O cerco tributário sobre a economia digital

A interferência tributária sobre a economia digital decorre da alta relevância desse modelo de negócio para o mercado globalizado atual/Pixabay
A interferência tributária sobre a economia digital decorre da alta relevância desse modelo de negócio para o mercado globalizado atual/Pixabay
Comércio eletrônico tem potencial para gerar lucros para as empresas e valor para os consumidores.
Fecha de publicación: 25/09/2020

A comercialização de bens e produtos via internet teve crescimento exponencial no período de isolamento social causado pela pandemia de covid-19, ressaltando como o comércio eletrônico (e-commerce) é uma forma moderna e ágil de se concretizar um negócio jurídico. Como não existem fronteiras territoriais nem dificuldades na transação de compra e venda, as empresas podem ser cada vez mais flexíveis e eficientes em suas operações, a fim de atender com mais dinamismo os clientes. 

A forte expansão recente mostra como o comércio eletrônico tem potencial para gerar lucros para as empresas e valor para os consumidores, gerando, porém, um aumento inegável dos impactos tributários sobre o setor. Um exemplo é a edição de normas estaduais para ampliar a responsabilidade das plataformas digitais com relação ao controle e ao recolhimento de ICMS sobre as operações desenvolvidas em plataformas digitais, em contraste com as medidas econômicas de proteção adotadas no contexto de pandemia. 

É o caso do estado do Rio de Janeiro, que editou a Lei nº 8.795/20 para, entre outras mudanças na legislação do ICMS do estado, responsabilizar a pessoa jurídica detentora da plataforma eletrônica e o intermediador financeiro pelo pagamento do ICMS nas operações de comércio on-line. Ou seja, passa a existir previsão legal para exigir dos prestadores de serviço de intermediação e dos agentes financeiros o recolhimento do imposto estadual, o que ordinariamente é de responsabilidade dos vendedores/lojistas que realizam vendas de produtos em plataformas digitais. 

Seguindo essa mesma lógica, o estado de São Paulo, por meio da Portaria CAT nº 156/10, disciplinou o cumprimento de obrigações acessórias pelos prestadores de serviços de intermediação comercial em ambiente virtual e pelos prestadores de serviços relacionados ao comércio eletrônico, deixando claro, entretanto, que o cumprimento dessas obrigações afasta qualquer responsabilidade solidária para as empresas do setor. 

A legislação fluminense e paulista não são, no entanto, uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Bahia, Ceará e Mato Grosso, por exemplo, já publicaram atos normativos semelhantes – respectivamente, as leis nº 14.183/19, 16.904/19 e 11.081/20. 

É fato, porém, que o cerco tributário sobre a economia digital não se restringe às políticas estaduais. Avançam também no Congresso Nacional as discussões sobre a primeira parte da reforma tributária delineada pelo governo federal. O Projeto de Lei nº 3.887/20, proposto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, visa unificar o PIS e a Cofins – inclusive nas operações de importação – por meio da instituição de um novo tributo sobre o valor agregado, denominado Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). 

Especificamente quanto às operações realizadas no comércio on-line, o art. 5º do PL 3.887/20 estabelece que as plataformas digitais são responsáveis por recolherem a CBS nas hipóteses em que a pessoa jurídica vendedora não registre a operação mediante a emissão de documento fiscal eletrônico. 

Além disso, o art. 65 do PL 3.887/20 compreende como responsáveis solidários pelo recolhimento da nova CBS incidente sobre as importações de bens, entre outros, as plataformas digitais domiciliadas no exterior nas operações realizadas por seu intermédio. Para tanto, caberá à plataforma se cadastrar na administração tributária para cumprir as obrigações acessórias relativas à CBS (tais obrigações não foram detalhadas no projeto). 

A interferência tributária sobre a economia digital, especialmente no que tange à responsabilização tributária do comércio eletrônico, decorre da alta relevância desse modelo de negócio para o mercado globalizado atual. No entanto, é importante destacar que não cabe ao direito tributário inviabilizar o desenvolvimento de determinada atividade econômica, mas sim buscar sempre padrões de uma tributação neutra e eficaz. 

Assim, não só as autoridades políticas devem ter cuidado ao conceber novas proposições como também os players do mercado devem dar extrema atenção às alterações impostas pela legislação, uma vez que as obrigações tributárias têm elevado impacto sobre um modelo de negócio extremamente rápido, dinâmico e fluido.

*André Menon é sócio do Machado Meyer e Guilherme Martinez é advogado do escritório. Os dois são da área tributária.

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