Jacinto Coutinho: “A Operação Lava Jato é muito maior do que Lula”

“O STF, muito tarde, está chegando naquilo que devia chegar”
“O STF, muito tarde, está chegando naquilo que devia chegar”
Professor, uma das referências do processo penal no Brasil, avalia como os integrantes da Operação agiram durante a apuração das denúncias.
Fecha de publicación: 29/03/2021

O professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho é uma das referências na área de processo penal no Brasil. Ele foi membro da comissão de juristas do Senado Federal que elaborou o Anteprojeto de Reforma Global do Código de Processo Penal, hoje Projeto 156/2009-PLS. Ele é autor de vários livros que são referência para estudantes de direito e advogados. Sua história ficou marcada também, a partir de 2014, pela Operação Lava Jato.

Ele, junto com um grupo de especialistas, ajudou a defender alguns dos principais acusados na Operação, como representantes das empreiteiras OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht, funcionários do Instituto Lula e pessoas que foram chave nos inquéritos, como José Carlos Bumlai, empresário e pecuarista preso e condenado pela Operação a 9 anos e 10 meses pelos crimes de corrupção passiva e gestão fraudulenta de instituição financeira.


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Em entrevista a LexLatin, Jacinto Coutinho analisa o uso do instituto da “delação premiada” no Brasil, algo que ele considera uma “americanização à brasileira”, que não deu certo por aqui por causa da diferença entre o modelo de direito anglo-saxão e brasileiro, o que resultou, na visão dele, em muitas ilegalidades.

O professor analisa ainda a decisão do STF que declarou o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro parcial no caso do processo de Lula e do Triplex do Guarujá e desabafa:  “O STF, muito tarde, está chegando naquilo que devia chegar”. Veja a entrevista a seguir.

Estamos num momento em que a questão das delações premiadas que foram utilizadas na Operação Lava Jato estão sendo questionadas: por estudos e também pelo próprio STF. Como o Sr. avalia a aplicação desse instituto aqui no Brasil?

A delação é um instituto norte-americano que eles copiaram aqui. O responsável principal disso foi o Sérgio Moro. Eles fizeram isso influenciados pela recomendação do Gafi [Grupo de Ação Financeira], o órgão de controle da circulação de dinheiro, criado pelo G8, mas comandado pelos EUA basicamente [para proteção  do sistema financeiro e da economia contra ameaças de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo e da proliferação das armas de destruição em massa]. Isso é o que eu chamo de americanização à brasileira, com a desculpa de que as recomendações do Gafi devem ser aprovadas sob pena de represália econômica. O Congresso Nacional passou a medida sem discutir quase nada.

O Gafi, de fato, recomenda controle mais pesado de circulação de dinheiro, mas não diz que deva passar por cima das constituições. Ao contrário, eles sabem que tem Constituição, que se deve tensionar até o limite dela, mas não deve negar a Constituição porque as cortes declarariam inconstitucionalidade.

Aqui passou tudo como se não houvesse Constituição, passou tudo mais agravado, numa extensão incrível de inconstitucionalidade. Os tribunais, particularmente o STF (Supremo Tribunal Federal) nunca teve preocupação de declarar a inconstitucionalidade.

Porque estou falando isso? Me parece que é a questão vital, não só pelo fato de que com o Gafi e as recomendações eles acharam uma desculpa para fazer a americanização à brasileira, que veio para uma estrutura completamente diferente do modelo de direito norte-americano.

Os norte-americanos e os ingleses, os anglo-saxões, seguem um sistema de Justiça de Common Law [sistema baseado em precedentes criados a partir de casos jurídicos e não em códigos. Por isso, o papel dos juízes e dos advogados é importante para o desenvolvimento desse sistema. O sistema de Common Law tem poucas leis e a estrutura do direito é fundada nos princípios de regência e nos precedentes]. Os norte-americanos têm Constituição e ela é o que ilumina tudo, até onde consegue iluminar.

Eles respeitam a Constituição e fazem força para respeitar. Todas as lutas dos norte-americanos são na direção de forçar a realização estendida da Constituição. É nisso que se baseiam as batalhas que a sociedade norte-americana tem para conquistar maior cidadania e civilidade.

Nós temos uma Constituição que é excepcional, porque é detalhada e prescreve um número muito grande de direitos e garantias, mas nós fazemos de conta, às vezes, que isso não existe e às vezes é possível passar por cima disso. Então, eles pegaram esse instituto da delação lá no direito norte-americano, sem que nossa base seja do direito norte-americano e aplicaram aqui.

