O propósito das firmas de advogados

Gestão 2304
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Um propósito inspira e atrai todas as pessoas que se relacionam com uma marca, começando pelos seus profissionais.
Fecha de publicación: 22/04/2020
Etiquetas: Gestão LexLatin

Estamos todos pensando e falando muito sobre a pandemia causada pelo coronavírus. Ela está presente (e como), impondo-se, tirando a saúde e os recursos, amedrontando e interferindo impiedosamente na paz de muitos.

 

A despeito de nossas críticas em um ou outro, ou em vários aspectos, governos e iniciativa privada envidam esforços para evitar uma calamidade ainda maior.

 

Em uma situação 100% imprevisível como esta que estamos todos vivendo, admiro todos que estejam fazendo algo para tentar melhorar minimamente o momento presente e as previsões negativas que são jorradas sobre nós, todos os dias.

 

Mas vou eu também aqui ficar tratando dos impactos desastrosos da Covid-19? Não. Eles só servem para guiar um pensamento positivo sobre um tema que, em cenários como esse, fica absolutamente visível e, de certa forma, palpável.

 

Vamos falar de propósito?

 

Tive a oportunidade de falar sobre isso no último evento presencial em que palestrei, poucos dias antes do isolamento social. Daqueles temas que saem da alma, que só fazem sentido falar sobre quando vividos por nós mesmos.

 

Há muitas coisas velhas embaladas de novas no que chamamos de marketing jurídico. Na verdade, tecnicamente estamos bem errados no uso do termo, porque marketing é simplesmente marketing, que se difere nas aplicações para produtos e serviços; de resto, é o mercado e seus diferentes setores e indústrias, que exigirão estratégias distintas por suas particularidades e regulamentação.

 

Mas, vamos seguir usando “marketing jurídico” para delimitar nosso terreno de conhecimento. E vamos usando novas nomenclaturas para revigorar diversos serviços e ferramentas dessa disciplina marketing, essencial para a gestão das organizações jurídicas.

 

Em meio a tantos “novos” conceitos, surge a palavra “propósito”. Essa me fez parar para observar mais. Na verdade, ainda mais presente no mercado das empresas e de outras instituições, o propósito vem não como algo novo, mas passa a ocupar o posto mais importante dentro das organizações: a estratégia. Enfim, algo novo para se discutir no que se refere à essência do marketing.

 

E como definir o propósito nesse nível de importância?

 

Antes de qualquer definição, que pode acabar por esgotar nosso envolvimento no que realmente importa, vamos parar um pouco para refletir – e o momento atual é bastante propício para isso. São só algumas poucas perguntas para iniciar um exercício que está longe de se esgotar por elas:

 

- Por que iniciamos o nosso escritório?

- Por que trabalhamos onde trabalhamos?

- Por que fazemos o que fazemos... todos os dias?

- Por que as pessoas gostam (ou não) de trabalhar com a gente?

- Por que nos orgulhamos (ou não) do que fazemos... todos os dias?

 

E como resultado das respostas às perguntas acima, qual o nosso impacto individual e da nossa organização na sociedade?

 

Se precisamos de uma definição para “propósito corporativo”, ela existe. É a razão essencial de a organização existir, para além dos produtos ou serviços que oferece.

 

Claro. Preciso. Essencial.

 

A mágica do propósito como centro da estratégia do negócio, e logo, como centro da orientação do marketing, é que o outro nos importa mais do que nós mesmos.

 

Propósito, missão, visão e valores

 

Como muito bem escrito por Graham Kenny para a Harvard Business Review, o propósito não é a missão, não é a visão, nem os valores de uma organização – que muitas vezes também resumem-se a textos estampados em canais nobres das empresas. Um propósito inspira e atrai todas as pessoas que se relacionam com uma marca, a começar por seus profissionais. Ele vem para direcionar e dar sentido maior a absolutamente tudo o que uma organização faz. É o cerne de sua existência.

