Proposta de open banking do BC ainda possui pontos a serem discutidos e esclarecidos

Crédito - Divulgação
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Vicente Piccoli M. Braga alerta para ausência de definições no texto sugerido pelo regulador
Fecha de publicación: 19/12/2019

As propostas de open banking e sandbox regulatório apresentadas pelo Banco Central e atualmente em período de consulta pública para receber sugestões da sociedade, são bem-vindas e detalhadas, mas deixam algumas definições em aberto que podem dificultar sua aplicação na prática, analisa o advogado Vicente Piccoli M. Braga em entrevista ao LexLatin.

Associado do Machado Meyer Advogados, ele é doutor em direito comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, após obter título de mestre em direito e desenvolvimento na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e graduar-se em direito pela Universidade Federal do Paraná. Acumula, ainda, passagens pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Fundo Garantidor de Créditos (FGC) e BSM Supervisão de Mercado.  

O Banco Central colocou em consulta pública três propostas de normativos sobre diferentes assuntos, com o objetivo de impulsionar a competição no sistema financeiro, como vem fazendo há dois anos dentro da Agenda BC#. O regulador vai receber sugestões do público até 31 de janeiro do ano que vem e analisá-las antes de apresentar um texto final. 

A primeira consulta, diz respeito a "escrituração de duplicata escritural, sobre o sistema eletrônico de escrituração gerido por entidade autorizada a exercer essa atividade e sobre o registro e a negociação desses títulos de crédito escriturais". Outro texto proposto pelo BC visa implementar o Sistema Financeiro Aberto (Open Banking), regulando o compartilhamento de dados dos usuários. A terceira proposta cria um sandbox regulatório e condições para a oferta de produtos neste ambiente.  

Leia abaixo a entrevista:

Como o sr. vê a proposta colocada em consulta pública pelo Banco Central sobre Open Banking?

O regulador já deixou bastante claro que está comprometido em fazer do Open Banking uma realidade no Brasil. Contudo, a experiência internacional ainda é bastante incipiente e existem muitos pontos na proposta do Banco Central a serem discutidos e esclarecidos. Dessa forma, é natural um sentimento de apreensão com o que será o conteúdo final da normal e sua efetiva implementação.

E sobre sandbox regulatório?

Tal como desenhado, o sandbox regulatório surge para dar concretude à previsão da Lei de Liberdade Econômica. Assim, o fato de as normas em vigor não estarem totalmente atualizadas e muitas vezes não considerarem as novas tecnologias não deve constituir impedimento ao exercício de atividade econômica, desde que respeitados determinados parâmetros.

Trata-se de iniciativa interessante e já mais desenvolvida no cenário internacional. Contudo, como nos últimos anos o Banco Central já estabeleceu alguns limites para atuação sem elevado escrutínio regulatório, fica a dúvida se o programa de sandbox regulatório é mesmo algo que terá adesão, ou se alguns participantes irão preferir manter uma atuação à margem da regulação, ao menos até que adquiram maior relevância sistêmica, ou até que a experiência com o sandbox já tenha apresentado seus primeiros resultados.

E a consulta sobre duplicata escritural?

A regulamentação mais detalhada sobre a atividade de escrituração, sistema eletrônico e registro das duplicatas escriturais é aguardada pelo mercado desde a promulgação da Lei 13.775/2018, que entrou em vigor em abril deste ano. Da forma como foi apresentada na proposta, parece trazer mais segurança operacional e jurídica para essas operações, mas a consulta é um momento importante para ouvir o mercado, especialmente nas questões relativas às exigências de interoperabildiade. Afinal, em questões de maior tecnicidade como essa, o diabo mora nos detalhes.

Que impactos podemos ver no mercado a partir da regulamentação da proposta de open banking? O que é preciso alterar na proposta do BC e por quê?

A proposta do Banco Central é bastante detalhada em diversos aspectos, mas também deixa muitos termos sem definição, o que pode dificultar a implementação pelas instituições financeiras, que, diga-se, não será nada trivial.

Da mesma forma, o recurso de atribuir responsabilidade autorregulatórias aos participantes é interessante, mas depende, para seu sucesso, de melhor definição de algumas questões cruciais pelo próprio regulador. Há a esperança, contudo, que essa seja uma coluna que o Banco Central irá endereçar tão logo tenha em mãos as reações do mercado à minuta, para evitar acusações de imposição anti-democrática ou até mesmo favoritismo.

Que aspectos da prática de direito bancário devem se modificar para trabalhar com um cliente em um case de sandbox regulatório? Quais os principais desafios?

Acredito que o maior desafio será o de mudança de mentalidade. Os advogados estão habituados a dar conselhos conservadores frente a um regulador que nem sempre era tão transparente em seus desígnios. Nesse sentido, ter uma oportunidade de dialogar de forma mais aberta será certamente mais positivo, mas não menos difícil.

De modo geral, também será preciso ajustar bem as expectativas dos clientes, que precisam compreender que este é um processo no qual não há garantias de onde se irá chegar, mas que, tal como sugere a experiência comparada (e há estudos recentes e interessantes do FMI e do Banco Mundial nesse sentido), traz muito aprendizado em sua trajetória. Ademais, é interessante notar alguns resultados da experiência do Reino Unido, onde aproximadamente 40% das empresas participantes dos primeiros testes receberam investimentos durante ou após o sandbox, bem como aproximadamente um terço das empresas alteraram seu ramo de atuação (pivot) antes do lançamento em larga escala para o mercado.

As propostas fazem parte da agenda BC# de promoção da concorrência no mercado financeiro. Como vê a implementação da agenda neste ano, seus principais aspectos e o que esperar para 2020?

É uma agenda muito positiva e necessária para que o mercado financeiro brasileiro não só esteja pareado com as inovações dos grandes mercados, mas também possa corrigir desequilíbrios históricos.

Este ano vimos muitos projetos e propostas apresentando novos conceitos e estruturas para temas chave da regulação financeira, mas nem tantas alterações entrando de fato em prática e sendo testadas na realidade do nosso mercado. Nesse sentido, 2020 tende a ser um ano de consolidação das novas práticas, experiências e propostas, mas talvez sem que tantos novos elementos e projetos sejam apresentados.

Ao mesmo tempo, temos uma proposta da mesma autoridade tabelando a cobrança de juros em um produto oferecido pelo mercado financeiro. Como esperar concorrência quando o governo define o preço do produto?

Do ponto de vista teórico e, no caso do Brasil em particular, até mesmo histórico, é sempre preocupante ver a autoridade estabelecer limites de preços. Não obstante, a atuação do Banco Central no caso do cheque especial foi pontual, bastante fundamentada com estudos, comunicada de forma transparente e, é importante dizer, não implicou em efetivo tabelamento, mas sim na imposição de um teto que, diga-se, não é exatamente baixo se comparado com as taxas praticadas em outros países.

Nesse sentido, é interessante observar que o Diretor João Manoel Pinho de Mello, que liderou a referida proposta, antes de assumir a cadeira no Banco Central, é um acadêmico de produção bastante reconhecida e posições que, de forma geral, coadunam-se com o liberalismo econômico. Logo, quando ele apresentou os estudos que fundamentaram a decisão do Banco Central, serviu como, no mínimo, um momento de reflexão para o nosso mercado.

 

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