A diferença é que nosso sistema é de Civil Law [ordenamento jurídico de normas escritas, publicadas e documentadas. Cada assunto tratado recebe um código que o disciplina e prevê possíveis formas de reparação em caso de descumprimento de uma norma]. Para nós os costumes, a praxe, a moral está incorporada na lei. Então, a lei no princípio da legalidade é a regência do direito. Quando você pega um instituto de Common Law e coloca num sistema de Civil Law, num processo penal marcado por uma matriz inquisitorial, o que você faz é aglutinar poderes na figura do juiz.

Por isso que um juiz num sistema legislado como o nosso deve ocupar o lugar do poder jurisdicional e acaba em uma estrutura inquisitorial como temos no nosso processo penal. Por sinal, inconstitucional, incompatível com nossa Constituição, dirigida a uma estrutura acusatória, que é modelo de um processo anglo-americano. O juiz acaba potencializando poder que já é imenso na estrutura inquisitorial.

É por isso que um juiz, conforme a Constituição, deve ser imparcial, equidistante. O juiz acaba de fato comandando o combate ao crime. Tem o juiz que combate o crime, o juiz que, de certa maneira - ainda que formalmente não - acaba sendo chefe de uma equipe. Foi o que vimos na Lava Jato. O juiz acaba sendo capitão de uma equipe, só que é o mesmo juiz que vai julgar depois.

Aquilo que constitucionalmente está demarcado, que o juiz tem imparcialidade no sentido de ter equidistância e desinteresses intrometidos nos processos, acaba. Se você tem um juiz que combate o crime, capitania uma força de combate ao crime, você não tem evidentemente imparcialidade em um juiz assim. Tudo é feito em um faz de conta, é como se você fingisse que tem um juiz imparcial, que se comporta mais ou menos para não ficar escancarado que há uma violação da estrutura dos direitos e garantias.


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Mas no subterrâneo, escondido, por baixo, numa zona de penumbra, está a verdadeira realidade. Vimos isso na Lava Jato e depois naquilo que foi a exposição do concreto da realidade de um processo penal inquisitorial. Isso, no qual institutos do sistema de Common Law impregnados no sistema inquisitorial do modelo de Civil Law, acaba potencializando a figura do juiz e dando no que deu. Esse é o fundamento pelo qual um juiz que comanda a investigação e o processo naturalmente é um juiz que tende a primeiro decidir e depois buscar elementos para a decisão.

É uma subversão da lógica. Ele deforma a lógica: primeiro decide e depois vai buscar a conclusão. Quando você tem situações como a da delação, que deveria ser simplesmente como de fato é no modelo norte-americano - o indício capaz de levar os órgãos de investigação a buscar a prova - o conhecimento necessário para conformar sua decisão, aqui serve como quase uma verdade absoluta para conformar a decisão que ele tomou antes para depois, de certa maneira, tentar durante o processo justificá-la.

Jacinto Coutinho

Por isso que o processo demora tão pouco tempo, porque já está tudo decidido. Quando a operação começou, disse que na realidade estava resolvido, tudo decidido. O juiz não me disse, mas toda a estrutura do modelo do pensamento, toda analítica aristotélica que preside a estrutura de decisão a partir de uma premissa maior é invertida. Ele dentro do que ele tem na frente dele, uma primeira impressão como uma delação premiada, na decisão dele é o suficiente, ele decide condenar e aí vai fazer o processo para testar a decisão dele e então arruma a decisão de condenação que ele tem.

É possível dizer até a pena que ele vai aplicar: entre nove e onze anos. Estudei muito essa matéria e tudo isso está potencializado com esse discurso que o sistema está se democratizando, com a inclusão de institutos de Common Law, norte-americanos, no sistema brasileiro.

Mas quando eles vêm sozinhos e não se muda o sistema, mas só se injeta o instituto no sistema, eles potencializam os lugares de poder do sistema. O mais importante: isso só está potencializando o lugar do juiz. Eles estão pressionando os réus para que eles delatem em troca de algum benefício de pena, (prendendo gente da família, por exemplo) e coagem as pessoas. A delação serve quase como um desencargo mental para que ele veja a testemunha e ali, tomando o depoimento da testemunha como uma verdade absoluta, pode tirar a carga da decisão que ele já tomou.

Como o senhor vê a possibilidade de instrumentos de coação para a testemunha fazer a delação premiada: prender a família, a esposa, os filhos, a mãe...esse artifício é válido para motivar a delação?

O Paulo Roberto Costa [diretor de abastecimento da Petrobras, entre 2004 e 2012, conhecido por seu envolvimento no esquema de corrupção na estatal investigado pela Operação] não ia delatar, ele foi o primeiro da Petrobrás, mas ele só decidiu fazer uma delação quando prenderam o filho e a filha. A ameaça da prisão da família fez o Paulo Roberto Costa ficar com tanto medo que acabou indo delatar, foi sempre uma ameaça.


