Open banking vai gerar mais competição, com total segurança ao investidor

Crédito - Divulgação BC
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Leonardo Cotta Pereira, sócio de Corporate & Finance na SiqueiraCastro, analisa propostas do Banco Central
Fecha de publicación: 15/12/2019

A proposta do Banco Central de implementar um Sistema Financeiro aberto, o chamado Open Banking, deve resultar em maior competição entre os players do mercado, mas com total segurança ao investidor, avalia Leonardo Cotta Pereira.

Sócio de Corporate & Finance do SiqueiraCastro Advogados, ele é graduado direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em direito constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e mestre em direito contratual pela Université Montpellier I, da França. 

No fim do mês pas semana passada, o Banco Central colocou em consulta pública três propostas de normativos sobre diferentes assuntos, com o objetivo de impulsionar a competição no sistema financeiro, como vem fazendo há dois anos dentro da Agenda BC#. O regulador vai receber sugestões do público até 31 de janeiro do ano que vem e analisá-las antes de apresentar um texto final. 

A primeira consulta, diz respeito a "escrituração de duplicata escritural, sobre o sistema eletrônico de escrituração gerido por entidade autorizada a exercer essa atividade e sobre o registro e a negociação desses títulos de crédito escriturais". Outro texto proposto pelo BC visa implementar o Sistema Financeiro Aberto (Open Banking), regulando o compartilhamento de dados dos usuários. A terceira proposta cria um sandbox regulatório e condições para a oferta de produtos neste ambiente.  

Leia abaixo a entrevista de Leonardo Cotta Pereira ao LexLatin:

Como o sr. vê as propostas colocadas em consulta pública pelo Banco Central sobre Open Banking?

Entendemos como uma medida positiva, com uma consequente abertura do nosso mercado a um sistema de tecnologia avançado e ampliação da oferta de produtos e serviços financeiros em geral. Essa abertura acontece pela implementação de um ecossistema tecnológico de APIs abertas, com maior intercâmbio de dados financeiros aos consumidores e possibilidade de estabelecimento de plataformas de ampliação de oferta de investimentos, que, com certeza, gozarão de melhores taxas ao investidor final.

Neste sentido, cumpre destacar que a proposta de Open Banking do BACEN define que os objetivos principais da medida são: (i) incentivar a inovação; (ii) promover a concorrência; (iii) aumentar a eficiência do Sistema Financeiro Nacional; e (iv) promover a inclusão financeira e os princípios norteadores, por sua vez, são: (i) transparência; (ii) segurança e privacidade de dados; (iii) qualidade dos dados; (iv) tratamento não discriminatório; e (v) interoperabilidade.

Portanto, o open banking no Brasil certamente gerará maior competição no mercado financeiro, com total segurança ao investidor, como é feito em jurisdições economicamente maduras como no caso do Reino Unido e do Japão que já implementaram políticas de open banking muito bem-sucedidas ao longo dos últimos anos.

Neste sentido, percebe-se que a proposta do Banco Central do Brasil (“BACEN”), dentre outros pontos, estabelece um padrão tecnológico e operacional uniforme de observância obrigatória aos participantes do mercado, com canais mais abertos e eficientes de comunicação com os investidores e consumidores. Trata-se de um novo nível de governança corporativa imposto pelo BACEN que adota as melhores práticas de governança em três níveis, estratégico, administrativo e técnico.

De fato, a expectativa acerca da proposta apresentada é a de aumentar a eficiência e a própria competição no mercado financeiro, tornando os produtos e serviços financeiros não somente mais acessíveis, mas também mais benéficos aos investidores finais. Com efeito, hoje, apenas 5 instituições financeiras concentram mais de 84% do crédito de acordo com o Relatório de Economia Bancária – 2019 do BACEN, o que evidencia a elevada concentração e falta de concorrência no segmento. 

Portanto, existe a expectativa de que com o Open Banking haja uma relevante desoneração das taxas dos produtos e serviços financeiros, com a consequente redução do spread bancário. Portanto, vemos a postura do BACEN como acertada e bastante alinhada com a agenda proposta pelo Governo Federal de estimulo a economia, sobretudo na dimensão da competitividade, a qual busca adequar a precificação por meio de instrumentos de acesso competitivo ao mercado e corrigir a falha de mercado causada pela grande concentração do mercado financeiro.

E sobre sandbox regulatório?

Sandbox é um termo utilizado para descrever um ambiente experimental regulatório, em que se torna possível desenvolver atividades, empresas e novos negócios disruptivos e necessários para o aprimoramento dos mercados, sendo nesse caso, principalmente utilizado no mercado financeiro.

Isto posto, entendemos que o cerne dessa proposta formulada pelo BACEN e que vem sendo empreendida também pela Comissão de Valores Mobiliários no Brasil, consiste em criar um regramento próprio para que se constitua e funcione eficientemente o sandbox regulatório do mercado financeiro nacional, com a desconcentração do setor financeiro e estímulo as novas tecnologias e modelos de negócios.

