Recriar CPMF não é saída viável e pode gerar nova crise política

Crédito Divulgação
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Para Cinthia Benvenuto, sócia da Innocenti Advogados, país deve tributar mais a renda que o consumo
Fecha de publicación: 28/10/2019

Retomar a tributação de transações financeiras, como era o escopo da antiga CPMF não é uma saída viável e pode gerar uma nova crise política, diante da impopularidade da contribuição, avalia a advogada Cinthia Benvenuto.

Sócia da Innocenti Advogados, onde é responsável pela área de direito tributário e fiscal, Cinthia é graduada em direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas e possui especialização em direito tributário pela Fundação Getulio Vargas. 

O Carf editou 33 súmulas em setembro, enquanto tramitava no Congresso a lei de Liberdade Econômica e seu comitê de supersúmulas. Como vê estes entendimentos consolidados pelo Carf? Destaca algum como mais importante ou controverso?

Sob uma ótica geral, vejo as Súmulas aprovadas pelo CARF no mês de setembro de maneira muito positiva já que foram, em sua maioria, favoráveis aos contribuintes. E isso não somente para as súmulas aprovadas, como também para aquelas que foram rejeitadas. Elas vieram, inclusive, em momento bastante oportuno, uma vez que, ao que tudo indica, o Comitê que será formado para edição das súmulas da administração tributária federal, conforme determinação da Lei da Liberdade Econômica, terá menor representatividade dos contribuintes.

Dentre os enunciados mais importantes eu destacaria (i) a Súmula 146, que define que a variação cambial ativa resultante de investimento no exterior não é tributável pelo IRPJ e CSLL, já que a definição de que variação cambial não é lucro estimula a economia nacional, e (ii) a Súmula 139, que determina que os descontos e abatimentos concedidos por instituição financeira na renegociação das dívidas de seus clientes constituem despesa operacional dedutível do lucro real e da base de cálculo da CSLL, que é bastante vantajosa aos bancos em razão da relevância da concessão dos abatimentos para a operação.

O que podemos esperar da atuação do comitê de supersúmulas no Ministério da Economia após a aprovação da lei e a retirada das nomeações pelo ministério? Quais são os potenciais riscos e benefícios da atuação do comitê?

O Comitê de supersúmulas já nasceu polêmico, tanto que o Comitê instituído pela Portaria 531/2019 foi revogado apenas 5 dias após sua publicação, vez que foi alvo de críticas em razão da ausência de representantes dos contribuintes. O potencial risco, então, é exatamente este, de que o Comitê, quando criado, não tenha força para representar os interesses dos contribuintes, o que existia até então com o CARF e as súmulas por ele editadas. O potencial benefício, na minha opinião, é a segurança jurídica que um comitê composto por representantes da administração pública como um todo confere aos contribuintes, que poderão se preparar e entender como agir frente à determinada situação, independentemente de como a conduta refletir perante a RFB, a PGFN, ou o CARF.

Qual sua avaliação sobre o grupo de trabalho criado pelo Ministério da Economia para elaborar propostas de reforma tributária enquanto tramitam três PECs no Congresso, duas delas em estágio avançado? A sra. acredita que este grupo levará em conta os entendimentos do comitê de supersúmulas para atualizar a legislação?

Eu vejo de forma positiva a existência de um grupo de trabalho criado pelo Ministério da Economia para elaborar uma proposta de reforma tributária, ainda que já existam outras PECs em estágio avançado. Quanto mais se discutir a reforma, mais ganha o país, os empresários e a população. Nunca se falou tanto em reforma tributária no Brasil como se faz no presente momento. E, na minha opinião, nenhuma das propostas apresentadas até então contém todos os pontos de reforma necessários, cada uma delas possui pontos negativos que podem, na realidade, trazer novos problemas ao país, ainda que outros sejam solucionados. Ou seja, uma nova proposta será bem-vinda para que, se não aprovada, ao menos traga novos pontos de discussão que contribuam com o caminho que o país trilha a fim de que tenhamos uma reforma que, de fato, atenda às nossas necessidades.

Quanto ao Comitê de Supersúmulas, a depender da velocidade com que o grupo avence, talvez sequer haja tempo hábil para que se leve em conta os entendimentos do comitê. Em todo caso, havendo tempo hábil, acredito que o grupo leve, sim, em conta os entendimento do Comitê. Pelo menos é isso que se espera quando há um comitê vinculando todos os órgãos da administração tributária de um país: que uma reforma tributária leve em conta o que pensam os integrantes desse grupo.

Como conciliar a necessidade de reforma tributária para reduzir custos e elevar a competitividade nacional diante da crise fiscal que exige arrecadação maior para honrar a dívida?

Uma das saídas que mais vêm sendo discutidas para atingir esse equilíbrio é tributar mais a renda do que o consumo. De acordo com pesquisas disponibilizadas pela Receita Federal, comparada com a tributação dos países da OCDE, o Brasil tributa menos a renda, e aparecer como o terceiro país que mais tributa o consumo. No entanto, é difícil afirmar que esta seja de fato a saída mais adequada, é necessário estudar o assunto com cautela e riqueza de detalhes. Por isso, mais uma vez, afirmo que quanto mais discutirmos a reforma tributária, mais ganha o país, pois entendo que até o momento nenhum ente – nem Câmara nem Senado nem bastidores do governo – apresentou uma proposta que, de fato, consiga unir simplificação, ausência de majoração de carga tributária e elementos que permitam elevar a competitividade nacional.

Qual sua avaliação sobre a recriação da CPMF? E sobre a proposta de desoneração da folha de pagamento em conjunto com a retomada da contribuição?

Acredito que o problema de recriar a CPMF para equilibrar a queda da arrecadação com a desoneração da folha de pagamento, antes de qualquer análise efetivamente tributária, é político. A CPMF foi um tributo extremamente impopular, e instituí-lo novamente, independe do qualquer finalidade que se busque a fim de justificar tal recriação, poderá gerar nova crise política, o que não é nada favorável ao país que ainda se recupera da última crise. De fato, se houver a intenção de seguir com a desoneração da folha de pagamento, será necessário criar um espaço para recompor esta queda da arrecadação, que se estima na casa de R$ 250 bilhões, mas acredito que uma nova CPMF não seja uma saída viável.

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