Não é prazo exíguo de arbitragem que criará atratividade ao investidor estrangeiro

Ane Elisa Perez - Crédito Divulgação
Ane Elisa Perez - Crédito Divulgação
Para Ane Elisa Perez, do Manesco, árbitros bem selecionados e garantia de boas decisões são aspectos vitais
Fecha de publicación: 27/09/2019
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O decreto que permite o uso de tribunais de arbitragem para solucionar controvérsias não atrairá investidores estrangeiros apenas pela possibilidade de prazos exíguos, sendo necessário que os árbitros sejam bem escolhidos e que haja garantia de que as decisões terão qualidade técnica, avalia a advogada Ane Elise Perez em entrevista ao LexLatin.

Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e especialista em direito administrativo pela Fundação Getúlio Vargas São Paulo, Ane Elise é sócia do Manesco, Ramiro, Perez, Azevedo, Marques Advogados e mestranda em direito constitucional na PUC-SP. 

Como avalia o decreto de arbitragem em concessões?

Há uma necessidade de se regulamentar o uso da arbitragem pela administração para que não haja surpresas no curso dos procedimentos, como, por exemplo, a falta de recursos por parte da administração ou de suas autarquias para arcarem com os custos de determinada arbitragem, na qual o contrato de concessão tenha previsto partilhamento destes na cláusula compromissória.

Enxergo, porém, neste Decreto (que ressalta-se, não inovou no uso da arbitragem pela administração pública, porque esta já era possível), menos que um estímulo aos investidores estrangeiros no setor, e mais a finalidade sentida pela Administração de resguardar as prerrogativas processuais e decorrentes da sua própria situação, muitas vezes emprestadas da esfera judicial, como é o caso da limitação processual dos honorários sucumbenciais. 

Muito me espanta que não tenha vindo nada que dispusesse sobre prazos em dobro a favor da administração. 

Sobre a imposição, por exemplo, pouco explicada de tempo máximo de duração da arbitragem, destaco que não é prazo exíguo que criará atratividade ao investidor estrangeiro (que enxerga no judiciário um entrave à assumir obra no Brasil), mas câmaras selecionadas (e não com custas mais baratas), árbitros selecionados e principalmente a garantia de boas decisões - o que raramente se consegue com limitações temporais. 

Que impactos estima para o setor de infraestrutura?

Não acredito que o Decreto acrescente qualquer tipo de atratividade. A legislação prévia já autorizava o uso da arbitragem pela Administração nos contratos havidos no setor de infraestrutura. Para mim, o Decreto é protecionista e procedimental. Nada mais. 

Como vê a possibilidade de a arbitragem definir valores para a recomposição de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão diante da ocorrência de irregularidades em aditivos firmados pela administração pública em obras de infraestrutura?

Se bem conduzida, a arbitragem tem maior capacidade de aprofundamento nas questões atinentes a matéria de reequilíbrio econômico financeiro. O fato de serem presididas, via de regra por três árbitros, escolhidos consensualmente pelas partes pela sua expertise, e diante do fato da produção probatória ser bem mais especializada e mais célere, havida num ambiente mais oralizado que o Judiciário, faz da arbitragem o meio mais eficaz de solução com maior qualidade e rapidez destas questões. Hoje, enquanto uma causa desta natureza tem duração de aproximadamente 15 anos no Judiciário, em arbitragem a média é de 3 a 5 anos (quando havidas com perícias mais complexas). 

Ademais, os regulamentos das Câmaras guardam todas as possibilidades para eventual antecipação dos efeitos da tutela e produção das provas. O que pode gerar agilidade à efetividade das demandas.  

Como vê a possibilidade de arbitragem para tratar do inadimplemento de obrigações contratuais? Acredita que o governo conseguiria agilizar a entrega de concessões ou a retomada de obras paradas dessa maneira? 

Não acredito que contribua diretamente para a devolução da concessão ou a retomada de obras. Estas questões não podem prescindir da discussão sobre a responsabilidade pela inexecução ou inadimplemento de ambas as partes. Hão de se respeitarem os prazos administrativos, o contraditório. O árbitro não tem poder de polícia que permita a determinação ao contratado à retomada da execução do ajuste, ainda mais sem a análise apurada das provas e das alegações das partes. Por outro lado, porém, acredito que a arbitragem pode trazer mais diálogo entre as partes e, assim, mais possibilidade de consenso sobre a retomada de uma obra, por exemplo. Porém, a se chegar a este ponto num empreendimento, não creio que as partes usarão a arbitragem para tais fins.  A Administração continuará a judicializar tais questões se necessário (pois pode valer-se de suas prerrogativas para rescindir unilateralmente os ajustes) e o ente privado continuará a converter sua insatisfação e seu insucesso em indenização num processo de conhecimento, com imputação de responsabilidades no âmbito arbitral. 

O decreto também permite arbitragem em caso de inadimplemento da União. A sra. acredita que isso possa ser resolvido via arbitral? Se o caso é de arbitragem, portanto mais ágil e sem possibilidade de recurso, como tornar mais rápido o pagamento do governo em caso de derrota arbitral? 

Entendo que sim. Pode ser resolvido por via arbitral. A arbitragem por si só agiliza, de forma mais capaz, a decisão final nestes casos. Ocorre que o ente privado sujeitar-se-á de qualquer forma às filas de precatório. Mas, evidentemente, há um ganho em relação a uma ação judicial. Insisto, não apenas ganho de tempo, como de qualidades das decisões. 

Que casos atualmente em discussão no Judiciário podem migrar para a arbitragem após o decreto? 

A vontade do Decreto foi dar a Administração a possibilidade de fazê-lo a seu exclusivo critério. Na prática não creio que aconteça. E processualmente acho bem difícil este deslocamento de competência. 

O Judiciário está pronto para manter decisões arbitrais sem reavaliar o mérito do caso? 

Entendo que está. Houve um grande amadurecimento do judiciário neste sentido nos últimos anos.

 

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