Portanto, no curto prazo já acreditamos que se tenham três efeitos diretos da implementação do sandbox regulatório, quais sejam: (i) maior competição; (ii) diminuição da incerteza regulatória; e (iii) facilitação e desoneração do crédito, todos efeitos que certamente gerarão maior potencial de desenvolvimento ao mercado financeiro como um todo, seja pelo aumento e aprimoramento da oferta de crédito quanto pela diminuição dos custos dos investimentos em geral. 

Respectivamente, entendemos que haverá maior competição porque com o sandbox regulatório incentivar-se-á a entrada de novos players, como as fintechs, que se beneficiam da diminuição da burocracia estatal, do risco regulatório e dos custos de implementação de estruturas que muitas das vezes não são compatíveis com os empreendimentos ainda em fase inicial e com certeza, carentes de capital, todos estes componentes que são deveras relevante a se considerar quando da decisão de empreender. 

Já no que tange a diminuição da incerteza regulatória, deve-se frisar que tal efeito é um consectário lógico do estabelecimento do sandbox regulatório, tendo em vista que haverá regulação própria facilitada e dinâmica para o caso específico, com o acompanhamento das entidades de regulação e autorregulação e regras mais objetivas para o desenvolvimento destas atividades.

Por fim, a facilitação de crédito é um efeito direto da desconcentração de mercado pelos novos empreendimentos. Ou seja, com o aumento da competição no mercado financeiro, o investidor e os consumidores passam a atuar em  um mercado de maior concorrência e assim, o poder de controle da situação atual de oligopólio das instituições financeiras diminui, forçando o aumento ao crédito e diminuição das taxas cobradas por regulação do próprio mercado buscando seu ponto de eficiência ótima.

Dessa forma, entendemos ser louvável a proposta formulada, na medida em que se reconhece o sandbox regulatório como política eficiente para estimular o mercado, em consonância com a agenda neoliberal do Governo Federal, capitaneada pelo Ministério da Economia, pelo BACEN e pela CVM de estímulo a competitividade, aumento da oferta de crédito e de investimentos, bem como oferece um espaço de aprendizagem para as entidades de controle, sem grandes riscos ao mercado. Com efeito, as entidades de regulação e autorregulação terão a oportunidade de identificar as novas tendências, exigências e falhas de mercado e atuar de forma dinâmica e conjunta com os players do mercado É uma situação de win-win, positivo para todos os integrantes do mercado financeiro –  fintechs, investidor, consumidor e Estado. 

E a consulta sobre duplicata escritural?

A Resolução proposta versa sobre as condições e procedimentos para as operações de recebíveis mercantis, incluindo a duplicata escritural, com o estabelecimento das condições e procedimentos para a realização de operações de negociação de recebíveis mercantis por parte das instituições financeiras, bem como a necessidade de registro da duplicata e da desconstituição de ônus e de gravames, detalhamento dos serviços disponibilizados pelo sistema eletrônico de escrituração de duplicatas, como a emissão do título, a prática de atos cambiais, o controle e a transferência da titularidade da duplicata escritural, entre outros. 

Vemos com extrema positividade a medida que busca conceder maior segurança e eficiência nas transações envolvendo as duplicatas escriturais. Com efeito, o novo sistema proposto está alinhado com as melhores práticas de mercado e tecnologia nestes tipos de operações financeiras, com a modernização da forma de emissão do título, facilitação e segurança da negociação e objetividade de dados.

Nesse sentido, a retomada da duplicata vem forte no sentido de se criar mais segurança com a eliminação de risco de fraude e outros problemas inerentes à questão, por um sistema que traz a interoperabilidade e eficiência financeira para este tipo de instrumento que é essencial no mercado brasileiro.

Que impactos podemos ver no mercado a partir da regulamentação da proposta de open banking? O que é preciso alterar na proposta do BC e por quê?

Sem dúvidas uma maior abertura do mercado financeiro nacional, estímulo da competitividade e maior acessibilidade aos produtos e serviços financeiros aos investidores não sofisticados. É bastante simbólica essa abertura, tendo em vista que por anos há enorme concentração do mercado financeiro, marcado pelo oligopólio extremamente lucrativo, com lucro líquido anual de quase 100 bilhões de reais. 

A título comparativo, de acordo com um Relatório do Departamento do Tesouro norteamericano, existem mais de 14 mil bancos nos Estados Unidos. No Brasil, apenas 150 são autorizados a funcionar, de acordo com o BACEN, o que demonstra uma enorme disparidade entre os países. Nesse sentido, o Open Banking é uma medida necessária para permitir a competição sadia entre novos players, gerando consequente barateamento ao crédito e spread bancário. 

O advogado Leonardo Cotta Pereira
O advogado Leonardo Cotta Pereira

Que aspectos da prática de direito bancário devem se modificar para trabalhar com um cliente em um case de sandbox regulatório? Quais os principais desafios?

