O que pode mudar no agro brasileiro com Biden no poder?

O país tem capacidade tecnológica para utilizar os recursos naturais de forma sustentável, não apenas para dentro da porteira, mas também fora/Fotos Públicas
O país tem capacidade tecnológica para utilizar os recursos naturais de forma sustentável, não apenas para dentro da porteira, mas também fora/Fotos Públicas
Tema ambiental ganhará importância, mas o tamanho do problema dependerá do posicionamento do Brasil em relação aos EUA, à China e questões globais.
Fecha de publicación: 22/01/2021

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Toda mudança de poder nos Estados Unidos gera muitas expectativas e incertezas ao agro brasileiro, setor responsável por cerca de 18% dos empregos e mais de 20% da riqueza produzida no país. Há muita especulação sobre qual será a resposta da nova administração às descortesias, para ser cortês, do Itamaraty, e teremos que esperar para conhecer o tamanho do estrago.

Mas o discurso de posse de Biden confirma sua trajetória de vida pessoal e política, que está longe de retaliações, revanchismos e mágoas, e foca na construção do futuro e de pontes próprias dos regimes democráticos. Não há, portanto, o que temer a esse respeito.

No entanto, tanto a trajetória como as declarações do então candidato do Partido Democrata deixam claras as prioridades e os compromissos do presidente Biden com o multilateralismo, com a sustentabilidade do planeta, com a integração social, com o respeito à diversidade, pluralidade e com a própria democracia.

O candidato denunciou que “a floresta tropical no Brasil está sendo destruída”, alertou para as “consequências econômicas significativas” e, conciliador, prometeu articular um fundo de US$ 20 bilhões para contribuir na preservação do bioma amazônico. O que muitos aqui entenderam como uma bravata, ou uma ameaça de retaliação, não passa de um alerta óbvio, com base científica irrefutável, mas ainda assim questionado pelos negacionistas climáticos: o desmatamento das florestas tropicais terá mesmo consequências econômicas significativas, e o Brasil será o mais impactado, inclusive porque a mudança do regime de chuvas pode inviabilizar boa parte da agricultura sustentável que vem sendo praticada nos cerrados e que nos colocaram como líderes mundiais em produção de alimentos.

No plano puramente econômico, não se pode esquecer que os democratas são historicamente protecionistas e não prometeram mudar. Em seu discurso de posse, ao se dirigir à comunidade internacional, Biden enterrou o lema de Trump, “America First”, e já assinou medidas que reverterão o isolacionismo de Trump, reintegrando-se o Acordo de Paris, paralisando o processo de saída da OMS e a construção do muro. Mas a verdade é que a política externa americana sempre foi pragmática, e os interesses da América sempre estiveram à frente e de alguma forma condicionaram o momento e conteúdo de todos os acordos internacionais relevantes.

A destruição do meio ambiente não era um problema para Trump, que bloqueou as ações dos EUA para mitigar as mudanças climáticas, paralisou investimentos na economia verde, reativou usinas de carvão e cerrou fileira com os negacionistas climáticos. Na gestão de Biden o tema ambiental será prioritário, no âmbito doméstico e internacional. E não há dúvidas que será uma fonte de turbulências com o Brasil, que não tem sabido se posicionar em relação ao tema e perdeu espaço e credibilidade nos foros internacionais.


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Não é improvável que a administração Biden cerre fileiras ao lado de governos europeus, que vêm usando a questão ambiental para justificar a não ratificação do acordo de associação entre Mercosul e União Europeia, no qual o Brasil teria oportunidades em setores agrícolas relevantes. Não restam dúvidas quanto às motivações protecionistas dos europeus, que usam os crimes ambientais – que nada tem a ver com a agricultura brasileira— para sujar a imagem do setor.

Mas de nada adianta reafirmar que nossa agricultura é sustentável frente às imagens devastadoras de queimadas e desmatamentos ilegais, da ausência de ações para coibir os crimes e da vontade explicitada de deixar passar rapidamente a boiada enquanto a sociedade está atônita com a pandemia.

No campo ambiental, os produtores rurais brasileiros não deveriam ter nada a temer. Basta que se faça cumprir nossa legislação ambiental, uma das mais avançadas do mundo, que se coíba e puna, com os rigores da lei, de forma intransigente, os crimes ambientais cometidos contra o patrimônio nacional. Porque é disto que se trata: um crime contra a Nação, que depreda o nosso valioso patrimônio ambiental, fonte de biodiversidade cujo valor e importância só tende a crescer, e que por isso mesmo precisa ser preservada para as gerações futuras.

É preciso insistir que o Código Florestal brasileiro é um caso inédito no mundo. Impõe ao setor privado a preservação de, no mínimo, 20% da vegetação nativa, podendo chegar a 80% no bioma amazônico. É um marco da institucionalização da preservação ambiental no Brasil a ser adotado por todos. Esse marco é respaldado por programas como o monitoramento de queimadas, a cargo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, e a agricultura de baixo carbono, sob coordenação do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, que colocam a agricultura Brasil na vanguarda da sustentabilidade ambiental.

A discussão de Biden não se restringiu ao tema ambiental ou a questões internas, incluiu também as divergências Sino-americanas. O episódio dos respiradores deixou claro que a concentração das cadeias de valor na China representa uma ameaça real ao poder dos EUA e deve ser contida. Parece certo é que os EUA não aceitarão mais as regras da globalização econômica e do multilateralismo que viabilizou a ascensão ao status de grande potência mundial, que já o superou em áreas estratégicas, inclusive no domínio da tecnologia 5 G, base da revolução digital em curso.

