Tito Andrade: “Mercado jurídico deverá se recuperar nos próximos meses”

"Teremos um período acelerado de transações no segundo semestre e início de 2021"
"Teremos um período acelerado de transações no segundo semestre e início de 2021"
Sócio administrador do Machado Meyer fala das perspectivas e desafios dos grandes escritórios durante a crise da Covid-19.
Fecha de publicación: 23/07/2020
Etiquetas: Brasil

Tito Andrade é o CEO de um dos escritórios mais importantes do país, o Machado Meyer, que tem 47 anos de história, 82 sócios, 700 colaboradores e que atende oito dos dez maiores grupos brasileiros.

O sócio administrador, que é especialista em direito do consumidor, processos de concentração e investigações anticoncorrenciais, assumiu o posto no Machado Meyer em 2018. Para ele, a crise exigiu foco e um olhar apurado nos processos e no coletivo, o que envolve os colaboradores, clientes e a forma de lidar com a tecnologia e as mudanças de hábitos.

Numa conversa com LexLatin, o advogado revela como o escritório enfrenta um dos períodos mais conturbados de nossa história recente.

Quais são os principais desafios que vocês têm enfrentado nesses quase cinco meses de pandemia?

Tito Andrade: Logo no início, no mês de março, havia o receio do desconhecido. Foi um susto muito grande, veio uma onda muito forte, muita rápida. Tínhamos uma primeira preocupação: até onde o escritório estaria preparado para conseguir trabalhar com todos os funcionários de maneira remota? E isso aconteceu não só no setor jurídico. As empresas em geral vivenciaram essa preocupação.  

Como foi essa mudança?

Tito Andrade: Felizmente as coisas funcionaram bem, nossos advogados já operavam com laptop, investimos antes nessa área. Nós trabalhamos na nuvem, o que significa que você não precisa passar pelo escritório, o que gera uma experiência muito superior e com uma eficiência muito maior. Do ponto de vista de infraestrutura, as coisas acabaram acontecendo de uma maneira melhor até e com mais eficiência que imaginávamos.

E aí depois você começa a se estruturar, algo que envolve não só advogados e setor administrativo. Você tem que migrar para uma plataforma digital, algo que antes fazíamos de maneira física, habitualmente e presencialmente. Isso envolve treinamento de pessoas.

Toda a grade da Academia Machado Meyer [que promove treinamentos da equipe em parceria com instituições como a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Casa do Saber] precisou migrar para o ambiente virtual. Precisávamos manter as pessoas engajadas, com toda uma formatação de eventos. O escritório inteiro teve que migrar para esse mundo digital e foi um desafio, mas eu acho que conseguimos cumprir essa etapa de maneira exitosa.

A primeira preocupação foi com a saúde das pessoas, os nossos colaboradores. Depois, obviamente, os negócios, como iríamos continuar, como os clientes reagiriam, como a economia reagiria. Aí houve toda uma preparação, tanto do ponto de vista de preservação de caixa dos escritórios, com medidas de corte de projetos não essenciais e a suspensão de contratação de todas as vagas que estavam abertas. Era um cenário de tentar ver qual a profundidade da crise e aonde nós iríamos, um trabalho de crise.

Quais áreas foram demandadas?

Num primeiro momento, você teve muita coisa relacionada a destrato e renegociações contratuais e área contenciosa. Na área trabalhista uma série de MPs de desoneração de folha de pagamento, além de algumas questões relacionadas a trabalho remoto. Na área tributária a mesma coisa: houve discussões relacionadas ao diferimento de impostos e eventualmente o não pagamento de outros.

Sob o ponto de vista de gestão passamos a olhar tudo de uma maneira mais cuidadosa e regular. O que olhávamos uma vez por mês, passamos a olhar uma vez por semana. O que olhávamos por semana, passamos a ver diariamente. E acompanhar os números do escritório de uma maneira muito regular, muito próxima, para que eventualmente pudéssemos tomar qualquer medida que se fizesse necessária.

Mais do que nunca, a comunicação e a transparência precisam ser muito importantes e precisam fluir para que todo o escritório esteja acompanhando o que está acontecendo e também para acalmar, comunicar e tomar decisões que precisavam ser tomadas.

Como os clientes estão reagindo nesse momento?

Tito Andrade

Tito Andrade: Os clientes também foram impactados de uma maneira diferente. Determinadas indústrias, lazer, turismo e aviação foram muito impactadas e a gente obviamente é muito sensível à discussão com os clientes. Alguns pediram pagamento posterior, dividir honorários, eventualmente novos arranjos, acho que tudo isso acontece e faz parte de uma dinâmica regular e de uma relação de longo prazo. Outras indústrias sentiram menos. As de tecnologia, por exemplo, e o varejo online que cresceu.

Foi importante mostrar que nós estávamos muito próximos deles e muito atentos, sensíveis às demandas específicas, tentando entregar também conteúdo de informação que fosse analítico, importante para o business de cada um.

A crise gerou muitas informações e o que a gente tentou fazer foi filtrar, levar de uma maneira individual para cada tipo de cliente a informação jurídica que a gente achava que poderia ser importante para o dia a dia dos negócios. Estamos habituados a encontros, reuniões, a sair para almoçar, fazer eventos no escritório e isso acabou de uma hora para outra. Tínhamos que tentar manter esse relacionamento de outra forma, fazendo reuniões ainda que virtuais, encontros e webinars.

Houve então uma mudança no escritório, na postura dos advogados e dos clientes?