Com certeza maior preocupação com as regras de proteção de dados e de compliance financeiro. A proteção de dados será chave para que as empresas consigam evitar multas e ações em escala. De fato, hoje com a a Lei Geral de Proteção de Dados, a conduta deve ser retilínea com o titular daqueles dados, sob pena de responsabilização em diferentes esferas de responsabilidade.

Dessa forma, as empresas deverão contratar profissionais especializados e buscar assessoria técnica específica para estruturas suas práticas internas de forma a não violar regras de proteção de dados e de compliance, o que exige um estudo muito aprofundado por parte dos assessores acerca da estrutura interna e do dia-a-dia das operações do cliente.

As propostas fazem parte da agenda BC# de promoção da concorrência no mercado financeiro. Como vê a implementação da agenda neste ano, seus principais aspectos e o que esperar para 2020?

A agenda, como um todo, é bastante ousada e inovadora para o cenário brasileiro. Separada em 4 eixos – Inclusão, competitividade, transparência e educação, são 14 diferentes propostas as quais todas já se encontram em execução. Acreditamos que isso fala por si só. O ano de 2019 que era tido como desafiador para o BACEN visto as incertezas políticas, vem se consolidando como bem-sucedido, na medida em que o primeiro passo de todas as propostas foi dado. 

No nosso caso, vemos que existe forte movimentação do BACEN e da CVM para aumentar a concorrência, sobretudo por meio do sandbox regulatório e do Open Banking. Por outro lado, vejo que 2020 será um ano de desenvolvimento dessas propostas, com muitos debates e, quem sabe, consolidação das propostas. 

Ninguém espera que essa transição de eficiência, acessibilidade e competitividade ocorra de forma homogênea e pacífica. Há muito trabalho a ser feito pelas empresas e pelos assessores externos. Existe a possibilidade de se começar a encontrar percalços para a consolidação dessas propostas, disputas regulatórias e outras questões que surgirão com ao longo do tempo, e isso faz parte do jogo. Contudo, não vemos isso como fato impeditivo, sendo certo que estamos bastante otimistas com a postura adotada pelo BACEN.

Ao mesmo tempo, temos uma proposta da mesma autoridade tabelando a cobrança de juros em um produto oferecido pelo mercado financeiro. Como esperar concorrência quando o governo define o preço do produto?

Existe um grande problema no Brasil que é incontestável. A taxa de juros do cheque especial e cartão de crédito são fora da realidade global. Embora a Selic tenha alcançado a mínima recorde com projeções de maiores reduções, não houve ainda impacto relevante para o consumidor, algo que preocupa o Governo Federal, pois por ser o mercado muito concentrado, percebe-se que as instituições financeiras ainda não estão repassando o benefício da redução da taxa básica de juros da economia aos consumidores finais.

Com efeito, essa falta de resposta das instituições financeiras às medidas tomadas é frustrante para o Governo e o consumidor final. De fato, a manutenção de taxas não competitivas continuam porque o mercado se mantem muito concentrado e por isso o Open Banking e o sandbox regulatório surgem como medidas que vão ajudar a aumentar a competitividade e oferta de produtos e serviços financeiros, forçando as instituições maiores a competir com taxas mais baixas, principalmente das fintechs de crédito e dos bancos digitais, fato este que já começamos a perceber esse ano.

Como exemplo, podemos observar que a taxa de juros das fintechs e dos bancos digitais como o Nubank, Inter, Neon que não chegam sequer na metade do ofertado tradicionalmente. No entanto, a realidade do nosso país é bastante diversa e única. Contudo, para se ter acesso aos juros baixos oferecidos pelas fintechs é necessário, por exemplo, ter um aparelho com conexão à internet, como um computador ou smartphone e tal realidade não é uníssona aos brasileiros. 

Neste sentido, compulsando dados fornecidos pelo SCPC, em 2017, as classes D e E (renda mensal de 0 a R$468,00 reais por pessoa) representam 80% das pessoas com inadimplência no cartão de crédito. Assim, claramente por mais que o aumento da competitividade venha regulando o mercado por si só, acredito que o acesso ao crédito é muito sensível no Brasil que ainda é muito refém da falta de recursos e informações pelo público em geral, principalmente os de mais baixa renda, o que mantem o poder das grandes instituições financeiras.

Contudo, mesmo sabendo que essa falha de mercado exija mais tempo e mais medidas como as ora tratadas para ser corrigida ou atenuada, não entendemos como positiva a atuação do BACEN por ser uma medida de ingerência estatal em um mercado que deve, em nossa opinião, regular a si mesmo através do aumento da competição, facilitação de acesso a novos produtos e serviços financeiros e maior educação financeira. O caminho é longo, mas com um mercado forte e as novas medidas, acreditamos que será mais rápido que o normal e sem a necessidade da atuação do BACEN que pode gerar preocupação sobre o risco regulatório ao investidor nacional e estrangeiro, o que acaba onerando a cadeia de investimentos como um todo.

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