Implementação simultânea de "tsunami" de novas regras desafia sistema financeiro

Bruno Balduccini
Bruno Balduccini
Bruno Balduccini, sócio do Pinheiro Neto, analisa mudanças sugeridas pelo Banco Central
Fecha de publicación: 10/12/2019

A implementação simultânea de novas regras bancárias, em meio a diversas iniciativas tomadas pelo Banco Central nos últimos meses, representa um desafio para o sistema financeiro nacional, que precisa se atualizar ao mesmo tempo em que continua fornecendo serviços a seus clientes, avalia Bruno Balduccini. 

Sócio do Pinheiro Neto Advogados, ele se formou em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e obteve um LL.M. (Master of Laws) na Boston University. Além disso, presidente o Comitê de Direito Bancário do Instituto de Advogados de São Paulo desde 2001.

Em entrevista ao LexLatin, Bruno Balduccini analisa as três propostas de normativos sobre diferentes assuntos divulgadas pelo Banco Central no fim do mês passado. As propostas têm o objetivo de impulsionar a competição no sistema financeiro e são parte da Agenda BC#. O regulador vai receber sugestões do público até 31 de janeiro do ano que vem e analisá-las antes de apresentar um texto final. 

A primeira consulta, diz respeito a "escrituração de duplicata escritural, sobre o sistema eletrônico de escrituração gerido por entidade autorizada a exercer essa atividade e sobre o registro e a negociação desses títulos de crédito escriturais". Outro texto proposto pelo BC visa implementar o Sistema Financeiro Aberto (Open Banking), regulando o compartilhamento de dados dos usuários. A terceira proposta cria um sandbox regulatório e condições para a oferta de produtos neste ambiente.  

Como você vê as propostas colocadas em consulta pública pelo Banco Central sobre Open Banking?

Estão bem consistentes com o que o Banco Central já disse publicamente e similares ao modelo europeu. Dessa forma, as propostas não deverão surpreender os players. Vale lembrar que, por ser uma consulta pública, serve justamente para o Banco Central ouvir o mercado e fazer ajustes antes de publicar a norma definitiva. Isso é muito saudável, porque dá espaço para discussão e tempo para implementação.

E sobre sandbox regulatório?

O sandbox regulatório é uma prática conhecida e testada em outras jurisdições. A ideia é criar um espaço para testes de produtos, serviços e modelos de negócios inovadores. As entidades e empresas que participarem não estarão sujeitas ao peso da regulação atual. Elas terão flexibilidades para o teste dos produtos, conforme caso a caso. O objetivo é incentivar a inovação no mercado financeiro e, ao mesmo tempo, acompanhar de perto os riscos associados às novas tecnologias.

E a consulta sobre duplicata escritural?

Neste caso, o Banco Central segue novamente o que já havia anunciado: restabelecer a duplicata como um instrumento de financiamento das empresas. Contudo, inova ao criar duplicatas eletrônicas e traz segurança para os bancos. Essas duplicatas serão registradas evitando, assim, que uma empresa venda a mesma duplicata mais de uma vez gerando insegurança para esse tipo de financiamento e encarecendo o produto, visto que os bancos precisam computar no preço o eventual risco de fraude.

Que impactos podemos ver no mercado a partir da regulamentação da proposta de Open Banking? O que é preciso alterar na proposta do Banco Central e por quê?

O impacto deverá ser a maior competição pelos clientes com a redução das taxas de juros e demais custos para o cliente tomador de um serviço financeiro. Acredito que veremos a participação de bancos pequenos, médios e até das fintechs de crédito (Sociedades de Crédito Direto e Sociedade de Empréstimo entre Pessoas) oferecendo serviços e produtos financeiros para clientes dos bancos incumbentes. A proposta é bem consistente e organizada. Acho que serão feitos ajustes de natureza mais pontual, mas nada que mude a essência do documento que foi divulgado ao público.

Que aspectos da prática de direito bancário devem se modificar para trabalhar com um cliente em um caso de sandbox regulatório? Quais os principais desafios?

Como o sandbox regulatório prevê uma autorização temporária para o teste de uma tese ou produto, que pode não virar uma regra definitiva, acredito que não veremos mudanças substanciais na prática de direito bancário de imediato. Mas esse exercício servirá como uma indicação muito importante de tendência para o futuro, com mudanças eventualmente substanciais de regras, produtos e procedimentos. Portanto, acredito que o sandbox regulatório deve ser observado de perto. Dele poderão surgir novos modelos de negócios que podem impactar o mercado bancário para o futuro.   

As propostas fazem parte da agenda BC# de promoção da concorrência no mercado financeiro. Como vê a implementação da agenda neste ano, seus principais aspectos e o que esperar para 2020?

Acredito que nunca tivemos tantas mudanças nas regras bancárias em linha com os pilares do BC#. Há um “tsunami” regulatório no qual todos estão se debruçando para entender essas normas e antecipar as mudanças necessárias e os impactos para cada player. O desafio aqui é a implementação quase simultânea de várias normas e a capacidade dos bancos alterarem seus sistemas e estruturas para se adequarem às mudanças propostas. O Banco Central tem sido bastante claro nas mudanças, dando prazo para a adaptação. Mas, como os bancos possuem sistemas muitas vezes antigos, isso poderá representar um desafio para alguns, em especial os incumbentes que precisam continuar operando normalmente e, ao mesmo tempo, precisam realizar implementações e ajustes necessários em seus sistemas.

Ao mesmo tempo, temos uma proposta da mesma autoridade tabelando a cobrança de juros em um produto oferecido pelo mercado financeiro. Como esperar concorrência quando o governo define o preço do produto?

Acredito que a medida de limitação de taxa de juros no cheque especial foi uma medida excepcional e baseada em estudos comparativos. Vale mencionar que o Banco Central sempre foi muito  “pró-mercado”, com pouca interferência. Mas já vimos no passado situações em que o Banco Central conversou com os players do mercado mostrando suas preocupações com determinado tema, dando tempo para os bancos realizarem os ajustes e, caso isso não ocorresse, criando normas específicas. São exemplos disso a limitação de tarifas cobradas pelos bancos, a imposição de liquidação centralizada para pagamentos de cartão de crédito, a limitação de rotativo no cartão de crédito, entre outros. Tratam-se de interferências pontuais, que visam melhorar a competição e oferecer mais transparência. Então, considero que interferências estatais em relações privadas podem até ser aceitas desde que excepcionais e com uma lógica pró-mercado. O Banco Central tem realizado uma série de mudanças que visam mais competição e transparência no mercado e essas interferências devem ser vistas como parte do processo para se alcançar um mercado de livre concorrência.

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