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Bumlai é meu cliente também, tinha câncer, começou a passar mal, tentamos libera-lo. No primeiro instante não fizeram, mas conseguimos fazer com que o tribunal mandasse ele para o hospital com câncer. Ele foi fazer um tratamento pesado, depois foi para casa e prenderam ele doente e com câncer. Ele é um caso a ser ouvido, estava com sérias chances de morrer pelo câncer e ele [Moro] mandou o Bumlai voltar para a penitenciária, sob o fundamento que no complexo penitenciário, que não tem remédio nem para dor de cabeça, tinha condição de tratar do Bumlai.

Porque eles com medo que Léo Pinheiro [José Aldemário Pinheiro Filho, dono de 10% do grupo OAS, que foi preso na Lava Jato e começou a fazer as primeiras denúncias que envolvem o governo petista. Nas delações da OAS, Léo Pinheiro afirmou que a empreiteira fez a reforma do triplex no Guarujá que seria destinado ao ex-presidente Lula e também ajudou na reforma do sítio que estaria ligado ao ex-presidente em Atibaia, no interior de São Paulo] não tivesse a delação, eles imaginavam que a melhor pessoa para fazer a delação era o Bumlai, porque ele era amigo pessoal do Lula e volta e meia aparecia metido nos negócios onde tinha algum envolvimento do Instituto Lula.

Como se o Bumlai fosse um mago que sabia de tudo do Lula. Conseguimos tirar ele da cadeia, mas não estou falando porque o Bumlai é inocente, estou dizendo que isso mostra como estrategicamente era um mecanismo de repressão. Pegar uma pessoa que tem câncer, que está evoluindo e que pode morrer e forçar que ele fique na cadeia porque precisa que ele delate isso é criminoso. Não gosto nem de lembrar de tanta raiva que fico.

Além dele, tem outras pessoas, como o João Lazzari de Porto Alegre [João Alberto Lazzari foi acusado pelo MPF de representar a OAS em contratos falsos firmados com empresas de fachada do doleiro Alberto Youssef. O objetivo era lavar valores ilícitos relacionados a contratos da empreiteira com a Petrobras. Ele respondia pelos crimes de organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Ele morreu por causa de um câncer no estômago] tomou um câncer por conta desse negócio e morreu. Bumlai está vivo, mas o Lazzari morreu por conta desse negócio. Ou seja, delação na cabeça dessa gente é para obter uma prova que funciona como meio absoluto de comprovação. Para eles, era uma verdade absoluta.

Estamos em um momento em que o STF está questionando a Lava Jato. Como o Sr. vê a Operação à luz de 2021, esse revisionismo que está acontecendo? O que pode ser feito agora, sete anos depois do início? Quais são as questões que temos que nos atentar nesse momento em relação à revisão da condução desse processo na Vara Federal de Curitiba?

O grande articulador desse negócio foi o Sérgio Moro. Ele não é diferente hoje, sempre foi assim, ele tem uma estrutura de personalidade própria, vaidoso. Ele é um cara honesto, não é um corrupto, é um cara normal. Ele tem essa coisa de não dar bola para as regras, a regra é a regra dele, como se tivesse um código de processo penal na vara dele. Ele sempre foi assim, trabalhamos com ele em Curitiba desde o tempo de Cascavel, depois de Curitiba trabalhamos em várias operações com ele e sempre decidiu desse jeito.

 

Mas nunca aconteceu como na Lava Jato. A estratégia que ele montou a partir da Mani Pulite [Mãos Limpas, uma das maiores operações anticorrupção europeias, realizada nos anos 1990 e que ajudou a desmantelar diversos esquemas envolvendo pagamento de propina por empresas privadas interessadas em garantir contratos com estatais e órgãos públicos, além do desvio de recursos para o financiamento de campanhas políticas] que está naquele artigo dele de 2004, na Revista da Justiça Federal, está vinculada a um delírio daquilo que foi a Mani Pulite. Os caras na Itália, com muita frequência, sempre que passavam do limite da lei, os tribunais cassavam na mesma hora.

 

As cortes de cassação nunca deixaram os italianos fazerem abuso. Mas ele que sempre agiu da mesma maneira, fazendo as próprias regras, jogando as próprias regras, sempre aqui teve controle.


