Reunião ministerial desnuda governo Bolsonaro

Vídeo de Bolsonaro com a equipe ministerial revela a cara do atual governo/Reunião ministerial/PR
Vídeo de Bolsonaro com a equipe ministerial revela a cara do atual governo/Reunião ministerial/PR
Ao se assistir na íntegra o vídeo da reunião é possível distinguir dois grupos muito distintos, os ideológicos e os técnicos.
Fecha de publicación: 26/05/2020
Etiquetas: Brasil

Divulgado na última sexta-feira (22), o já famoso vídeo da reunião ministerial de 22 de abril teve, conforme o esperado, ampla repercussão na imprensa e nas redes sociais. É importante notar que o que se viu durante esses dias foram versões editadas, partes do evento. Ao se assistir ao vídeo na íntegra, a avaliação pode ser diferente do que se assistiu nos comentários de jornalistas, analistas, articulistas e observadores em geral.

Em primeiro lugar, importante frisar que a reunião, convocada pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto, tinha como objetivo único o de discutir o Plano Pró-Brasil, um conjunto de medidas para enfrentar os efeitos econômicos pós-pandemia - uma espécie de Plano Marshall brasileiro.

O projeto, idealizado por Braga Netto em conjunto com os ministros Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), foi apresentado para ministros e demais integrantes do primeiro escalão do governo Bolsonaro antes de ser divulgado para a imprensa. A ordem, inclusive, era a de que não se discutisse matérias estranhas ao projeto.

 

No entanto, o que se observou foram manifestações muitos mais ideológicas do que técnicas. Dos poucos que utilizaram da palavra, somente Sérgio Moro (ex-Justiça e Segurança Pública), Rogério Marinho, Tarcísio de Freitas, Gustavo Montezano (BNDES), Roberto Campos (Banco Central) e, ao final, Tereza Cristina (Agricultura), foram estritamente técnicos e objetivos. Os demais, apenas propiciaram o espetáculo.

 

Ao se assistir na íntegra o vídeo da reunião, e somente assim, é possível distinguir dois grupos muito distintos, os ideológicos e os técnicos. Fiquemos apenas com os ideológicos, onde se destaca o ministro da Economia, Paulo Guedes, que segue pregando seu mantra de “menos Estado e mais mercado”.

 

Em plena crise gerada pela pandemia, Guedes vai na contramão dos fatos, pois não aceita a ideia de que se faz cada vez mais necessária a intervenção estatal para mitigar os efeitos na economia brasileira. A intransigência no discurso de Guedes gerou um atrito com o ministro Rogério Marinho, que defendeu o abandono pelo governo de dogmas e verdades absolutas para que possa vir a implementar uma política de reconstrução do país.

Apesar do discurso de Guedes, dissociado da atual realidade econômica mundial, parece que o mercado, de um modo geral, gostou do que assistiu, tanto que na última segunda-feira (25), a bolsa de valores fechou em alta e o dólar em queda.

 

No grupo dos ideológicos, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é outro destaque. Na sua participação, afirmou acreditar na “capacidade que o Brasil hoje tem de influir no desenho de um novo cenário internacional” e que por isso, está “cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições, tem a oportunidade de se sentar na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial”, se esquecendo do inédito e cada vez mais isolamento do país devido a atual política externa promovida pelo governo Bolsonaro.

 

Nesse grupo temos ainda a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que até ia bem, quando, ao falar da política indigenista, trouxe à mesa a notícia de que índios seriam contaminados propositadamente, de forma criminosa, em Roraima e no Amazonas, com o intuito de dizimar aldeias e povos inteiros somente para que os “inimigos” pudessem colocar a culpa no presidente Bolsonaro. A parte da prisão de governadores e prefeitos acabou, então, se tornando irrelevante, apesar de ter sido esse o trecho mais divulgado pela grande imprensa.

 

Por fim, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que afirmou ser um militante na luta pela liberdade e que o governo, hoje, está conversando com quem tinha que lutar e que Bolsonaro e os ministros vieram para acabar com tudo isso, não para manter essa estrutura de privilégios.

 

Quanto ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, apesar de polêmica, sua intervenção não deixa de ser interessante. Criticado duramente pela imprensa, o que ele fez foi uma defesa da redução da burocracia. O que todos defendem, na verdade.

 

Porém, o jogo das palavras o traiu. Ao afirmar que deveriam aproveitar a oportunidade trazida pela Covid-19 para passar “a boiada” e mudar todo o regramento no intuito de simplificar as normas, falou mais do que devia. Deveria ter se contido e ficado apenas na questão da segurança jurídica, da previsibilidade e da simplificação normativa, com a consequente diminuição da burocracia para o bom funcionamento da máquina pública, como afirmou. Mas, como se tratava de uma reunião fechada, que jamais seria tornada pública, acabou demonstrando ali, a sua verdadeira natureza.

 

Por fim, é importante ressaltar a atuação do presidente Jair Bolsonaro. Ele parecia um “general sem exército” e reclamou dessa condição. Nas suas duas únicas e longas intervenções, cobrou de sua equipe a defesa intransigente do governo.

 

Nas suas palavras, todos da sua equipe “tem que se preocupar com a questão política, e a quem de direito, tira a cabeça da toca, porra! Não é só ficar dentro da toca o tempo todo não! Tô bem, eu tô cuidando da minha imagem, a imagem tá aqui, eu sou bonitinho, e o resto que se exploda. Não! Tem que fazer a sua parte. (...) Então é isso que eu apelo a vocês, pô. Essa preocupação. Acordem para a política e se exponham, afinal de contas o governo é um só.”

 

É palpável sua inabilidade à frente da equipe. Quem conheceu Bolsonaro, ao longo de seus vinte e oito anos como parlamentar na Câmara dos Deputados, não estranhou o seu linguajar, a sua postura corporal, a sua falta de tato e a desorganização do pensamento.

 

Ele sempre foi assim, quando proferia discursos no Plenário ou em suas manifestações nas comissões temáticas das quais fazia parte. Sempre foi assim, raivoso, confuso no raciocínio e no uso das palavras. Então não houve surpresa. Ao contrário. Seria surpresa à todos se Bolsonaro tivesse adotado em respeito à liturgia que o cargo exige, postura cordata e gentil.

 

Enfim, quando se assiste na íntegra a reunião do dia 22 de abril, aliás, data comemorativa do descobrimento do Brasil em 1500, é possível ver que dentro do contexto, as manifestações que mais geraram reações por parte da grande imprensa e da sociedade em geral, acabam por fazer sentido, por mais esdrúxulas ou ofensivas que possam parecer, porque fazem parte da realidade desse grupo que hoje ocupa os mais altos cargos da República.

 

Para eles essa é a verdade. Simples assim. Por isso, a defesa de determinados valores contra os inimigos que querem acabar com a liberdade, mesmo que para isso, tenhamos que armar toda a população.

 

Melhor para o governo. Pior para o Brasil, que continua à deriva.

*André Pereira César é cientista político e Alvaro Maimoni é consultor jurídico.

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