Agora querem tabelar os juros dos bancos?

O Brasil adota o segundo maior spread do mundo perdendo apenas para Madagascar/Pixabay
O Brasil adota o segundo maior spread do mundo perdendo apenas para Madagascar/Pixabay
Será que tabelar juros seria a resposta ideal para ajudar a população a ter acesso à créditos mais baratos ou mais competição?
Fecha de publicación: 17/08/2020
Etiquetas: Brasil

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Já dizia Millôr Fernandes: “quando uma ideologia/ideia fica bem velhinha, vem morar no Brasil”. Espero que o nosso país não se torne um asilo de ideias antigas, sobre economia que já deveriam estar sepultadas há tempos em catacumbas. Triste ilusão. No início de agosto o Senado aprovou o Projeto de Lei n° 1166 do senador Álvaro Dias (Podemos) limitando as taxas de juros cobradas pelos bancos em 30% sobre o cheque especial e sobre o cartão de crédito.

Os querubins do Senado parecem que se encontraram e ingenuamente acreditam que estão fazendo um bem ao país. Lógico, onde já se viu um banco cobrar mais de 100% de juros para o cheque especial e mais de 300% sobre o parcelamento do cartão de crédito? Nem o mais descrente no Divino rejeitaria essa narrativa.

Limita-se os juros que os bancos podem cobrar e assim as empresas, o comércio varejista e as pessoas podem se recuperar do contracionismo econômico advindo do coronavírus.   Só de reler essa última frase, me arrepiou todo e já me sinto um ser-humano melhor, pulando centenas de casas para entrar no paraíso.

O paraíso deve ser um lugar bom para pessoas do bem, que queiram o bem e que pratiquem o bem, tomara que a régua também não utilize conhecimentos básicos de economia como pré-condição para conhecer o Divino. Antes de mais nada, há de se ressaltar que esse limitado escriba também concorda que o custo de 100% ou pior, 300%, seja um absurdo, uma espoliação, coisa de agiota sem coração. Nossa, daria uns 45 minutos de conversa metendo o pau nos bancos em qualquer encontro físico pós-pandemia. Coitado de quem discordar.

Pois é. A coisa não funciona dessa maneira. Para emprestar recursos para um cliente, o banco corre risco de crédito, comumente chamado de probabilidade de default, paga impostos e ainda cobre as despesas administrativas, sobrando mais ou menos entre 15% a 22% de retorno sobre o capital aplicado.

Ainda é muito! Ecoam os arcanjos liderados por Gabriel e suas trombetas. Claro que é muito. Mas vamos imaginar o seguinte cenário: se um banco não pode cobrar mais do que 30% sobre o cheque especial e as parcelas do cartão de crédito e se esse spread não compensar o risco ou não remunerar adequadamente o capital econômico do banco o que será que ele fará?

Entrada garantida no paraíso para aqueles que responderem que os bancos irão parar de ofertar esse tipo de financiamento. Mas e se o comércio varejista precisar que as parcelas dos cartões de crédito sejam financiadas para a sua recuperação? Paciência, pois o Senado apenas legislou para o bem de todos. Sério mesmo?

Sabemos que o Brasil adota o segundo maior spread do mundo perdendo apenas para Madagascar, mas sabemos também que quando uma empresa entra em recuperação judicial no Brasil o tempo médio de tramitação de todo o processo é de quatro anos, possibilitando ao credor recuperar em média 14% do valor emprestado, graças à Justiça social.

Na média e em vários países do mundo o tempo de tramitação de um processo de recuperação judicial é de apenas 1,8 ano e a recuperação média do crédito chega a 69%. Sabendo que se em situações de inadimplência o banco muito dificilmente reaverá seu montante emprestado por completo acaba praticando maiores spreads bancários.

Mas será somente essa a causa? Talvez a Justiça no Brasil vestida com uma toga de amparo social seja a consequência dos spreads tão altos? Pode até ser, mas agora imagine um cenário onde apenas quatro ou cinco bancos controlam mais de 90% da carteira de crédito do país e dos depósitos. Um verdadeiro oligopólio.

Mais uma pergunta para fugir de vez do umbral: será que tabelar juros seria a resposta ideal para ajudar a população a ter acesso à créditos mais baratos ou mais competição? Parece que os legisladores ainda não sabem como lidar com idiossincrasias básicas de determinados segmentos econômicos.

Ainda assim, existem aqueles que gritam ser um absurdo as taxas de juros que os bancos cobram. Estou concordando pela segunda vez já. Mas será que ao tabelar os juros fará com que os bancos eliminem a anomalia principal do segmento bancário que é a falta de competição? Claramente que não.

Se algum leitor tiver a oportunidade de investir em ações de um banco que busque maximizar o lucro do acionista com mais dividendos e mais apreciação da ação comparado com outra alternativa de um banco mais altruístico, que provavelmente não dará o retorno esperado como seus pares, qual ação esse leitor compraria?  Pois é. Volte algumas casas no jogo do paraíso se você escolheu a primeira opção.

*Roberto Dumas é economista especializado em mercados asiáticos.

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