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O TRF nunca passou a mão na cabeça dele, o STJ também não. O dilema mais relevante que tivemos na Lava Jato é que todo mundo, mordido pela mosca azul dele, deixou de exercer o controle efetivo para marcar na ideia dele de que os fins justificam os meios e tudo poderia ser feito para justificar o combate ao PT, principalmente.

 

Eles colocaram no final da linha o Lula e todo mundo que estava vinculado ao Lula de certa forma, que apareceu pela frente. Mas teve gente que ficou de fora. Alguns com a desculpa que depois seriam investigados ou coisa do gênero. Em uma das minhas audiências na polícia com o delegado, quando meu cliente falou de alguém do PSDB, o delegado falou: não, isso não precisa, porque depois nós vamos investigar. Como não precisa? Ah, nós vamos investigar esses caras, não interessa pra gente, nos interessa a turma do PT.

 

Como, se eles distribuíram dinheiro para várias pessoas, entre elas estava esse cara do partido que você não quer colocar? Se você não fizer isso, ele vai parar de falar, ele não fala mais. Enfim, essas coisas aconteceram e tudo isso, de uma certa maneira, que agora está desaguando aí, estava no nosso trabalho desde o começo, nos habeas corpus, nos recursos todos e nas petições.

 

Mas é por isso que eles estavam com medo de que desse problema, porque eles sabiam que tecnicamente eles estavam, de certa forma, cercados. Mas como eles tinham respaldo, aquelas questões técnicas, as questões referindo a subjetividade e impedimento, da competência e da incompetência, está tudo lá desde o início, das fraudes das decisões em relação às provas obtidas no estrangeiro está tudo lá, está tudo discutido nas petições.

 

Só que foi até um ponto onde nós, de fato, não conseguimos pelos juízes fazer mudar. O tribunal não dava bola, fazíamos habeas corpus e eles negavam, um dos momentos mais absurdos. Com o fundamento de que aquilo era um ponto fora da curva. Em um sistema de Civil Law, num sistema legislado, constitucional onde não tem direito contra ninguém fora da lei. Como ele justifica ser fora da curva? Isso é um absurdo! A Lava Jato, ao contrário do que acontecia antes, se conduziu por uma conformidade dos tribunais e dos órgãos presentes nos tribunais em relação a ela.

 

Quem tentou mudar isso foi o Marcelo Navarro [Em julgamento dos habeas corpus impetrados no STJ, o ministro, na condição de relator, votou pela soltura dos dois executivos, tendo sido voto vencido] pagou um preço muito alto, não só porque Felix Fischer votou contra ele e puxou os demais da turma do STJ, da quinta turma, como Fischer passa a ser o relator de todos os casos. Imagina o trabalho que o cara teve sendo relator de todos os casos para não deixar o Marcelo Navarro, que concedeu o habeas corpus com base no Código de Processo Penal mostrando por a + b como Moro não cumpria o Código Penal para prender as pessoas.

 

Quando o pessoal da OAS, já não aguentando mais e vendo que os tribunais não iam confirmar, sem medida de tempo e as condenações que foram astronômicas, para efeitos de Brasil foram astronômicas, mas que tinha por intuito forçá-los a fazer a delação, eles decidiram fazer a delação.

 

Foi o que levou o Pinheiro a entregar o Lula, coisa que para mim ele nunca disse. Eu não posso falar disso porque é segredo constitucional, mas para mim nunca o Léo disse que o Lula estava metido, ao contrário, ele não tinha mesmo a ver pelo menos com o caso do tríplex, nada. 

 

O que o STF tem que considerar nesse momento? O que pode acontecer? Anulação de todas as ações na Vara de Curitiba?


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Eu sou professor de processo penal. Minha estrutura de processo penal, a legalidade, a Constituição é ponto de partida. Se você faz alguma coisa viciada, errada, a consequência disso é sanar o vício, anular tudo, você tem que anular.

 

O que eles estão fazendo agora é, talvez pela primeira vez, olhar seriamente para os argumentos que derrubam, acabam, com essa operação toda e com a fraude que fez, no sentido de passar por cima da Constituição e das leis.

 

Nós temos coisas aí discutidas do arco da velha. Vem um delegado federal e diz para ele [Moro]: doutor, nós estamos conversando com a pessoal da Blackberry no Canadá e eles têm intenção de mandar para nós um material que eles têm da Blackberry. Isso na hora que eles estavam abrindo os telefones.

