As novas modalidades de transação tributária

​​​​​​​Em linhas gerais, a norma estabeleceu condições para que a União, suas autarquias e fundações, possam resolver litígios/Pixabay
​​​​​​​Em linhas gerais, a norma estabeleceu condições para que a União, suas autarquias e fundações, possam resolver litígios/Pixabay
A intenção das medidas é resolver litígios relacionados à cobrança de crédito de natureza tributária ou não tributária.
Fecha de publicación: 01/07/2020
Etiquetas: Brasil

Após um longo período de discussão e debates, o governo federal promulgou este ano a Lei nº 13.988, que, entre outras medidas, regulamentou a transação tributária com relação a créditos federais. A medida era bastante aguardada, já que o Código Tributário Nacional trazia a possibilidade de transação desde que foi editado, em 1966. Condicionada, porém, à regulamentação por lei, a disposição permaneceu sem efeitos por 54 anos.

Em linhas gerais, a Lei nº 13.988/20 estabeleceu os requisitos e condições para que a União, suas autarquias e fundações, possam promover transação que vise resolver litígio relacionado à cobrança de crédito de natureza tributária ou não tributária.

Em relação à matéria tributária, três grandes grupos, sujeitos a regras próprias, foram abarcados pela legislação:

  • Créditos já inscritos em dívida ativa (nas modalidades por adesão ou por proposta individual);
  • Créditos decorrentes de relevante e disseminada controvérsia (apenas na modalidade por adesão);
  • Créditos decorrentes do contencioso de pequeno valor (apenas na modalidade por adesão).

Cabe aos atos infralegais – portarias a serem editadas pelo Ministério da Economia, pela Procuradoria da Fazenda Nacional ou pela Receita Federal e futuros editais – disciplinar detalhadamente os critérios e condições de cada tipo de transação.

Esse é o caso da Portaria PGFN nº 14.402 e da Portaria do Ministério da Economia nº 247. A primeira, editada em 16 de junho, fixou as condições para a transação excepcional na cobrança de créditos já inscritos em dívida ativa da União, enquanto a segunda estabeleceu os requisitos para a adesão ao contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica e ou contencioso de pequeno valor. Analisamos os dois atos em mais profundidade a seguir.

Portaria PGFN nº 14.402 – transação excepcional para créditos inscritos em função dos efeitos do coronavírus

A Portaria PGFN nº 14.402 trouxe um conjunto de regras para que devedores e União celebrem acordos referentes aos créditos já inscritos em dívida, mas tendo como premissa os efeitos causados pela pandemia do coronavírus.

O objetivo, entre outros, é viabilizar a superação transitória da crise econômico-financeira e assegurar que a cobrança dos créditos seja ajustada à expectativa de recebimento e à capacidade de geração de resultados.

São passíveis de inclusão nessa transação excepcional os créditos inscritos e administrados pela PGFN cujo valor atualizado seja igual ou inferior a R$ 150 milhões. Créditos de maior valor poderão ser objeto de transação, mas por proposta individual.

Os contribuintes que tiverem os créditos considerados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação e que aderirem à transação excepcional deverão recolher a entrada de 0,334% do valor consolidado dos créditos em 12 meses. O valor residual, com descontos que variam a depender da situação ou atividade do devedor, deverá ser pago em parcelas da seguinte forma:

a) Para empresários individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, instituições de ensino, Santas Casas de Misericórdia, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil de que trata a Lei nº 13.019/14 cujos créditos são considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação: 

  • Redução de até 100% do valor de juros, multas e encargos legais, observado um limite que pode variar entre 30% e 70% sobre o valor total de cada crédito objeto da negociação e uma variação de 36 a 133 parcelas mensais e sucessivas.

b) Para as demais pessoas jurídicas em processo de recuperação judicial, liquidação judicial, liquidação extrajudicial ou falência:

