Proteção a investidores e credores em tempos de incerteza: a alienação fiduciária

A alienação fiduciária pode ser criada sobre ativos móveis e propriedades imobiliárias/Unplash
A alienação fiduciária pode ser criada sobre ativos móveis e propriedades imobiliárias/Unplash
Especialista defende garantia que pode proporcionar conforto importante para investidores e credores nesse momento de pandemia.
Fecha de publicación: 24/05/2020
Etiquetas: Brasil

À luz das incertezas e dificuldades de análise de risco trazidas pela pandemia na análise de transações relevantes, resumimos aspectos importantes da alienação fiduciária como uma estrutura interessante para minimizar os riscos associados ao business do target e proporcionar mais conforto às decisões de investimento e crédito. Essa análise é especialmente relevante em cenários em que a saúde financeira do ativo negociado pode ser uma preocupação.

 

A alienação fiduciária é um tipo de garantia prestada de acordo com a legislação brasileira que efetivamente transfere a propriedade fiduciária do ativo onerado para o credor até que a obrigação subjacente seja totalmente paga. O devedor permanece apenas com a posse do ativo dado como garantia.

 

Como regra geral, a alienação fiduciária pode ser criada sobre ativos móveis e propriedades imobiliárias. Consequentemente, e sujeita a algumas restrições, uma variedade significativa de ativos pode ser dada como garantia fiduciária, como ações de empresas de capital aberto ou de capital fechado (e direitos econômicos correspondentes), equipamentos, estoque, commodities, direitos de crédito e terras urbanas ou rurais .

 

Em geral, os limites dos efeitos dessa transferência fiduciária podem ser modulados no respectivo contrato. Essa é uma questão particularmente relevante para certos tipos de ativos, como ações representativas capital social, uma vez que as partes têm a capacidade de criar regras relacionadas à distribuição de dividendos e poder de voto.

 

Em caso de não cumprimento da obrigação garantida, o credor poderá executar a garantia dada sobre o ativo. Como regra geral, o bem é vendido em leilão público e o produto da venda usado para amortizar ou pagar a obrigação colateralizada ao credor (eventual saldo remanescente será a ele devolvido). O devedor pode dar o bem em pagameto ao credor se e após a obrigação pricipal for inadimplida, bem como o credor pode adjudicar o

bem para si nas hipóteses em que o leilão é frustrado.

 

Principais proteções

 

Considerando haver a efeitiva transferência da propriedade do ativo sujeito à alienação fiduciária ao credor, a lei brasileira concedeu proteções importantes ao credor nesse cenário, tais como:

 

Várias decisões de tribunais superiores consolidam o entendimento de que ativos sujeitos à alienação fiduciária não podem ser objeto de execução proposta por terceiros contra o credor ou devedor, pois a propriedade do ativo não é do devedor de forma que possa ser assessada. Qualquer constrição somente pode afetar os direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária, ou seja, o direito de propriedade que o devedor teria sobre o ativo quando a dívida for totalmente paga ou o direito que o credor teria se o endividamento não for totalmente pago.

 

  • Garantia de segundo grau não é permitida: dado que a titularidade do ativo é transferida de forma fiduciária para o credor, o devedor não pode criar garantias fiduciárias “juniores” sobre os mesmos ativos.
  • Processo eficiente de excução: como regra, a alienação fiduciária é executada extrajudicialmente, não exigindo um processo judicial.
  • Os créditos subjacentes são extraconcursias: a lei brasileira estabelece expressamente que os créditos garantidos pela alienação fiduciária (assim como os ativos subjacentes) não são incluídos em processos de recuperação judicial e falência, desde que a garantia seja adequadamente aperfeiçoada.

Precedente relevante: caso Odebrecht

 

Como a recuperação judicial é o tipo mais comum de processo de reestruturação adotado por devedores em dificuldade financeira para reorganizar sua estrutura de capital, questões relacionadas a garantias fiduciárias podem estar sujeitas a escrutínio judicial. 

 

Uma discussão relevante nessa área é a capacidade de os credores executarem a garantia concedida fiduciariamente à luiz do conceito de "bem de capital essencial" para a continuidade do negócio do devedor em dificuldades, uma vez que este não é um conceito estabelecido por lei.  

 

No recente caso da Odebrecht, o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão paradigmática sobre o assunto e sobre um ideal justo no caso da alienação fiduciária. A Odebrecht (atualmente em recuperação judicial), buscou impedir que determinados credores (grandes bancos brasileiros) executassem a alienação fiduciária que detém sobre as ações da Brasken (empresa controlada pelo grupo Odebrecht) que foi constituída em garantia de certas dívidas emitidas pelo grupo Odebrecht.

 

Em decisão proferida pelo tribunal, ao julgar os recursos interpostos pelos credores (grandes bancos brasileiros que detém alienação fiduciária sobre as ações da Brasken), o tribunal destacou que a Odebrecht, como um grupo econômico relevante, teve a oportunidade de avaliar todos os riscos e consequências potenciais de sua decisão de conceder a alienação fiduciária e onerar as ações da Braskem e, portanto, não poderia questionar ou restringir a eficácia da garantia sob o argumento de "essencialidade" de tal ativo no âmbito da recuperação judicial do grupo. 

 

Em resumo, o tribunal confirmou a higidez da alienação fiduciária mesmo em cenário extremo e de relevante impacto no contexto macro-econômico brasileiro, mantendo intacto os direito dos credores de excutir a garantia dada sob a forma de alienação fiduciária, independentemente do processo de recuperação judicial do grupo. 

 

A alienação fiduciária é uma garantia eficiente e segura de acordo com a legislação brasileira, que pode proporcionar conforto importante para investidores e credores nas transações analisadas, especialmente em períodos de incerteza econômica. Os precedentes dos tribunais deram passos certeiros e sólidos, reafirmando a segurança do sistema jurídico de garantias brasileiro e da prevalência da interpretação estrita da lei vigente.

 

*Ana Carolina Botto Audi é sócia da área de fusões e aquisições e private equity. Guilherme Bechara  é sócio de contencioso e arbitragem, reestruturação e falência e investimentos alternativos. Os dois autores são do escritório Demarest Advogados

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