 

[Mensagens trocadas por celular entre os doleiros Carlos Habib Chater e Alberto Youssef teriam sido obtidas diretamente pela PF da empresa de telefonia do Canadá, sem passar pelo crivo da Autoridade Central brasileira, gestora do acordo de cooperação internacional entre os dois países. O procedimento, conforme a defesa, foi ignorado por Moro]

 

O STF, muito tarde, está chegando naquilo que devia chegar

Aí o Moro diz: explique melhor. E aí o cara diz, tudo por ofício, está lá: olhe, doutor, nós temos um departamento nosso aqui, que faz esse tipo de coisa, conversa com o pessoal de fora. Eles é que estão conversando com o pessoal da Blackberry. E o pessoal da Blackberry do Canadá em Toronto, se nós dermos uma ordem para eles, eles mandam o material.

 

Aí o Moro diz: vocês sabem que tem um tratado e que por esse tratado a coisa deve ser feita pelo Ministério, falando para o Ministério das Relações Exteriores do Canadá. Você sabe que tem esse tratado. Aí o delegado volta e diz: mas como nós temos uma conversa direta com eles no Canadá, nós imaginamos que se o senhor mandar, eles vão mandar tudo o que eles tem lá.

 

Você sabe o que isso significa? Em termos constitucionais: privacidade, intimidade, enfim, quebra da jurisdição, mas aqui, mais do que tudo, quebra de um tratado internacional firmado pelo Brasil. Ou seja, um ato absolutamente ilegal. Quando o cara diz que se ele ordenar os caras vão mandar, é como se ele dissesse: que se dane o tratado, e ele manda! E os caras da Blackberry mandam tudo. Com base no que está naqueles Blackberrys tem um monte de processos. Então a pergunta é: ele passou por cima do tratado expressamente escrito nos autos, passou.

 

Qualquer país sério, quem fizesse uma coisa dessas estaria preso. Mas não, passaram por cima e disseram: não importa, que se dane. Iam pedir pro Itamaraty que ia falar e agir de qualquer maneira. Como se a lei não bastasse, a lei não era o suficiente e eles passaram por cima disso, de toda a estrutura da legalidade.

 

Estou dando um exemplo que está lá nos autos, é só abrir e ver. O que aconteceu? Nós fomos pedir por habeas corpus, o que o tribunal fez? Não, isso não importa, é um ponto fora da curva. E nós gritando que tem um tratado e o tratado tem que ser respeitado. Um tratado tem que ser respeitado por cima da decisão do juiz. E mesmo assim eles não deram bola.

 

Então a pergunta que fica em relação ao revisionismo, o que eu quero dizer pra você é que o Supremo Tribunal Federal, muito tarde, está chegando naquilo que devia chegar. Ou seja, apreciar todos esses casos conforme a lei. Tem um monte de gente que está presa, um monte de gente que já cumpriu pena, que foi condenada com base nesses mesmos fatos. Estão esquecendo de dizer porque só se pensa no Lula.

 

Tem que pensar que um cara que levava o dinheiro para lá e para cá foi preso. Cadê o cara? Quantos jornalistas ouviram esse cara? Se você vai ouvir essa gente, gente de baixo que não tinha nada, nós tivemos um cara condenado porque a polícia quando foi no escritório do Alberto Youssef achou debaixo da tampa de vidro da mesa um cartão de visita. Ele que não tinha aparecido nunca, de fato, ele não tinha nada a ver com nada. Inclusive, quando o negócio aconteceu, ele era um funcionário do setor financeiro. Mas o cara que ia levar o dinheiro, quando ele foi para o setor financeiro, ele disse para o cara: você vai lá para o Youssef? Leva meu cartão e diz para ele que agora eu estou no setor financeiro, se tiver algum problema ligue para mim. Esse cara nunca passou perto da Petrobrás e nem sabia. Nessa época ele nem falava com o Léo Pinheiro, nem sabia quem era Léo Pinheiro. Esse cara foi preso, no final, por um milagre dos milagres, conseguimos tirar isso na apelação.

 

Só estou dizendo isso porque a Operação é muito maior do que o Lula. A Operação pegou um monte de gente lá de baixo, gente simples que não tinha nada a ver, nada a ver com Pinheiro, com Moro, com nada, gente do serviço burocrático das empresas que foram no balaio junto.

 

Então, se você me pergunta o que eu acho do revisionismo, imagine o que eu acho! O Lula é a estrela da estrela porque ele que era o objetivo lá de cima [da cúpula da Operação]. Mas para chegar no Lula, eles pegaram um monte de gente de baixo que não tinha nada de significativo e colocaram na cadeia. Então acho que o Supremo chegou tarde. Porque o Supremo desde o primeiro dia, devia ter dito: faz a coisa certa conforme a Constituição e a lei. E o Supremo também ficou fora do negócio, empurrando com a barriga, deixando ele levar a coisa como ele queria, fazendo a injustiça que ele fez.

 


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