Proposta de reforma tributária deve levar em conta alta litigiosidade de hoje

Jose Andres Lopes da Costa
Jose Andres Lopes da Costa
José Andres Lopes da Costa, do Chediak Advogados, analisa grupo de trabalho do Ministério da Economia
Fecha de publicación: 14/10/2019
Etiquetas: Reforma Tributária

O grupo de trabalho criado pelo Ministério da Economia para elaborar textos de reformulação do sistema tributário nacional deve levar em conta que as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que tramitam no Congresso sobre o tema reduzem o poder de Estados e municípios formularem suas políticas tributárias, ameaçando o pacto federativo, além da alta litigiosidade existente hoje sobre a matéria, sob o risco de se elevar o contencioso tributário em vez de diminui-lo, alerta José Andrés Lopes da Costa.

Sócio do Chediak Advogados, ele formou-se em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e fez pós-graduação em Direito Empresarial na Universidade Cândido Mendes Leciona Direito Bancário na pós-graduação em Direito Econômico da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

Como vê a criação do grupo de trabalho da reforma tributária pelo Ministério da Economia?

O processo era capitaneado pelo Congresso, deputados e senadores estavam conduzindo isso. Tenho uma série de críticas a maneira como vinha sendo feito. Você tem prazos muito longos para implementar o novo modelo de imposto unificado. Tem questões não resolvidas sobre partilha das receitas. Outra questão super delicada é a perda de autonomia de Estados e municípios para formularem políticas tributárias, vai para um comitê gestor vinculado à Receita. Com isso, os estados e municípios deixam de ter a possibilidade de fazer política local, proibição de incentivos. Mas tem setores como educação, saúde e segurança que precisam de incentivos para funcionar. As PECs têm uma série de problemas, obter um acordo de municípios e Estados para fechar essas PECs é muito delicado.

Ao propor uma terceira alternativa o governo está tentando retomar a rédea do processo e a condução da reforma tributária. Todas os esforços do governo foram para a reforma da Previdência. Com o grupo de trabalho, o governo tenta retomar o controle também na reforma tributária, sinal de que virá uma coisa mais racional e mais efetiva. O problema das duas PECs é uma confusão entre simplificação e outro conceito diferente que é você ter uma política tributária adequada e funcional. A política hoje é muito disfuncional e injusta em alguns aspectos. Mas tem sistemas muito simples que podem ser disfuncionais e injustos, e ao mesmo tempo, sistemas complexos que podem ser justos. 

Focou-se muito na simplificação, vamos cortar tributo e unificar tudo, e não se mirou muito na eficiência dessa organização. Não se pensou em política tributária. O impacto na economia, com a proposta do governo esses dados sejam levados em conta, tem um olhar mais amplo sobre o efeito da reforma tributária na economia como um todo e consegue uma proposta mais racional. No Congresso, vi muita vontade de cortar e pouca reflexão sobre que impacto isso traria na economia. Pelo perfil da equipe econômica, isso vai ser levado em conta agora. A expectativa é boa, virá uma proposta mais racional. Mais funcional e que diminua injustiças tributárias, o desafio continua o mesmo. 

Mas uma proposta vinda do governo não ficará muito sujeita à pressão atual da trajetória fiscal, buscando mais receitas sem resolver problemas?

Sou super contra discutir reforma da Previdência separada da reforma tributária, as duas coisas se falam muito. Mais de 90% dos recursos da União vão para a previdência, que acaba sendo um buraco que ninguém consegue pagar. Fica com 10% para pagar saúde, educação infraestrutura… mas fatiou e fez primeiro reforma da Previdência e agora vai fazer reforma tributária. Deveria ser tratado em conjunto. Como a reforma da Previdência teve efeito menor do que o governo queria, menor comprometimento das contas públicas, mas algum déficit, não se pode esperar da reforma tributária uma redução da carga. Seria muito ilusão. Hoje a carga tributária é insuficiente para o governo fazer frente à despesa pública, esperar que venham reduções é muito difícil. 