  • Redução de até 100% do valor de juros, multas e encargos legais, observado o limite de 50% sobre o valor total de cada crédito objeto da negociação em até 72 parcelas mensais e sucessivas.

c) Para as pessoas físicas cujos créditos são considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação:

  • Redução de até 100% do valor de juros, multas e encargos legais, observado o limite de 70% sobre o valor total de cada crédito objeto da negociação em até 133 parcelas mensais e sucessivas.

 d) Para as demais pessoas jurídicas cujos créditos são considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação;

  • Redução de até 100% do valor de juros, multas e encargos legais, observado um limite que pode variar entre 35% e 50% sobre o valor total de cada crédito objeto da negociação em parcelas mensais e sucessivas cuja quantidade pode variar de 36 a 72.

Para fins de classificação como crédito recuperável ou de difícil recuperação, o grau de recuperabilidade dos créditos inscritos será avaliado pela PGFN, considerando a situação econômica e a capacidade de pagamento dos devedores.

A capacidade de pagamento, por sua vez, será mensurada após um exame do impacto efetivo da pandemia do novo coronavírus na receita bruta da pessoa jurídica ou no rendimento mensal da pessoa física (isto é, uma avaliação do percentual de redução da receita ou rendimento bruto de março de 2020 até a data de adesão, em comparação com o mesmo período de 2019).

A adesão à transação excepcional será feita exclusivamente por intermédio do portal Regularize, no site da PGFN, entre 1 de julho e 29 de dezembro de 2020.

Portaria ME nº 247 – transação para contencioso relevante e para contencioso de pequeno valor

A Portaria ME nº 247 estabelece as regras gerais para a transação de créditos vinculados ao contencioso relevante e de disseminada controvérsia jurídica. Essa modalidade permite a concessão de desconto de até 50% do crédito, com prazo máximo de quitação de 84 meses.

A adesão a essa modalidade depende ainda da publicação de um edital da PGFN ou da RFB, no qual serão listadas as matérias aprovadas pelo ministro da Economia e os demais critérios. Além da RFB, da PGFN e do Carf, a OAB e as confederações de categoria econômica poderão sugerir ao ministro da Economia os temas passíveis de adesão como teses de controvérsia jurídica relevante e disseminada.

Considera-se controvérsia jurídica relevante e disseminada aquela que ultrapassa os interesses subjetivos da causa e, preferencialmente, ainda não foi afetada a julgamento pelo rito dos recursos repetitivos nos moldes do art. 1.036 e seguintes da Lei nº 13.105/15.

A controvérsia será considerada disseminada quando envolver: (i) demandas em pelo menos três tribunais regionais federais distintos; (ii) mais de 50 processos de sujeitos passivos distintos; (iii) incidente de resolução de demanda repetitiva cuja admissibilidade tenha sido aceita pelo tribunal; e (iv) demandas que envolvam parcela significativa de determinado setor econômico ou produtivo.

Já a relevância será considerada demonstrada quando houver: (i) impacto econômico igual ou superior a R$ 1 bilhão, considerando os processos conhecidos; (ii) decisões divergentes entre as turmas ordinárias e a Câmara Superior do Carf; e (iii) sentenças ou acórdão divergente na esfera judicial.

A portaria estabelece ainda que, nessa modalidade de transação, a adesão deve abranger todos os litígios existentes na data do pedido e relacionados à tese objeto da transação.

O ato do Ministério da Economia tratou também do contencioso de pequeno valor, exclusivo para o sujeito passivo pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte e cujo valores de principal e multa, por processo individualmente considerado, não supere 60 salários mínimos.

Para essa modalidade, a adesão também depende da publicação de um futuro edital, que estabelecerá os critérios de desconto (até 50% do valor total do crédito), prazos para pagamento (parcelamento em até 60 meses) ou oferecimento e substituição de garantia.

*Diana Piatti Lobo, Daniel Monteiro Peixoto e Daniella Zagari são sócios do escritório Machado Meyer.

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