A Isenção de tarifas no etanol como moeda de troca

O Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo/Colheita da cana-de-açúcar em MT/ Mayke Toscano/Gcom-MT
O Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo/Colheita da cana-de-açúcar em MT/ Mayke Toscano/Gcom-MT
Aprovação deste tipo de acordo para atender interesses políticos mostra uso da estrutura governamental em detrimento do setor produtivo brasileiro.
Fecha de publicación: 26/10/2020

Cada vez mais o mundo vem buscando o uso de energia limpa, tendo em vista o esgotamento dos combustíveis fósseis e principalmente a necessidade de mitigar os efeitos do aquecimento global. Nessa busca, tem se destacado o uso do etanol.

O Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo, atrás apenas dos americanos. As projeções são de que o país deve produzir 30,4 bilhões de litros de etanol, neste ano, e chegar a 37,2 bilhões em 2028.

Apesar da grande procura mundial por combustíveis alternativos, o uso do etanol em grande escala se dá essencialmente no Brasil, onde o produto é obtido da cana-de-açúcar, e nos Estados Unidos, onde é extraído do milho, o que impede uma expansão significativa das exportações desse produto.

No Brasil, a expectativa pós-pandemia mostrava-se bastante otimista, tendo em vista a retomada das atividades e a possibilidade do aumento de demanda, além das medidas visando melhorar a qualidade da gasolina vendida. A fim de aumentar o rendimento desse combustível, ele passou a ser comercializado com novas especificações, o que, entretanto, elevou seu preço para o consumidor, favorecendo a procura pelo etanol, mais barato.

Porém, essa expectativa restou um pouco frustrada, em face da renovação da tarifa zero para importação de etanol dos Estados Unidos, ocorrida no último dia 11 de setembro. Referida tarifa, que perdura desde 2010, havia sido encerrada em 30 de agosto deste ano e havia expectativa de que não houvesse renovação. Isso equivale a dizer que deverão ser importados até o fim deste ano aproximadamente 187,5 milhões de litros de etanol daquele país com tarifa zero.

A contrapartida alegada pelo governo é a concessão, pelos americanos, de uma cota adicional de 80 mil toneladas de exportação de açúcar para aquele país - de 230 mil para 310 mil toneladas-, o que não representa muito, considerando-se que os Estados Unidos importam anualmente 3 milhões de toneladas, preferencialmente da África e da América Central.

Apesar da contrapartida, a concessão de cota adicional para venda de açúcar é insuficiente para compensar os benefícios concedidos, aliás, de longa data, para importação de etanol americano.

A simples renovação, do ponto de vista jurídico e comercial, não reflete a necessidade do setor, razão pela qual o governo poderia usar o restabelecimento do imposto para negociar termos comerciais mais favoráveis. Porém, a renovação da cota, sem contrapartida adequada, prejudicou essa negociação, ficando o setor à mercê das intempéries comerciais.

O que se percebe é a aceitação, do lado de cá, da política imposta pelo governo americano, que optou pela indústria do petróleo e agora não tem para onde enviar o etanol que produz em excesso.

Com isso, o Brasil, que produz o álcool da cana-de-açúcar, muito menos poluente durante o ciclo de sua produção, é obrigado a comprar etanol de milho, considerado “sujo” e menos avançado tecnologicamente e ambientalmente.

Ora, se no Brasil tanto o etanol quanto o açúcar são produzidos a partir da cana-de-açúcar, a decisão governamental de trazer etanol de fora – isento de tarifas, portanto mais barato – e, em contrapartida, garantir a exportação de açúcar, revela o entendimento de que é mais vantajoso produzir o alimento, e não o combustível.

E isso não reflete a realidade interna, uma vez que o etanol não compete com o açúcar. O etanol deveria ser prestigiado com mais ênfase, pois é fonte de riqueza e progresso, movimentando grande parte da frota nacional, e principalmente pela qualidade de energia renovável e menos poluente.

O que se observa dessas questões envolvendo o etanol e o açúcar em negociações patrocinadas por nosso governo e o governo americano é que se trata apenas de troca de favores com interesses meramente políticos, o que em nada contribui para o erguimento do setor, tão fragilizado por esses longos meses de pandemia.

Ao invés de se buscar melhores condições para os nossos produtos, possibilitando um comércio mais justo, empreendem-se concessões políticas para agradar parceiros comerciais específicos, em prejuízo de nossas reais necessidades.

Caberia ao setor uma articulação e mobilização de enfrentamento a essa situação, que passaria, por exemplo, pela judicialização da questão. Afinal, a aprovação deste tipo de benesse, visando unicamente atender interesses políticos de outros países, evidencia o uso da estrutura governamental em detrimento do setor produtivo brasileiro, estabelecendo insegurança jurídica, em face da imprevisibilidade do setor alcooleiro brasileiro.

*Daniel de Souza é advogado do escritório Reis Advogados.

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