O que acho mais provável é a correção de algumas disfuncionalidades do sistema. Um exemplo: um funcionário de uma empresa recebe salário, paga 27,5% de IRPF, a empresa paga Previdência e contribuição para o Sistema S. Escolheu-se abrir Pessoa Jurídica, que tem metade da carga tributária da pessoa física. Quem pode trabalhar como pessoa jurídica tem carga diminuída e como empregado tem carga mais alta. Volta para disfuncionalidade. Seria legal equalizar isso, sem vantagem para um ou outro modelo, que ser empregado fosse equivalente a ter uma empresa. Vai caminhar para redução da alíquota nominal da PJ, EUA, Espanha, França, todo mundo reduziu com tributação adicional no dividendo. Acaba equiparando a alíquota efetiva, final de quem recebe dividendo de quem é empregado. Vai caminhar nesta direção.

Qual sua avaliação sobre o retorno da CPMF ou tributo semelhante?

A CPMF é uma ideia antiga. O problema da CPMF é algo que já aconteceu no passado e virar mais um tributo perverso em vez de se tornar substitutivo como deveria ser. Lembro da época do Adib Jatene (Ministro da Saúde de 1995 a 1996), que pensou esse imposto único e se transformou numa contribuição para a saúde que precisava de recursos, depois vieram com a Desvinculação de Receitas da União (DRU). O bolo da CPMF era usado para pagar dívida pública, entrou no bolo para fazer frente ao déficit público. Além de ser cumulativa, a CPMF onera a cadeia de produção, onera todo mundo de maneira igual, não é distributiva, e é isonômica porque o pobre paga tanto quanto o rico. A rejeição social que existe à CPMF é enorme. Agora, a ideia de baratear emprego, cortar a contribuição sobre a folha, é boa ideia. A conta vai fechar. A CPMF é um tributo perverso, cheio de defeitos, testado e rejeitado pela sociedade. Bem improvável que volte. É um tributo que não existe no mundo inteiro, você olha para os nossos parceiros e ninguém tem. Acho que quanto mais o sistema tributário for parecido com o de outros países, mais fácil é para o investidor entender, ter mais clareza para investir.

Qual a importância de a reforma levar em conta a redução da litigiosidade? 

Esse é outro aspecto que vem sendo deixado de lado pelos autores das PECs. Tem um aspecto que certamente chegaria ao Supremo, que é a questão do pacto federativo. A Constituição prevê que qualquer emenda constitucional tendente a acabar com o pacto federativo é por si só inconstitucional. Na hora em que a reforma faz repartição, retira autonomia de estados e municípios, isso vai ser contestado e as PECs aqui ferram com o pacto federativo. O município não terá autonomia ou perderá parcela substancial da economia, além de outros tributos modificados que seriam passíveis de contestação. As pessoas não estão pensando muito em como vai ser o contencioso tributário com essa reforma. Teria que ser algo que atendesse a Constituição. Tenho medo que acabe em um grande contencioso tributário que, em vez de diminuir, aumenta.

O grupo de trabalho foi criado logo depois de a Lei de Liberdade Econômica instituir um comitê do ministério da Economia que editará súmulas e entendimentos. Como vê essa questão?

A portaria de nomeação dos integrantes do grupo de trabalho foi revogada no dia 7, mas o governo vai propor alguma coisa mais ou menos similar mas vai submeter a consulta pública, pelo menos. O problema disso é que você já tem todo um sistema de produção de enunciados de súmula que funciona super bem. A única diferença é que essas propostas vêm quando já tem uma jurisprudência consolidada. Na votação das súmulas, tem participação de representantes do setor privado, o que traz alguma paridade, visões diferentes, para ser um entendimento mais equilibrado. Na hora que coloca só o governo para editar súmula, vira uma maneira diferente de legislar. Pode editar o que quiser e isso fica obrigatório para o tribunal, o Carf perde autonomia e o governo acaba legislando por via indireta. Por isso foi tão combatido, rejeitado, a OAB se pronunciou todo mundo ficou revoltado com a proposta, dizendo que quem vai mandar somos nós. O tribunal é obrigado a obedecer. Hoje o sistema é bem feito, tem defeitos mas é bem estruturado, a súmula é encaminhada, as pessoas votam... Não tem razão para mexer nisso.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.