Tito Andrade: Os escritórios de advocacia precisam olhar para o mundo, para a nossa sociedade, para o nosso micro e cada um de alguma forma. A partir daí, dentro do nosso limite e do seu espaço, tentar fazer melhor.

Eu acho que isso está dentro um pouco da discussão ambiental, social, governança. Acho que escritórios como o nosso, que são como empresas, com muita gente, têm um papel importante nesse processo, de discutir questões que são hoje tão importantes para nossos colaboradores e clientes.

Fale um pouco mais desses valores?

Tito Andrade: Olhar para o direito das minorias, igualdade racial, equidade de gênero, uma série de valores que são fundamentais para um país como o nosso. O escritório sempre valorizou a educação, elemento que efetivamente transforma as sociedades. É uma visão que vem quase de uma maneira natural e acho que está impregnado no nosso DNA.

Qual o papel da diversidade na advocacia do futuro, na visão dos grandes escritórios?

Tito Andrade: Diversidade é um tema muito relevante e eu diria que para a advocacia e para as empresas, porque traz opiniões e ângulos de visão diferentes, além de formas de enxergar coisas que não são iguais.

Essa pluralidade tem desdobramentos muito positivos na nossa atuação, permite que se veja o mundo com outras lentes, ajuda a construir um ambiente interno melhor e soluções melhores para nossos clientes.

Queria falar um pouco de mercado e operações financeiras. Qual a perspectiva a partir deste segundo semestre e ano que vem?

Tito Andrade: Tem um fenômeno muito parecido que aconteceu no mundo inteiro que foram os estímulos fiscais e monetários que as autoridades deram. Temos muita liquidez, foi dado e colocado muito dinheiro no mercado. O governo conseguiu de alguma forma sustentar a renda e a demanda com os programas que foram feitos. Então você tem muito dinheiro no mercado e esse investidor e esse mercado com tanta liquidez procura bons projetos.

Que negócios vão acontecer no mercado nos próximos meses?

Tito Andrade: Temos um cenário muito positivo com muito dinheiro, liquidez e juros baixos. Se você olhar para a Bolsa de Valores brasileira já passamos dos 100 mil pontos. Com os juros a 2,25%, desconta a inflação, você está quase com juros negativos. Então essa é uma das razões pelo boom que a gente está vivendo tão rapidamente de ativos de IPOs, na área de equity, de follow on e etc.

Nós estamos vendo muita coisa na área de energia no Brasil, tanto renovável quanto transmissão, assim como em tecnologia, com grandes empresas comprando médias. Tem um boom acontecendo em venture capital em fases iniciais e também nas áreas financeira, de saúde e educação.

A Petrobrás continua tendo uma carteira enorme. Acreditamos que Infraestrutura de forma geral venha com força. Essa é uma área que o governo pode ajudar colocando os projetos na rua. Podemos ter privatizações, PPPs, concessão, um pouco de tudo. Essas são áreas que movimentam a economia e atraem tradicionalmente clientes estrangeiros, eles gostam dessa área de infraestrutura.

Também há oportunidades no saneamento com o Marco Civil e aí você tem Alagoas, Rio de Janeiro, Santa Catarina, coisas acontecendo nestes e outros estados. Temos a Dutra para ser licitada, acho que a consulta pública já saiu, então deve acontecer entre esse ano e 2021.

Quando você olha para uma crise deste tamanho, tem muito espaço para a reestruturação e aí temos vários tipos de discussão, tanto de recuperação judicial de uma forma geral quanto de operações de socorro financeiro a determinadas empresas que podem e devem acontecer. Haverá também M&A de empresas em dificuldades.

O mercado jurídico deverá se recuperar nos próximos meses com várias operações financeiras. Abril e maio foi o período mais agudo da crise, junho a gente já começou a sentir uma recuperação. Neste mês de julho me parece que as coisas começam a entrar de novo num nível de normalidade.

Teremos um período acelerado de transações no segundo semestre e início de 2021. Na área de mercado de capitais tem uma série de IPOs enfileirados, o que é muito positivo para o Brasil como um todo.

A crise vai mudar o modelo de negócios das firmas?

Tito Andrade: Falar de mudanças nesse momento de maneira categórica, quando você ainda está no meio da crise, é sempre muito difícil, a chance de errarmos é sempre muito grande.

Mas não há do nosso lado nenhuma medida de mudar planos de carreira. Eu acho que ao contrário, queremos que nossos colaboradores e nossos advogados estejam conosco, construam uma carreira dentro do escritório, aprendam, evoluam, cresçam.

O advogado vai ter que mudar sua maneira de atuar?

Tito Andrade: Não sei se é uma mudança de atuação do advogado. O profissional vai precisar conhecer profundamente o negócio do cliente, ainda que os advogados sejam altamente especializados em determinados mercados e indústrias, eles têm que entender o negócio do cliente.

O advogado que está, por exemplo, fazendo uma operação de fusões e aquisições precisa entender também de planejamento tributário, que pode ser relevante para uma determinada operação, precisa ter um conhecimento mais amplo de contabilidade para poder contribuir em determinadas discussões. O escritório estimula esse conhecimento mais transversal sem perder o foco naquilo que é relevante.

O que a gente fala muito para os jovens advogados é que não deixem de estudar, sejam muito curiosos, entendam o negócio do cliente, acho que o cliente busca cada vez mais não só um advogado, mas quase que um parceiro mesmo. E essa parceria é que dá longevidade e força ao relacionamento e que permite que a gente atravesse a crise juntos de alguma forma.

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