Imunidade parlamentar: o caso da deputada federal Flordelis

Qualquer manifestação de um parlamentar ligada ao seu mandato estará protegida constitucionalmente/Fernando Frazão Ag.Brasil
Qualquer manifestação de um parlamentar ligada ao seu mandato estará protegida constitucionalmente/Fernando Frazão Ag.Brasil
Norma prevê que dispositivo é válido somente aos crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício dele.
Fecha de publicación: 26/08/2020

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O caso da deputada federal Flordelis permite esclarecer o que se entende por imunidade parlamentar material e imunidade parlamentar processual necessárias para o exercício independente das funções públicas de um deputado ou senador da República.

imunidade parlamentar material está prevista no caput do artigo 53, da Constituição Federal de 1988, quando expressa claramente que os deputados federais e senadores são civil e penalmente invioláveis, por suas palavras, opiniões e voto.

Tal previsão remete ao fato de que qualquer manifestação de um parlamentar ligada ao seu mandato e no seu exercício e nas dependências físicas de ambas as casas legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal) estarão protegidas constitucionalmente.

Há precedentes no Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive do ministro decano Celso de Mello afirmando, fundamentadamente, que palavras e opiniões que venham a ofender a honra de alguém e que sejam proferidas fora do Congresso Nacional não teriam aquela proteção constitucional e por consequência, não gozariam da imunidade parlamentar material, uma vez que não se relacionariam com o exercício da sua função.

Por sua vez, a imunidade parlamentar processual diz respeito ao fato de os deputados e senadores serem protegidos quanto à possibilidade se serem alcançados por qualquer tipo de prisão cautelar (temporária ou preventiva), pelo menos enquanto estiverem exercendo o seu mandato parlamentar.

Assim, o § 2º do referido dispositivo constitucional dispõe sobre aquela imunidade, determinando que os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável.

Nesse caso, os autos serão remetidos em vinte e quatro horas à Casa respectiva para que o voto da maioria de seus membros resolva sobre a prisão.

Abrindo um parêntesis no presente momento, o caso da deputada federal Flordelis, apesar de constituir um fato típico que se enquadra em crime inafiançável (crime hediondo) não permite a prisão cautelar, porque ela não foi pega em flagranteCaso este tivesse ocorrido (flagrante), também dependeria, conforme já se comentou, da maioria de votos dos membros da Câmara dos Deputados para a autorização da prisão ou o seu relaxamento.

Ainda no que se refere à prisão, o parlamentar somente será preso se sobrevier sentença penal condenatória transitada em julgado, isto é, não caiba mais qualquer recurso processual. É o caso da chamada prisão-pena, decorrente de sua efetiva condenação em caráter definitivo.

A imunidade parlamentar processual também garante ao parlamentar a possibilidade de a Casa Legislativa a que ele pertença, sustar o andamento da ação a que ele está respondendo na justiça.

O § 3º do artigo 53, da Carta Magna prevê que, recebida a denúncia contra senador ou deputado por crime ocorrido após a sua diplomação, o STF dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria dos membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

Portanto, a imunidade parlamentar processual corresponde à proteção que pode ser dada ao parlamentar pela Casa Legislativa a que ele integra, no que diz respeito à sua prisão cautelar e também à possibilidade de sustação do seu processo criminal.

Com relação à sustação (suspensão ou impedimento) do processo criminal será necessário que o parlamentar se enquadre cumulativamente nos três requisitos constitucionais: ter cometido o crime após a sua diplomação como deputado federal ou senador; que haja a provocação por partido político com representação na Casa legislativa respectiva; e haja a aprovação por maioria absoluta de votos dos membros da Casa Legislativa (Câmara dos Deputados ou Senado Federal) no sentido de sustar o andamento da ação.

É importante ressaltar o fato de que a Casa Legislativa terá o prazo improrrogável de quarenta e cinco dias para apreciar o pedido de sustação, contados a partir do seu recebimento pela mesa diretora.

A sustação do processo (caso seja aprovada) suspende a prescrição somente enquanto durar o mandato do parlamentar. A partir do momento em que o parlamentar tenha cumprido o seu mandato o processo criminal será retomado normalmente pela Justiça.

Contudo, dificilmente haverá um pedido de partido político para sustar a ação penal aberta em face da deputada Federal Flordelis, por razões óbvias.

Trata-se de um crime extremamente grave. Caso a Câmara dos Deputados viesse a aprovar uma suposta sustação do seu processo criminal a imagem de seus representantes políticos seria definitivamente abalada perante a opinião pública. O mais provável e importante no presente contexto é que a Câmara dos Deputados decida cassar o mandato da deputada.

Caso isso venha a ocorrer, ela perde sua imunidade parlamentar e poderá ser imediatamente presa (prisão cautelar temporária ou preventiva) pela Justiça.

Quanto ao instituto do foro privilegiado (que não pode ser confundido com a imunidade parlamentar de deputados e senadores), o suposto crime de Flordelis não tem relação com o exercício do seu mandato, por se tratar de crime comum ou infração penal comum.

Sendo assim, o processo e julgamento será encaminhado para o Tribunal do Júri, conforme decisão recente do STF (maio de 20ª su18).Portanto, a deputada não tem direito ao chamado foro privilegiado e por esta razão o STF não tem competência para o dito processo e julgamento.

Conforme se pode depreender, a imunidade parlamentar material e processual exigem o cumprimento de determinadas normas constitucionais e regimentais concernentes à garantia e independência dos parlamentares no exercício das suas funções públicas, independentemente do instituto do foro privilegiado que se liga à função (e não à pessoa), cujos requisitos cumulativos para o seu gozo remetam somente aos crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício do mandato, com o fim de fixar a competência penal, isto é, o órgão competente para o julgamento. 

*Vera Chemim é advogada constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela FGV.

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