Compliance em tempos de Covid-19

Contexto de crise reforça a importância de um programa de integridade (compliance)/Pixabay
Contexto de crise reforça a importância de um programa de integridade (compliance)/Pixabay
Especialistas defendem plano para evitar irregularidades e crimes, para que as empresas possam de fato contribuir com a situação de calamidade.
Fecha de publicación: 18/05/2020
Etiquetas: Mercado Brasileiro

O cenário atual de pandemia da Covid-19 tem exigido respostas rápidas do poder público, diante de novas situações que ocorrem todos os dias, e muitas dessas respostas estão sendo viabilizadas por meio de alterações na legislação que estimulam e flexibilizam doações e contratações com o Poder Público.

Esse contexto reforça a importância de um programa de integridade (compliance), abordando de forma clara aspectos relacionados a esses temas, a fim de mitigar os riscos de prejuízos financeiros e reputacionais oriundos de situações acometidas por irregularidades.

As doações para órgãos públicos ou entidades que atuam no combate à pandemia têm se mostrado um importante instrumento para este fim, e são uma forma de retribuição dos entes privados à sociedade.

No entanto, essas transferências de recursos imputam riscos às donatárias, em razão da possibilidade de desvio de finalidade dos recursos cedidos ou da utilização das doações para influenciar decisões de agentes públicos e elas têm sido monitoradas com frequência pela Controladoria Geral da União e outros órgãos de controle e fiscalização.

Os programas de integridade devem contar com políticas de doações que contêm mecanismos capazes de mitigar os riscos nessas situações, como orientações para que as tratativas sobre as doações sejam feitas diretamente entre a doadora e a donatária, evitando o uso de intermediários, e que essas tratativas se deem de forma impessoal.

Outras medidas que podem diminuir a exposição é a realização de verificação prévia reputacional e de integridade da donatária, acompanhada de demonstração da finalidade e da análise de conflito de interesses. Após a formalização das doações, é importante que haja o acompanhamento da destinação dos recursos e a transparência em relação à divulgação das mesmas.

Outro tema recorrente são as contratações com o Poder Público para fornecimento de produtos, insumos e prestação de serviços relacionados ao combate à pandemia. A disputa global entre os entes públicos e privados, agravada pela escassez de equipamentos e insumos decorrente da alta na demanda global, associada às paralizações nas linhas de produção, abriram caminho para a edição de leis, medidas provisórias e outras normas que flexibilizam essas contratações, a fim de tornar os procedimentos mais rápidos e dar condições para que os entes da saúde pública possam se abastecer e estruturar.

Em fevereiro de 2020, entrou em vigor a Lei 13.979, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da pandemia. Dentre as medidas, foi autorizada a dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos relacionados a esse fim, desde que atendidas as condições de emergência, necessidade de pronto atendimento dessa situação, existência de risco à segurança e limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da emergência.

Além disso, os estudos preliminares e estimativas de preços deixaram de ser obrigatórios e, ainda que sejam realizadas estimativas, elas não impedem a contratação por valores superiores decorrentes das oscilações de preços.

Outras medidas de flexibilização são a permissão de contratação de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o poder público suspenso, quando se tratar de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido, além do afastamento de exigências de habilitação, como comprovações de regularidades fiscais e trabalhistas, e cumprimento de um ou mais requisitos.

Essas flexibilizações abriram margem para o cometimento de irregularidades que estão sendo investigadas em diversos estados e no Distrito Federal. Segundo o Ministério Público Federal, há 410 procedimentos abertos de forma preliminar que podem dar origem a processos criminais, já se tendo notícia de operações policiais deflagradas.

Essas irregularidades demonstram a necessidade de as empresas contarem com políticas internas e mecanismos capazes de evitar que elas ocorram, ou capazes de apurar e interromper prontamente quando elas ocorrerem.

A análise pormenorizada do procedimento de contratação, contemplando, inclusive, histórico de preço para vendas semelhantes e eventuais diretrizes de políticas de preços e descontos e o monitoramento desses contratos são essenciais para mitigar os riscos decorrentes das contratações com o Poder Público. Além disso, políticas de relacionamentos com entes públicos, de licitações e anticorrupção efetivas também podem auxiliar na prevenção dessas irregularidades.

Nesse sentido, os programas de integridade devem contar com canais de denúncias amplamente divulgados, acessíveis e com a possibilidade de apresentar uma denúncia sem a necessidade de o denunciante se identificar. Somadas a essas medidas, mecanismos de investigação, resposta a incidentes e controle de crise podem ser cruciais nos casos mais graves.

O cenário atual clama pela participação de entidades privadas no combate à pandemia e a participação célere foi viabilizada por meio de estímulo a doações e flexibilização das contratações públicas, abrindo margem para o cometimento de diversas irregularidades e crimes que podem incorrer em enormes prejuízos financeiros e reputacionais às empresas.

Isso tem reforçado a importância de um programa de compliance amplamente divulgado por meio de treinamentos e mensagens da alta administração das empresas, a fim de que irregularidades e crimes sejam evitados e as empresas possam de fato contribuir com a situação de calamidade, destacando, mais uma vez, a importância do da integridade como um pilar de sustentação das ações contra a grave crise que vivemos.

Yuri Sahione é sócio e Bruno Minto é advogado da área de Compliance, Penal Econômico e Investigações do Cescon Barrieu Advogados.

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