Teremos a reforma que seja possível para pagar as contas do governo

Mírian Lavocat - Crédito Divulgação
Mírian Lavocat - Crédito Divulgação
Consultora jurídica da Frente Parlamentar da Reforma Tributária, Mírian Lavocat, defende mudanças infraconstitucionais
Fecha de publicación: 10/10/2019
Etiquetas: Reforma Tributária

Consultora jurídica da Frente Parlamentar Mista da Reforma Tributária, a advogada tributarista Mírian Lavocat, defende a aprovação de mudanças infraconstitucionais, que exigem menos quórum e tramitam mais rapidamente pelo Congresso Nacional, com foco em medidas que possam impulsionar a economia e reduzir a taxa de desemprego. 

Sócia-fundadora do Lavocat Advogados, Mírian é formada em Economia pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB) e em direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Possui especialização em direito processual civil do Instituto Brasiliense de Estudos Processuais e em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. 

Qual a importância de haver uma advogada tributarista na Frente?

A frente parlamentar é mista, composta por 196 deputados e 39 senadores. Tem por princípio a simplificação do modelo tributário que vivemos hoje. A simplificação vai gerar racionalização dos custos que a tributação exige. As empresas são penalizadas com a quantidade de obrigações tributárias a que estão submetidas. É um tema extremamente complexo e passível de diferentes interpretações. Necessário contar com um profissional que conheça o dia a dia da tributação. 

A Frente vem para ouvir, saber dos contribuintes, qual seria o modelo eficaz para a volta do crescimento econômico. Estamos numa recessão econômica desde 2015, com números alarmantes e preocupantes. A Frente quer retomada do crescimento, o retorno do emprego, porque a quantidade de desempregados é recorde nos 500 anos de história. A Frente visa essencialmente isso, uma reforma racional, simplificada e diminuição da carga tributária, que é escorchante para os empresários. Muitas empresas precisam escolher todos os meses se pagam a folha de salários ou os tributos. Isso leva a uma informalização muito grande da atividade econômica. 

Ao mesmo tempo, há limitação para se discutir redução de carga diante dos problemas fiscais do país, como conciliar?

Esse é um dos pontos mais discutidos. Temos três Propostas de Emenda Constitucional (PEC). A PEC 45 é a mais adiantada, foi proposta pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP). A PEC 128, do deputado Luis Miranda (DEM-DF), que está muito atrasada no processo legislativo dentro da Câmara. E a PEC 110, que está no Senado. Essa é inspirada na proposta do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que começou a ser discutida em 2004, e que sofreu várias emendas do ex-deputado Mendes Thame (PV-SP) e seguiu para o Senado. Entendemos que  a PEC 110 avançou muito rápido no Senado, já temos o relatório do senador Roberto Rocha (MA). A proposta está em estado muito avançado de estudo, o que preocupa muito a frente parlamentar. Do jeito que está andando é extremamente benéfico para alguns setores, é muito eficaz e louvável para indústria que sofre há muitos anos. Em outros setores, temos possibilidade até de interrupção dos negócios, com uma oneração de 600 por cento da carga tributária. É impossível ter incremento na tributação com esses valores. 

O governo também pode enviar uma nova proposta, o que seria mais um texto a ser analisado pelo Congresso…

O que temos são duas propostas, as PECs 45 e 110. As duas estão mais avançadas e, diferentemente da proposta do governo, não criam o malfadado imposto sobre movimentação financeira. E, por último, aguarda-se proposta do governo. Quando falamos do retorno da CPMF, o que o governo dizia é que criaria um novo tributo, mas, ao mesmo tempo, reduziria a  folha de salários. Não vejo com antipatia uma proposta como essa, a folha tem além da contribuição à seguridade, outras contribuições que incidem sobre o salário. É o cenário que temos, as PECs buscam essencialmente  uma simplificação, agregando vários tributos, federais, estaduais, municipais.

São muitas propostas ao mesmo tempo…

Outro dia li um artigo do dr. Ives Gandra se opondo a PEC 45 e a 110, não haveria necessidade de reforma dentro do sistema constitucional. Poderia ser feito com mudanças infraconstitucionais. Ele fica muito temeroso com a criação do tributo novo, que é o modelo do IVA (Imposto sobre Valor Agregado). O ICMS que usamos foi criado em 1966 no modelo europeu. Seis meses depois, a Europa decidiu que não queria mais a sistemática do ICMS, criando o IVA. Estamos atrasados e ainda tentando recuperar esse tempo.

A sra. é favorável a uma reforma infraconstitucional apenas?

