Sandbox regulatório: a experiência recente da Susep

A grande inovação do sandbox é a modificação do papel do regulador/Pixabay
A grande inovação do sandbox é a modificação do papel do regulador/Pixabay
Modelo usado pela entidade é uma das referências no país.
Fecha de publicación: 22/06/2020
Etiquetas: Brasil

A autoridade de regulação financeira do Reino Unido (FCA) está na vanguarda da instituição do instrumento regulatório de incentivo à inovação chamado sandbox e, como tal, serve de exemplo para diversos reguladores. Em relatório publicado em 2017, a autoridade definiu o sandbox como ambiente em que empresas podem testar produtos, serviços e modelos de negócio inovadores no mercado, ao tempo em que normas vigentes que possam representar barreiras à entrada e ao funcionamento da inovação são suspensas, enquanto durar o teste.

 

A grande inovação do sandbox é a modificação do papel do regulador, que passa de barreira à propulsor do desenvolvimento de novas tecnologias. Isso ocorre, pois, além de avaliar de que forma os produtos e serviços devem ser adaptados para que sejam incorporados à estrutura regulatória e ao mercado. O regulador também pode adaptar a regulação às inovações benéficas ao mercado e ao consumidor.

 

Seguindo a tendência mundial, o Ministério da Economia, o Banco Central do Brasil (BC), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) expediram, em junho de 2019, comunicado conjunto em que divulgam a intenção de implantar o sandbox regulatório nos mercados financeiro, de capitais e securitário.

 

Cumprindo o comunicado conjunto, ainda em 2019, o BC, a CVM e a Susep promoveram consultas públicas para que a sociedade civil oferecesse auxílio no desenho do modelo do sandbox a ser instituído. No primeiro semestre de 2020, a Susep e a CVM publicaram suas respectivas normas de regência do sandbox e, em 19 de março de 2020, a Susep lançou o primeiro edital para o recrutamento de sociedades interessadas. Após suspensão em razão da pandemia de Covid-19, em 19 de junho, a Susep abriu o novo prazo para apresentação de projetos, que será de 20 de julho a 19 de agosto.

 

Como se vê, o sandbox em fase mais avançada no Brasil é o patrocinado pela Susep e, por esta razão, interessante avaliar os passos pioneiros da autoridade para, inclusive, benefício do BC e da CVM.

 

Primeiro, merece destaque a plataforma criada pela Susep para responder a questionamentos enviados pela sociedade. O fórum recebeu dezenas de perguntas que, em sua maioria, foram respondidas pela autarquia em menos de 24 horas. A excelente iniciativa aproximou o regulador dos interessados no sandbox e a transparência da Susep ofereceu importante panorama sobre as principais dúvidas e impressões sobre o instrumento regulatório.

 

Da leitura do conteúdo do fórum, percebem-se dois pontos que suscitam a atenção da sociedade. O primeiro se relaciona ao encerramento do teste e o segundo diz respeito aos requisitos que as sociedades deverão atender para que sejam aprovadas no sandbox.

 

Tendo em vista que um dos maiores atrativos do sandbox é a inserção da inovação no mercado após o período de testes, alguns potenciais participantes esboçaram incômodo quanto à necessidade de que as companhias elaborem, previamente, um plano de contingência para descontinuação ordenada do teste. No ponto, a Susep explicou que o plano de descontinuação consiste em salvaguarda regulatória, recomendada pelo Laboratório de Inovação Financeira da CVM e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, destinada a mitigar riscos para o consumidor e para a imagem do mercado.

 

Quanto aos requisitos intrínsecos à sociedade participante do teste, o regulador esclareceu que:

  • A companhia participante não poderá ser previamente atuante no mercado (poderá ter sido parceira de empresa ativa no mercado);
  • Para participar da primeira fase do processo de seleção, a empresa não precisa estar constituída, podendo fazê-lo apenas após a divulgação dos candidatos cujos projetos atendem às condições necessárias à participação no sandbox;
  • Em que pese não haver requisito em relação à estrutura organizacional da companhia participante, devem ser observados requisitos comportamentais de prudência, de relacionamento com o consumidor, de transparência e de sigilo.

Por fim, a Susep também exige a prova de conceito do produto. Ao responder ao questionamento sobre o que seria tal prova de conceito, a Susep esclareceu que se trata de ferramenta para que a inovação, antes de ser entregue ao público, seja demonstrada não apenas de forma conceitual, mas também de forma pragmática, a partir de resultados de testes, ainda que experimentais, que podem ser inclusive de casos semelhantes já em operação.

 

A intenção esboçada pelas entidades do mercado financeiro brasileiro de atuar de forma coordenada na instituição dos respectivos projetos de sandbox pode ser concretizada pelo uso do modelo adotado pela Susep e, especialmente, da percepção dos pontos que mais suscitam a atenção do público como inspiração. Fica, também, o elogio à iniciativa da Susep de levar a regulação ao encontro da sociedade civil, demonstrando a capacidade de verdadeiramente transformar o papel do regulador.

 

*Eric Hadmann Jasper é professor de direito econômico e compliance do IDP e Ibmec. Raíssa Mamede Brasiliense é advogada graduada pela Universidade de Brasília.

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