Mesmo sob críticas, hoje o Carf julga como nunca: de acordo com dados mais recentes do próprio tribunal, o acervo de processos, que era de 77 anos em 2016, hoje é de 3,7 anos. Um recurso hoje leva, dependendo do tema, de dois a cinco anos para ser analisado pelo Carf.
Em uma câmara superior, que julga divergências na tese do tribunal, o tempo médio de tramitação é inferior a um ano. O Carf lavrou 26.090 acórdãos em 2019 - dando decisões que equivalem R$371,1 bilhões em cobranças.
Há uma disparidade na importância destes processos: 92 deles têm cobranças tributárias superiores a R$ 1 bilhão e, juntos, valem R$ 251 bilhões. Já 113 mil processos possuem cobranças menores que R$ 15 milhões e, juntos, valem cerca de R$ 90 bilhões. O maior processo analisado pelo Carf - que trata da fusão do Itaú com o Unibanco, ocorrida em 2007, pode cobrar R$ 35 bilhões da companhia. Desde novembro de 2018, a análise deste caso está suspensa por ordem judicial, e nem a Fazenda Nacional nem o banco comentam em profundidade o caso.
Os números animam o órgão. Desde 2018 no cargo, a presidente do Carf, Adriana Gomes Rêgo, apontou uma série de medidas que sanariam fragilidades no julgamento do tribunal: hoje, um julgamento mais célere também busca bloquear pedidos de vista desnecessários e um comitê de ética foi instalado este ano. E o sorteio eletrônico traria maior transparência a cada processo na mão dos 180 conselheiros titulares e suplentes do Carf - plantel este que Adriana considera reduzido, e que de fato é menor que os 346 conselheiros na época da Operação Zelotes.
Hoje, lembra a dirigente, um processo pode ser anulado: em fevereiro de 2018, o tribunal reviu uma decisão dada em um processo envolvendo o Bank Boston, há sete anos. Como ficou comprovado que um conselheiro não poderia ter julgado o caso por ser suspeito à empresa, a cobrança, de R$ 126 milhões em valores da época, está sendo julgada novamente.
Sobre a crítica de que a mudança da Zelotes prejudica a quem recorra ao tribunal, Adriana elabora uma teoria: antes de a Polícia Federal bater à porta, havia um colegiado mais homogêneo, com até 18 anos de casa, o que facilitaria o entendimento entre os conselheiros.
Mesmo depois da Zelotes e da reestruturação do órgão, ela argumenta que não houve tanta mudança assim. "Em 2017,uma análise qualitativa mostrou que a jurisprudência entre 2014 e 2016 ou se manteve, ou a câmara superior já oscilava na tese, ou não tinha julgado a questão", pontuou.
Mas, após tantas mudanças e avanços em produtividade, ninguém foi capaz de afirmar categoricamente que os problemas que motivaram a Operação Zelotes e deram uma efêmera fama ao Carf estão extintos. Um ex-conselheiro afirmou à reportagem que "ainda existem conselheiros que ainda atuam pelas beiradas", e que se há conhecimento de quem são.
Uma advogada de São Paulo, que também atua no órgão, relatou a LexLatin ter recebido, recentemente, propostas antiéticas de conselheiros do tribunal, oferecendo serviços de pareceres ou mesmo em relação a processos correntes na corte.
O Ministério Público ainda mantém um procurador responsável pela operação, e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) é a responsável por julgar a maior parte das 20 ações contra 113 réus. A maioria dos acusados são advogados, lobistas e ex-conselheiros do órgão, mas há uma ação onde o ex-presidente Lula é réu, pela sua possível atuação na compra dos caças suecos Grippen. No último mês de fevereiro, o líder petista prestou depoimento sobre o caso em Brasília.
As decisões tomadas são subjetivas, e se valem principalmente da interpretação individual de mais de uma centena de conselheiros. "Há muita dificuldade de se identificar o ato de corrupção de um julgador de natureza tributária", aponta Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich e Vasconcelos e pesquisador da gestão tributária no país. Isso não impediu que um escândalo ocorresse após a Zelotes: em 2016, o então conselheiro João Carlos de Figueiredo Neto, representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), pediu o pagamento de R$ 1,5 milhão ao Itaú para julgar favoravelmente um processo sobre a fusão da empresa com o Unibanco.
À época, a cobrança contra o banco era de R$ 19,7 bilhões (e hoje, ainda sem ser concluído pelo tribunal, pode chegar a R$ 35 bilhões). Delatado pela própria instituição financeira e preso em flagrante em um shopping de Brasília pela Operação Quatro Mãos, Figueiredo Neto cumpre pena de seis anos por extorsão.
O valor sob a guarda do Carf impede que, com tantas mudanças e mesmo sob o descrédito de parte da advocacia, o “tribunal da Receita” perca sua relevância. Com R$ 624 bilhões em análise, e casos relevantes sob sua jurisdição, ainda cabe ao conselheiro, e a apenas ele, manter a interpretação legal de maneira ética.
“Por mais que se imponham regras, cada um é senhor de si”, afirmau Mírian Lavocat, sócia do Lavocat Advogados. “Somos humanos”.
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