A farmacovigilância de medicamentos no Brasil

Crédito US Navy/Wikimedia Commons
Crédito US Navy/Wikimedia Commons
Objetivo é garantir que benefícios sejam maiores que riscos
Fecha de publicación: 27/09/2019
Etiquetas:

Para que um medicamento seja registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, devem ser comprovados sua qualidade, segurança e eficácia, por meio de estudos clínicos realizados de acordo com padrões de evidência científica.

Embora os estudos clínicos retratem o perfil do medicamento, eles são limitados, principalmente no que tange ao conhecimento sobre a segurança do produto. Isso porque para realização de um estudo clínico, deve-se limitar o número de indivíduos que participam do estudo, bem como o tempo de exposição destes indivíduos ao tratamento. Não se deve perder de vista, também, que os estudos clínicos não são realizados com determinados grupos populacionais, como crianças, gestantes e idosos.

Sendo assim, após o registro do medicamento na ANVISA e sua posterior comercialização e uso por uma quantidade maior de indivíduos, eventos adversos, raros e decorrentes de uma exposição ao produto a longo prazo podem acontecer. Estes eventos serão identificados por meio de um sistema de farmacovigilância, que identificará possíveis problemas relacionados ao uso do medicamento, com o intuito de prevenir ou minimizar eventuais danos à saúde da população.

Portanto, cabe à farmacovigilância identificar, avaliar e monitorar a ocorrência de eventos adversos relacionados ao uso de medicamentos comercializados no mercado brasileiro, a desvios da qualidade, inefetividade terapêutica, erros de medicação, uso de medicamentos para indicações não aprovadas no registro, intoxicações e interações medicamentosas destes medicamentos.

Apenas a título exemplificativo, a respeito da farmacovigilância para avaliação do uso de medicamentos para indicações terapêuticas não aprovadas no registro, existem recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça - STJ que permitem, em situações pontuais, seu fornecimento por planos de saúde, ou até mesmo pelo SUS, um vez que trata-se de “fármaco devidamente registrado na Anvisa, aprovado em ensaios clínicos e submetido ao Sistema Nacional de Farmacoviligância”, vejamos:

“Omissis...

4. Havendo evidências científicas que respaldem a prescrição, é universalmente admitido e corriqueiro o uso off label de medicamento, por ser fármaco devidamente registrado na Anvisa, aprovado em ensaios clínicos, submetido ao Sistema Nacional de Farmacovigilância e produzido sob controle estatal, apenas não aprovado para determinada terapêutica.

5.  Conforme propõe o Enunciado n. 15 da I Jornada de Direito da Saúde,  realizada pelo CNJ, devem as prescrições médicas consignar o tratamento necessário ou o medicamento indicado, contendo a sua Denominação  Comum  Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI), o seu princípio ativo, seguido, quando pertinente,  do  nome  de referência da substância, da posologia, do modo de administração, do período de tempo do tratamento "e, em caso de prescrição  diversa  daquela  expressamente  informada por seu fabricante, a justificativa técnica". 6. Assim, como a questão exige conhecimento  técnico  e,  no mais das vezes, subjacente divergência entre profissionais da saúde (médico assistente do beneficiário e médico-perito da operadora do plano), para propiciar a prolação de decisão  racionalmente  fundamentada,  na  linha  do  que propugna o Enunciado n. 31 da I Jornada de Direito da Saúde do CNJ, o magistrado deve "obter informações do Núcleo de Apoio Técnico ou Câmara Técnica e, na sua ausência, de outros serviços de atendimento especializado, tais como instituições universitárias, associações profissionais etc". (Resp 1729566/SP, Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 30/10/2018)

Não nos cabe neste artigo a emissão de nenhum juízo de valor a respeito da decisão acima transcrita, na medida em que a própria Agência já se manifestou em caso semelhante, no Resp 1.628.584/RJ, em que figurou como amicus curiae, no sentido de que “o uso off label do medicamento é feito por conta e risco do médico que o prescreve, e, no mais das vezes, trata-se de uso essencialmente correto de medicação aprovada em ensaios clínicos e produzida sob controle estatal, apenas ainda não aprovado para determinada terapêutica. Segundo informa a autarquia Anvisa, há casos em que esses medicamentos, que podem ser comercializados no país, já têm determinada indicação aprovada no exterior. Ainda, há casos em que tais indicações nunca constarão na bula do medicamento, porque jamais serão ou poderão ser estudadas pelos vários ensaios clínicos necessários”.

Portanto, tem-se que a farmacovigilância tem por objetivo garantir que os benefícios relacionados ao uso de medicamentos sejam maiores que os riscos por eles causados.

A fim de regulamentar a farmacovigilância no Brasil, a ANVISA editou em 2009, a Resolução-RDC nº 04/2009 e a Instrução Normativa nº 14/2009, que versam, respectivamente, sobre a farmacovigilância para os detentores de registro de medicamentos de uso humano e aprova os Guias de Farmacovigilância.

Em 2016, a ANVISA iniciou sua participação no ICH (International Council for Harmonisation of Thecnical Requirements for Pharmaceuticals for Human use). O ICH reúne autoridades reguladoras e associações de indústrias de vários países, com o intuito de discutir aspectos técnicos e científicos relacionados ao registro de medicamentos, dentre eles a farmacovigilância. Para tanto, a Agência deve se harmonizar com o ICH, no desenvolvimento e implementação de seus guias, distribuídos em 3 (três) níveis.

Por conta da necessidade de harmonização das normas já existentes e objetivando atualizá-las, a ANVISA propôs, em 2018, duas consultas públicas, nº 551 e 552, que versam, respectivamente, sobre boas práticas de farmacovigilância para detentores de registro e relatório periódico de avaliação de benefício-risco. As contribuições recebidas para estas CPs seguiram para análise técnica e posterior elaboração das propostas finais de RDC e IN, a serem apreciadas pela Diretoria Colegiada da Anvisa.

Também em 2018, a ANVISA adotou o sistema VigiMed, que é uma solução tecnológica da Organização Mundial de Saúde (OMS) para adoção da forma e do padrão de transmissão de notificações harmonizado internacionalmente.

E recentemente, em setembro de 2019, a ANVISA disponibilizou em seu portal o 6º Boletim de Farmacovigilância, dedicado à divulgação de informações sobre ações de monitoramento de medicamentos no Brasil.

Nota-se, assim, a importância de um sistema sólido de farmacovigilância que, por intermédio da Anvisa, com a contribuição dos agentes regulados, ganha espaço e promove ações de alinhamento às melhores práticas internacionais, em prol da segurança dos usuários de medicamentos no Brasil. 

 

Aline Coelho é integrante do Barbosa, Raimundo, Gontijo, Câmara Advogados e da Comissão de Direito Sanitário e da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro. É formada e pós graduada pela Estácio de Sá. 

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.