Cade pode multar White Martins, diz decisão do STJ

Tribunal definiu que o Cade tem competência para analisar negócios feitos no exterior por empresas que atuam no Brasil/Cade
Tribunal definiu que o Cade tem competência para analisar negócios feitos no exterior por empresas que atuam no Brasil/Cade
Julgamento da 1ª Turma iniciou em setembro e envolve discussão de 1996, quando empresa deveria ter notificado autoridades brasileiras sobre a concentração nos EUA.
Fecha de publicación: 23/02/2021

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A 1ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) definiu que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) tem competência para analisar negócios feitos no exterior por empresas que atuam no Brasil. A decisão de dois recursos especiais, tomadas por quatro votos a um, encerra uma discussão que se iniciou há oito meses, e pode ter consequências no escopo da atuação do conselho. 

Na sessão de hoje, o ministro Benedito Gonçalves apresentou voto-vista ampliando a divergência à tese do relator, o hoje aposentado Napoleão Nunes Maia Filho.

No início do julgamento em junho passado, Napoleão Nunes havia votado contra o pedido do órgão antitruste, com a conclusão de que o primeiro ato passível de análise concorrencial é a consumação da operação e não a assinatura do contrato entre as partes – e, no momento da consumação da operação, o Cade teria sido efetivamente informada pelo órgão.

O julgamento acabou sendo interrompido o caso para pedido de vista da ministra Regina Helena Costa. O seu voto, apresentado em setembro, Regina divergiu do relator, e deu provimento ao pedido do tribunal. Para ela, o caso não versa sobre direito societário, mas sim de poderes de correição do tribunal. Para Gonçalves, o escopo das ações do Cade é mais amplo que o próprio direito societário. Os ministros Sergio Kukina e Gurgel de Faria, que preside a turma, seguiram a divergência.


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Os casos –os REsp (Recursos Especiais) 1.353.267/DF e 1.353.274/DF– envolvem uma decisão tomada pelo Cade contra a White Martins, empresa norte-americana do setor químico que atua no Brasil, sendo líder no setor de distribuição de oxigênio. Em 1996, a empresa adquiriu o controle acionário da CBI Industries, uma empresa também sediada nos Estados Unidos e com ações negociadas na Bolsa de Nova York. O antitruste brasileiro, recém-transformado em autarquia, entendeu que a empresa deveria ter notificado as autoridades brasileiras sobre a concentração logo da assinatura do contrato, e multou a empresa.

A multa, de cerca de R$ 60 mil (em valores de 1996), foi aplicada com base no artigo 54 da Lei 8.884/1994, então vigente, que obriga que atos "que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços" deveriam ser submetidos à apreciação do Cade. 

O TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) deu ganho de causa à empresa, por entender que a Resolução 15/1998 do Cade, que fixa o momento da realização da operação a assinatura do primeiro documento vinculativo (e que motivou a lavratura do auto), é posterior aos fatos. Em recurso, novamente a empresa se sagrou vitoriosa, com o Tribunal considerando que os negócios jurídicos firmados no exterior, ainda que produzam efeitos no Brasil, não podem ser objeto de controle pelo órgão antitruste brasileiro. Desta forma, tanto a multa quanto o auto de infração foram suspensos.

O especialista em direito internacional do Peixoto & Cury Advogados, Saulo Stefanone Alle, argumenta que tanto a Lei 8.884 quanto a Lei nº 12.529/2011, que a sucedeu, estão alinhadas com as melhores práticas internacionais. "A construção de conceitos mais delimitados nesse campo pode se beneficiar muito de uma jurisprudência uniforme, coerente e muito bem fundamentada", explicou o advogado. "Portanto, não parece que a reforma de decisões de graus inferiores sejam o elemento de insegurança jurídica. Os elementos que podem, eventualmente, sugerir insegurança jurídica são o descolamento das normas legais e uma decisão final com fundamentação deficiente.”

A resposta da corte interessa ao definir o que é “afetar o mercado brasileiro”, para fins de notificação obrigatória de atos de concentração do conselho. "Podemos dizer que a discussão da extraterritorialidade da legislação concorrencial tem, sim, relevância atual, pois o artigo 2º da Lei 8884 é repetido na atual legislação", disse o co-head de proteção de dados da Advocacia José Del Chiaro, Luiz Felipe Rosa Ramos. 


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