 

Comece pelo porquê

 

Em seu livro “Comece pelo porquê (Start with why), Simon Sinek traz o conceito do círculo dourado (golden circle), sistematizando a razão porque algumas pessoas e organizações são mais inovadoras, admiradas e lucrativas do que outras. A obra é um must have que nos instiga a um novo método de pensar, agir e comunicar com o propósito de criar impacto no mundo.

 

Para Sinek, o que distingue essas pessoas e organizações líderes é o senso de propósito que elas têm para além de sua atividade-fim, ou seja, elas causam um impacto positivo muito maior, no mundo.

 

Pela lógica do círculo dourado, temos 3 esferas, de dentro pra fora: Porque, Como e O que. De uma forma ou de outra, todas as organizações sabem dizer o que elas fazem, algumas sabem explicar como fazem, e bem poucas sabem o porquê do que fazem. Já as pessoas e organizações inspiradoras sabem exatamente o porquê desenvolvem um produto ou serviço, e partem desse propósito para chegar ao que fazem.

 

O livro traz excelentes casos práticos que, claramente, sustentam o conceito do círculo dourado. Trazendo isso para o mercado jurídico, observamos o que acontece com a grande maioria dos escritórios. Todos, com poucas variações, transmitem na comunicação o que fazem; alguns – também de forma bem semelhante – conseguem explicar como fazem; e bem poucos sabem e conseguem expressar o porquê fazem – qual a causa maior para além da prestação dos serviços jurídicos.

 

Considerando o modelo decodificado por Simon Sinek, na imensa maioria dos casos, a hierarquia no processo é, basicamente, a mesma: de fora para dentro; ou seja, defino toda a minha estratégia de negócio a partir do que eu faço. E, inclusive, preciso detalhar muito o que eu faço porque acredito que é por isso que meus colaboradores ficarão comigo, e por onde vou manter meus clientes atuais e atrair novos. Ledo engano.

 

A inspiração Algar

 

Para trazermos um exemplo de fora do mercado jurídico, vamos citar o Grupo Algar. Entre seus tantos negócios, um único propósito: “gente servindo gente”. No caso deles, o propósito é também o slogan que acompanha a marca. Mas, não é a “frase de efeito” que importa, e sim um legado consistente que acompanha a sua longa história.

 

Não importa o que façam, telefonia, tecnologia, agronegócio, entretenimento ou qualquer outro negócio que acrescentem ao seu portólio, a estratégia do grupo é alicerçada por esse propósito único de servir pessoas, claramente expresso nestas palavras de seu fundador Alexandre Garcia

 

O propósito e o lucro

 

O nosso propósito é o que nos diferencia de fato e, em um mercado tão competitivo e desnivelado em termos de precificação, é a única estratégia sustentável para as organizações, de todos os setores. Paremos para pensar porque muitos escritórios de advocacia têm perdido tantos talentos, tantos clientes e com tanta dificuldade para atrair novos profissionais e novos clientes.

 

Pela ordem, será que é, essencialmente, por questões de remuneração e preço dos serviços? É bem provável que não. Até mesmo porque, se compartilho de um propósito maior, certamente dou ao meu empregador ou ao meu prestador de serviços a oportunidade de uma negociação.

 

Não estamos dizendo que o ganho financeiro, o lucro, não tenha relevância – sem isso, o negócio simplesmente não existiria. Mas esse deve ser o resultado de uma entrega com significado bem maior. Tem a ver com o impacto positivo que eu causo na vida das pessoas, sejam elas meus colaboradores, meus clientes, parceiros e tantos outros públicos com quem a minha marca se relacione, lembrando que a marca é construída a partir da experiência gerada pelas pessoas que a representam – que são absolutamente todos os seus profissionais, da base ao topo da pirâmide.

 

A autenticidade do propósito

 

Assim como acontece com tantas “ondas” na prática do marketing jurídico, o risco é que se repita em nosso mercado o que tem acontecido com tantas empresas: propósitos vazios, à semelhança de tantos textos sobre missão, visão, valores e princípios.

