A queda de braço entre Bolsonaro e governadores pelo fim do lockdown

Nessa luta política só quem perde é a população/Fotos Públicas
Nessa luta política só quem perde é a população/Fotos Públicas
O que se espera é que todos consigamos nos sair bem e saudáveis, na esperança de que o verdadeiro inimigo seja combatido.
Fecha de publicación: 19/03/2021

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Independentemente de ideologia político-partidária, ser a favor ou contra o presidente Jair Bolsonaro, acredito que a ausência de respaldo do governo federal, o incentivo a aglomerações e o inequívoco descaso com as determinações emitidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), só fez agravar o já desenfreado contágio pelo novo coronavírus, sendo certo que, se medidas mais drásticas tivessem sido adotadas no início, quando da confirmação dos nos primeiros casos, possivelmente hoje não teríamos esse aumento crescente do número de mortos, ausência de leitos hospitalares e até mesmo a falta de insumos médicos básicos para combate ao vírus.

É indiscutível que determinações drásticas como o lockdown afetam uma grande parcela da população, senão todas, desde a família com maiores condições financeiras até àquela com menor poder aquisitivo. Se de um lado vemos famílias perdendo seus empregos e suas fontes de renda e de sustento, de outro lado grandes, pequenos, microempresários e trabalhadores autônomos/informais estão encerrando suas atividades, se já não encerrada durante os primeiros meses da pandemia, desencadeando uma grave e difícil reparação econômico-financeira. Em contrapartida, ao que se conhece, as determinações para confinamento visam justamente salvaguardar vidas, que aos montes e diariamente se amontoam nas portas dos hospitais.


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Há que se ter um pêndulo entre as necessidades básico-financeiras e as medidas para frear a crescente crise sanitária.

A adoção de medidas mais severas por parte de alguns governadores e prefeitos objetiva justamente coibir o avanço da doença e desafogar os hospitais, diminuindo, assim, o potencial contágio, o colapso sanitário e o número de mortos. Embora não haja consenso entre governos estaduais, municipais e federal, ao menos nesse momento, as normas expedidas para evitar a propagação do vírus, dentre elas as restrições do direito de ir e vir, se afiguram razoáveis se comparadas à falta de leitos nos hospitais públicos e privados.

Entretanto, não basta apenas e tão somente restringir acesso a áreas públicas (praias, praças, parques, etc.) e privadas (bares, shoppings, casas de shows, etc.), se não há ajuda do governo federal para incentivar e educar a população brasileira, que ainda é uma das mais carentes se comparadas mundo à fora – 79º Posição no ranking do IDH mundial para a forma correta de utilização das medidas conhecidas para se evitar o contágio do vírus, além da incansável busca por medidas eficazes para a contenção do vírus, tais como a vacinação em massa.

A demanda judicial intentada pela presidência da República em face das determinações expedidas por governantes do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul teve como enfoque a Lei n.º 13.874, de 20 de setembro de 2019, denominada Lei de Liberdade Econômica, além de uma verdadeira “queda de braço”, sob o argumento de que ao impor medidas mais restritivas, os governos estaduais estariam passando por cima do governo federal.

A inteligência que se extrai da mencionada ação não é outra senão a de que a irresignação quanto às determinações mais severas expedidas pelos governantes estaduais estariam avançando os limites estabelecidos à atuação do Poder Estatal na Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica. Com um simples passar de olhos desarmados pelos argumentos lançados na ação não se vislumbra qualquer efetivo debate que envolvesse a atual situação da pandemia ou alternativa para conter o avanço desenfreado e propagação do vírus no país.

Neste sentido, afigura-se necessário transcrever um trecho extraído dos autos do processo anteriormente destacado, em que não nos deixa dúvidas quanto à insurgência propalada pelo governo federal para fundamentar seu pleito: “(...) Decretos locais podem definir os serviços e atividades essenciais a serem preservados, mas somente legislação formal pode impor restrições à locomoção de pessoas saudáveis ou ao exercício de atividades econômicas tendo em vista os direitos estabelecidos no artigo 3º, incisos I e II, da Lei nº 13.874/2019, que é lei geral de direito econômico, com validade em todo o território nacional. (...)”.

Mas pergunta-se: quem são as pessoas saudáveis?

No atual cenário brasileiro, acredita-se que não se mostra mais possível silenciar os avanços da pandemia e muito menos minimizar a crise sanitária que aqui se instalou. Com a aparição dos primeiros casos do novo coronavirus e deflagração do estado de pandemia, ouvia-se muito do chefe do Executivo que se fazia necessário deixar apenas os mais idosos isolados.

Entretanto, a contaminação vem se propagando de maneira rápida e justamente por meio daqueles indivíduos assintomáticos e também por conta da nova variante P1, de transmissibilidade muito maior e que causa reações ainda mais agressivas.  

À despeito de qualquer tentativa da adoção de uma teoria da conspiração, também devemos levar em consideração que o plenário do Supremo Tribunal Federal – STF, por unanimidade de votos, por ocasião da Ação Direta de Inconstitucionalidade  (ADI) n.º 6341, confirmou entendimento de que as medidas adotadas pelo governo federal não afastam a competência concorrente nem a tomada de providências normativas e administrativas pelo Distrito Federal, estados e municípios para combate à pandemia da Covid-19 no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus territórios.

Entre as medidas previstas na liminar concedida pelo STF em abril de 2020, estão a adoção ou a manutenção de medidas restritivas sobre distanciamento e isolamento social, circulação de pessoas, funcionamento de escolas, comércio, atividades culturais e outras eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como demonstram a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Partindo dessa premissa, não há, ainda, que se falar que o STF, com o relatado posicionamento, estaria “atando” os pés e as mãos do chefe do Poder Executivo. Muito pelo contrário, o posicionamento que se observa é que a Corte Suprema sempre se posicionou no sentido de que há necessidade de cooperação entre todos os poderes para o enfrentamento dessa guerra contra um inimigo invisível.


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Nessa luta, o que se espera é que todos consigamos nos sair bem e saudáveis, na esperança de que, independentemente de posicionamentos político partidários, o verdadeiro inimigo seja combatido.

A sabedoria popular já diz que na briga entre o mar e o rochedo é o marisco que apanha. Na luta política travada pelo governo federal com governadores e prefeitos o único que perde, infelizmente, é a população.

*Ernani Mascarenhas é bacharel em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos e especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, Direito Civil e Direito Processual Civil.


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