Como o bater de asas na Turquia ocasiona um terremoto no Brasil

Turquia e Brasil, como a soma dos emergentes, concentram 15% dos investimentos globais/Pixabay
Turquia e Brasil, como a soma dos emergentes, concentram 15% dos investimentos globais/Pixabay
Quando um tremor financeiro ocorre em um país emergente, investidores correm para se desfazer de suas posições.
Fecha de publicación: 01/04/2021

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Em menos de dois anos, já é a terceira pessoa a ser demitida do cargo. Como alguém acredita que poderia dar certo? Acalmem os ânimos, não estamos falando do ministério da saúde no Brasil. Como pôde ser visto durante essa semana, o presidente da Turquia, Tayyip Erdogan surpreendeu os mercados demitindo o então presidente do banco central, Naci Agdal.

Tal fato ocorreu dois dias após a autoridade monetária aumentar os juros de 17% para 19% ao ano, em uma nova tentativa de frear a inflação, que chegou a quase 16% ao ano em fevereiro. É claro que o mercado não deixou barato, na segunda-feira (22), a lira turca chegou a depreciar 14% em relação ao dólar norte-americano, no momento de maior euforia do dia. Como desgraça pouca é bobagem, o índice da Bolsa de Istambul recuou quase impressionantes 10%.


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Há alguns meses, a Turquia vinha se destacando positivamente entre os países emergentes, com investidores internacionais dispostos a investir no país aproveitando oportunidades que estes julgavam rentáveis. Logo depois da nomeação de Naci Agdal, em novembro de 2020, houve um aumento da confiança dos investidores e a moeda local chegou a apreciar quase 18% frente ao dólar norte-americano em três meses.

Porém, no meio do caminho, havia uma pedra (licença poética). A expectativa de maior aquecimento na economia dos EUA e a resultante beliscada inflacionária, graças ao pacote fiscal de US$1.9 trilhão de Biden e a vacinação indo de vento em popa no país, fez com que as taxas de juros de longo prazo subissem, revertendo o fluxo de recursos dos emergentes para os EUA.

Mas o que o Brasil tem a ver com isso? Primeiramente, vamos dar um passo atrás e entender a dívida externa da Turquia. Aproximadamente o país conta com uma dívida externa de curto prazo a vencer em um ano de mais de US$ 140 bilhões, enquanto as reservas internacionais líquidas (caixa em moeda forte) não chegam nem a US$ 15 bilhões. Após exaustivos cálculos, percebe-se o risco de calote que vem sofrendo a Turquia. Para piorar o cenário, o novo presidente do Banco Central, Sahap Kavcioglu, provavelmente formado em “populism economics”, já mostrou que concorda com a impressionante teoria revolucionária do presidente turco de que aumento nas taxas de juros em economias não oligopolizadas ocasiona um aumento na inflação!

Mas como essa intempérie ocorrida a mais de 10.700 km longe do Brasil pode bater aqui na gente, meu Deus? Acontece que o Brasil, bem como outros países, incluindo a Turquia, são considerados países emergentes. E como tais, não chegam a representar nem 15% nas carteiras de investimentos dos maiores investidores internacionais. Ou seja, quando um tremor financeiro ocorre em um desses países, esses mesmos investidores correm para se desfazer de suas posições, mesmo sem entender corretamente as idiossincrasias de cada um. Em caso de turbulência, apertem os cintos, zerem suas posições nos emergentes e voltem para os países desenvolvidos.


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Aliás, mesmo que tivessem um olhar crítico e senso analítico apurado, dificilmente ficariam posicionados em Brasil, dada às nossas próprias idiossincrasias. Ora, EUA pagando mais, crise em um país emergente, investidores buscam diminuir suas exposições em outros emergentes, ou para cobrir perdas incorridas no país epicentro da crise, ou porque, no final das contas, sabem que alguns países não são tão diferentes assim, principalmente em relação à retidão fiscal e a atração que o populismo intervencionista econômico exerce sobre as autoridades.

*Roberto Dumas Damas é consultor independente da Ohmresearch e professor de economia do INSPER. Lucca Cabrera e Matheus Savian são estudantes de economia do INSPER.

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