 

Um estudo da multinacional Gallup aponta para o desafio vivido pelas empresas em relação ao que desejam enquanto propósito, e a marca e a cultura que seus profissionais criam por suas ações.

 

Fato é que o propósito somente será um diferencial de marca se houver autenticidade e, inevitavelmente, se partir da liderança - do seu exemplo. Não adianta investir dias, semanas, meses ou anos (como já ouvi relatos) para construir uma declaração inspiracional.

 

O que vai inspirar, efetivamente, é a verdade do propósito na gestão do negócio, em como a liderança conduzirá as grandes e pequenas decisões do dia a dia, dos “sim” e “não” que serão ditos, para, então, contagiar seus colaboradores – todos eles. É essa força somada que vai expressar o propósito externamente e inspirar quem está “da porta pra fora” da organização. Não é sobre o que falamos ou escrevemos; é sobre nossas atitudes.

 

Já escrevi sobre cultura organizacional em outras ocasiões. Sobre a sua soberania. Nada se sobrepõe a ela; nenhum mega programa de marketing; nenhum desejo da “liderança". O propósito vai mexer com as estruturas internas da organização. Partindo de um propósito genuíno, podemos, certamente, rever a nossa cultura, mas jamais ignorá-la. Ela sempre vence, inevitavelmente.

 

Como bem ilustrado pela Gallup, como uma engrenagem, ao tratarmos propósito, marca e cultura, é essencial que haja 1. clareza, 2. comprometimento, 3. consistência e 4. alinhamento interno.

 

Posicionamento por propósito

 

E como trazer a discussão sobre propósito para o centro da mesa? Há vários caminhos e depende do momento do seu negócio, mas todos eles partirão da pergunta “Por que?”. Se seu escritório já está estabelecido no mercado, permita-se iniciar por aquelas perguntas talvez incômodas do início deste artigo. De novo, revisite a sua história pessoal e, então, a do seu escritório.

 

Muitas organizações jurídicas ainda disputam a posição de suas marcas pelos serviços que entregam. É muito provável que isso não as sustente em um mercado cada vez mais competitivo. A remuneração maior não será suficiente para manter os melhores profissionais – porque os melhores, de fato, aspiram algo muito maior do que o dinheiro pode proporcionar -; a qualidade técnica do serviço também não será suficiente para fidelizar seus clientes – como humanos que são por trás de suas logomarcas, também buscam um significado maior para suportar as pressões dos dias atuais e querem cada vez mais relações com sinergia de propósito. A isso serão fieis.

 

Analisando isso tudo sob a ótica de posicionamento de mercado, precisamos elevar o nível da disputa para além da excelência técnica dos trabalhos, para além do nível de formação das nossas pessoas, para além dos nossos preços e remunerações. Podemos nos posicionar no âmbito da diferenciação por propósito e, no final do dia, vamos descobrir que a escolha não está entre propósito ou lucro, e sim propósito + lucro.

 

O propósito à prova

 

E qual a relação disso tudo com a Covid-19 citada na introdução deste texto?

 

O cenário atual tem demonstrado muito o valor do propósito nas organizações. Ele é transmitido na maneira com que trato meus profissionais enquanto estão fisicamente distantes, se me preocupo com suas condições e com seu estado emocional; nas minhas relações com meus clientes (pessoas atrás das marcas) ao compartilhar de suas dores, seus medos e preocupações, e se faço algo para minimizá-los; naquilo que eu faço para aliviar as aflições de pessoas que eu sequer conheço, simplesmente porque o bem-estar da sociedade como um todo me importa.

 

É sobre isso o que fala o propósito. E é isso o que realmente vai nos diferenciar nos dias de hoje e quando esse capítulo “coronavírus” terminar.

 

*Sócia-diretora da AGomes Marketing Consultoria.

 

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