse anteriormente, o Cajé se tornou uma referência entre os presidentes do Cesa, foi extremamente dedicado à instituição, e com um carisma inigualável. Temos projetos de inclusão que foram implementados pela instituição e tocam em questões nevrálgicas para a sociedade brasileira, como, entre outros, o “Incluir Direito”, “Incluir Digital” e o Prêmio Lumen que incentiva os escritórios a adotarem políticas de boas práticas sob os mais diversos enfoques.

Como você vê a questão da inclusão da população afrodescendente no mercado jurídico e, especificamente, nos grandes escritórios?

O “Incluir Direito” vai exatamente ao encontro da solução dessa importante questão, na medida em que o projeto é focado nos afrodescendentes de baixa renda, com o objetivo de ajudá-los a se adaptarem às estruturas dos grandes escritórios. E, ao mesmo tempo, ajudar os escritórios a melhor receberem os afrodescendentes, sempre visando a melhor integração entre ambas as partes.

É um projeto vitorioso e que deve ser ampliado, não só para negros de baixa renda. Há vários outros grupos que devem ser observados e protegidos sob todas as formas: os deficientes físicos, os LGBT, as mulheres, entre outros. Já há um movimento específico e muito forte relacionado à questão da mulher. Em relação aos deficientes físicos, por exemplo, devemos nos focar na questão da sua acessibilidade aos mais diversos instrumentos de trabalho.  É uma longa estrada, mas estamos empenhados em trilhá-la com afinco.

Como você analisa a mudança de paradigma de grandes empresas e multinacionais que estão trabalhando a questão da inclusão? Como isso afeta o mercado jurídico?

Acho essa política louvável, porque essa reação das empresas acaba por forçar aqueles que não estão muito atentos a essa questão a se posicionarem de forma diferente, sob pena de prejudicar o próprio negócio. Devemos ajudar os nossos associados a se adequarem a esse novo cenário. É uma questão de educação. Os escritórios, sejam os grandes ou os pequenos, devem ser instruídos sobre como agir.  E há formas diferenciadas para essa abordagem, porque são duas realidades completamente diferentes.  Refiro-me ao tamanho dos escritórios.


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Como está sendo o enfrentamento da pandemia por parte dos escritórios e como trabalhar essa questão dentro do Cesa?

A maioria dos escritórios de advocacia se adequou ao home office. Pelo menos em comparação com as outras profissões, em que o trato pessoal é mais necessário. Refiro-me aos dentistas e outras profissões em que o contato físico é imprescindível. Num momento de distanciamento social como esse que estamos vivendo, a atividade dos escritórios de advocacia continua podendo ser exercida, apesar de estarmos em casa.

Óbvio que há também problemas que têm que ser observados e tratados com maior atenção, como a questão relativa aos prazos processuais, principalmente no que diz respeito àqueles processos que ainda são físicos, que não foram digitalizados.

Há também a questão do acesso dos advogados aos magistrados, algo que ficou muito prejudicado com a pandemia. É preciso um cuidado especial com essas questões, de forma que não seja abalada a própria segurança jurídica, o que acaba por afetar o jurisdicionado e a própria sociedade civil. A atividade da advocacia é absolutamente essencial ao exercício da cidadania e assim deve ser tratada.

Falando um pouco da sua área, a forma da tributação hoje no Brasil é bastante complicada. A proposta de reforma tributária melhora a competitividade do regime de negócios, traz mais clientes para os escritórios?

A reforma tributária é extremamente necessária. Nosso sistema tributário nacional conferiu à União, aos estados e aos municípios competências concorrentes. Isso acabou por gerar um conflito muito forte. Um exemplo disso é a tributação do software, que somente agora, após 20 anos de discussão, foi resolvida no Supremo Tribunal Federal numa decisão proferida recentemente - se o software seria tributado pelo ICMS ou ISS.

Essa dúvida chegou a fazer com que algumas empresas pagassem os dois tributos ao mesmo tempo. Por questões de compliance, elas não poderiam ter uma vulnerabilidade do não pagamento dos tributos. Como estados e municípios se consideravam competentes para tributar a operação, essas empresas resolveram pagar os impostos concomitantemente, o ICMS e o ISS.  Um absurdo que só ocorre no Brasil, com esse sistema tributário ultrapassado e confuso com que somos forçados a conviver.  Como esse, vejo vários conflitos do gênero na minha prática diária.

Há também a multiplicidade de regras, de tributos, a forma equivocada como o princípio da não cumulatividade é aplicado no Brasil. A cumulatividade de incidências gera sérios danos à economia. Há quatro tributos não cumulativos e um único e comum problema a ser tratado – os danos a que me referi –, mas as regras da não cumulatividade são completamente diversas e inconsistentes. O contribuinte não consegue entendê-las nem, muito menos, aplicá-las de forma coerente. O resultado é absoluta falta de segurança jurídica.

Se há a necessidade de reforma? Ela é absolutamente necessária. Mas há equívocos muito graves em todos os projetos que tramitam no Congresso – PEC 45, 110, Projeto Simplifica Já, do saudoso senador Major Olímpio, só para citar alguns.

Por exemplo, essa questão da alíquota única, que não é praxe no resto do mundo.  A alíquota única no Brasil não funciona porque haverá setores relevantíssimos da economia – serviços, por exemplo – que serão onerados de forma absolutamente excessiva.  As sociedades profissionais, por exemplo, que interessam nesta conversa, sofrerão aumento de carga tributária de 600%! É inaceitável que haja uma reforma tributária que permita esse resultado, em relação a um segmento tão importante para a sociedade brasileira.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estabeleceu quatro fases para serem observadas no enfrentamento da Covid. As três primeiras são de exercício pleno de extrafiscalidade, ou seja, de concessão de moratórias, de ajuda tributária às empresas de forma a que elas sobrevivam a este momento caótico e continuem mantendo e gerando empregos.

Mas, em vez disso, não se discute outra coisa no país que não seja reforma tributária! Se ela for aprovada agora, teremos um período de transição de dez anos.   Ou seja, nesse período, o contribuinte terá que conviver com o caos tributário em que vivemos atualmente e com o novo caos, criado pelo tributo novo. Será que o momento em que vivemos – de absoluta retração econômica, com sérias consequências no campo social -  é o que melhor se adequa a essa discussão? Acho que a reforma tributária terá que ser feita, mas não agora nem com qualquer desses projetos que estão aí.

Como o Cesa se posiciona politicamente diante desse governo?

O Cesa é uma instituição apolítica. Não defendemos um candidato X, Y, Z. O que fazemos é estar eternamente atentos a qualquer ameaça às instituições democráticas e garantir que não sejam praticadas flagrantes inconstitucionalidades e/ou ilegalidades relativas a temas que sejam do interesse das sociedades de advogados e da sociedade civil.

Essa é a nossa posição. Estamos muito atentos e, sempre que isso ocorre, nós nos manifestamos formalmente e tomamos as medidas necessárias na discussão das questões que são mais relevantes. Para tanto, nós atuamos, muitas vezes, lado a lado, com outras instituições – como OAB, IAB, AASP, IASP - e também nos tribunais, como amicus curiae. Estamos sempre muito atentos à manutenção das instituições democráticas, dos institutos que asseguram a democracia que conseguimos conquistar a um custo tão elevado.


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