É uma opção a ser refletida e debatida, pensando na litigiosidade que temos hoje. De 2003 para cá se briga sobre o que é insumo, o que se aproveita ou não como insumo na base de cálculo do PIS/Cofins. Estamos há 16 anos brigando. Não tiro razão dos que veem a reforma dentro do sistema constitucional como uma mudança temerária. Talvez isso pudesse ser feito por reformas infraconstitucionais pontuais.

Fico encantada com a possibilidade de criarmos um sistema mais racional e simplificado. Mas ao mesmo tempo, não podemos perder de vista que a Constituição de 1988 tem todo um  sistema pensado e discutido amplamente pelo  constituinte originário. Talvez as reformas sejam preocupantes, setores e contribuintes precisam ser mais ouvidos. Todos precisam ser ouvidos. É muito difícil trazer para um setor da economia, um incremento na carga tributária de 600%.

A reforma que teremos é a reforma que seja possível para se pagar a conta do governo. Isso é fato. Não podemos querer reforma com simplificação e racionalização e redução de carga tributária se a conta não fechar. O que vejo é que o ministro Paulo Guedes vê com muita simpatia a criança deste  tributo, único. Ele gosta desse modelo. A ideia do governo é trazer esse novo tributo sobre operações financeiras, mas ao mesmo tempo reduzir folha de salários. O que precisamos hoje, sem sombra de dúvidas, é retomada do emprego.

Voltando à criação do imposto sobre transações financeiras, quando se fala em criar um tributo para reduzir o peso de outro geralmente há aqueles que acabam pagando mais, e não menos imposto... 

Depende de como vem. Esse novo tributo, que eu não arrisco em dizer qual  seria a sua alíquota, teria em contrapartida a redução dos encargos sobre i a folha de salários, o que é fator positivo. Atualmente, para o empresariado brasileiro, o custo do trabalhador é praticamente igual ao seu salário. Se a empresa paga 10 de salário, tem de pagar outros 10 de encargos. É irrazoável e desproporcional. 

Em sua avaliação, a desoneração da folha traria o maior impacto na retomada da economia?

Penso que sim. O que mais encarece é o gasto com o emprego formal. É a folha de salário. Tenho clientes que são terceirizadoras de mão de obra e que tem custo de 79% com pessoal e tributos. É um risco muito grande investir, contratar gente e começar o mês com 79% de custo. 

Qual a importância da reforma para reduzir a litigiosidade?

A reforma tributária, nas PECs que mencionamos, buscam a  diminuição do litígio que vivenciamos, criado pelar interpretação das normas tributárias. Trazendo como exemplo o IP, que é um imposto antiguíssimo, todas as vezes que se precisa classificar um determinado produto industrializado e sua consequente alíquota, instaura-se o litígio. O Bernardo Appy, nas palestras de divulgação da PEC 45  usa esse exemplo: o pão francês teria uma alíquota, vamos supor, um IPI de 10%. A farinha do pão, que nada mais é do que o pão dormido terá IPI de 20%. É razoável? Ai começa o conflito. Esse é o grande problema. E instaurado o conflito, leva-se até quinze anos para os temas chegarem as Cortes Superiores e serem pacificados. Não podemos perder de vista temas como ICMS na base de cálculo de PIS/COFINS, receita bruta e PIS/COFINS, insumos na base de cálculo do PIS/Cofins não cumulativos. Necessárias decisões de STJ e STF para colocar pá de cal. Com a unificação dos tributos, o litígio tende a se reduzir gradativamente. 

Por quê?

Tendo por modelo a PEC 45, teremos a unificação de  vários tributos num só, PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS, criando-se o IBS (Imposto Sobre Bens e Serviços). IPI irá desaparecer. Existe modelo mais complexo que o ICMS? Usa a base de calculo dele mesmo, com substituição tributária para frente e para trás, todo dia é briga e mais briga. A forma de apuração vai ficar mais simples, o que tem de crédito acumula e no final abate isso. É uma partida simples. Compensação de créditos e de débitos.

Uma das propostas começou a ser debatida em 2004, dezesseis anos depois da Constituição. Estamos falando dela agora, quinze anos depois. Quais as indicações de que a reforma agora sai?

Cheguei na Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2001, por muitos anos fui advogada da indústria. Desde então ouço falar de reforma tributária. Ouço falar de muitos modelos, antes da proposta do Hauly, haviam outras tantas propostas legislativas. Hoje o que temos é um ambiente político mais propenso a isso. A gente vê o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) trazendo o tema à baila constantemente. Começo a ver um ambiente político mais favorável. Mas estimar quando sai é exercício de adivinhação. Ao mesmo tempo, teremos setores perdedores e ganhadores, que irão digladiar com as novas propostas, interagindo fortemente com as bases que os apoiam. Vejo discussões agressivas de alguns setores, que serão muito penalizados. Será algo muito rápido? Acho que não, quem dá o tom é o Congresso.

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