No entanto, com Biden a China deixa de ser uma inimiga disfarçada e volta a ser tratada como aliada estratégica. E essa mudança de postura terá sim consequências no comércio Brasil – China. Infelizmente o Brasil perdeu a oportunidade de se posicionar no mercado internacional como parceiro independente e confiável, que poderia oferecer mais garantias à China no que se refere ao abastecimento de seu mercado doméstico e segurança alimentar.

A adesão cega ao trumpismo e as agressões gratuitas à China terão um preço, que já começa a aparecer na questão das vacinas, e é algo que ficará mais claro à medida em que a China volte com mais força ao mercado americano de grãos. Isto inevitavelmente ocorrerá, com todo o apoio de Biden, que quer reconquistar o Meio-Oeste e não hesitará em apoiar a expansão da produção americana, que só poderá ser absorvida pela China. E interessa à China, pois contribuirá para reduzir as pressões na área comercial, amplia seus aliados nos EUA e reduz o poder do Brasil.

A China, ao contrário do Brasil, tem visão estratégica e de longo prazo, separa amizade de negócios e não aceita uma posição de dependência externa, em especial no que se refere à segurança alimentar. Este último ano aumentou a aquisição de produtos do agronegócio brasileiro e 2021 não será diferente. Mas com a retomada das boas relações sino americanas, os EUA voltam com força ao mercado e no curto prazo se colocam como fortes concorrentes do Brasil em vários mercados relevantes para o agro brasileiro. O Brasil é, sem dúvida, o país mais competitivo, mas o agro mercado sempre foi fortemente condicionado pela dimensão política e continuará sendo. Por isso é importante investir em competitividade, sustentabilidade e na amizade com a China.  

Em resumo, existem indicativos que a gestão Biden afetará sim o agro brasileiro e que o tema ambiental ganhará importância. O tamanho do problema não dependerá de Biden, mas sim do posicionamento do Brasil em relação aos EUA, à China e às questões globais.

Os deslizes recentes do Brasil, tanto na gestão ambiental quanto na diplomacia, têm produzido consequências negativas para o país. São exemplos a recente declaração do presidente da França sobre a soja brasileira e as restrições da Índia e da China ao fornecimento de princípios ativos da vacina contra o coronavírus.

No que diz respeito às relações do governo brasileiro e Biden, muito já se disse sobre os possíveis atritos entre Joe Biden e o presidente Jair Bolsonaro, que não terá mais seu ídolo Donald Trump na Casa Branca. A recente nomeação do colombiano Juan Gonzalez para a equipe do novo presidente americano reforça a perspectiva de que a nova administração não fará vistas grossas às posições antiglobalistas e negacionistas do Brasil.

As diferenças entre Biden e Bolsonaro estão principalmente na agenda ambiental, no trato com as minorias e na relação com a extrema-direita, mas, a relação Biden com Bolsonaro não será apenas de conflitos. Biden preza a América Latina e certamente leva em conta pontos de convergência com Bolsonaro como o freio à China, o desgaste ao chavismo venezuelano e a ampliação da influência estadunidense na América Latina.

A despeito dos conflitos, o Brasil é um aliado importante dos EUA. Biden conhece bem o Brasil, é um democrata e sabe que os países ficam e os governantes, bons e ruins, se vão. A Casa Branca será uma aliada do Brasil uma vez que o país recupere sua agenda ambiental e a ambição de ser relevante - e não um pária - na comunidade internacional. O Itamaraty tem quadros e tradição para operar essa mudança, que nos reaproximará dos EUA, da União Europeia, da China e dos nossos parceiros do Mercosul e Brics. Isso, certamente, será levado em conta por Biden.

Os problemas ambientais recentes não invalidam as conquistas tecnológicas e institucionais das últimas décadas e nem a capacidade de conter as ameaças e danos reais ao meio ambiente, em sua maioria resultado de ações criminosas, e reverter a imagem negativa que pesa e ameaça nossa agricultura.

O problema é que neste campo vale o dito sobre a mulher de Cesar, que precisava ser e parecer honesta. O agro brasileiro é sem dúvida pop, mas é preciso maior pragmatismo com os mercados e melhorar a nossa reputação. É preciso separar o agro e seus produtores dos criminosos ambientais, sem meio termo.

Essas questões podem afetar tanto as quantidades exportadas como o valor do produto e só podem ser superadas com dados e informações fidedignas, discussões técnicas e posicionamentos transparentes e consistentes. A bola está no campo brasileiro e o resultado do jogo, nos próximos anos, dependerá fundamentalmente da capacidade de mudar o time, o estilo e a estratégia da partida. A escolha é nossa e só temos a ganhar optando pela sustentabilidade e pela defesa de nosso próprio patrimônio.

Um país que dispõe de legislação ambiental avançada, que vem praticando uma agricultura cada vez mais sustentável, que até pouco tempo era reconhecido e respeitado nos foros internacionais, deve liderar o debate sobre as questões ambientais e climáticas, até porque é um dos maiores interessados na proteção do seu patrimônio ambiental.

Além disso, o país tem capacidade tecnológica para utilizar os recursos naturais de forma sustentável, não apenas para dentro da porteira, mas também fora. E por isso não faz sentido desempenhar o papel de vilão. Devemos e podemos ser os mocinhos deste verdadeiro farwest que é o mercado agropecuário global.

*Antônio Marcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED). Pedro Abel Vieira é pesquisador e Roberta Grundling é analista da Embrapa.


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