A criminalização de infrações fiscais

Para criminalistas e tributaristas, as medidas são equivocadas e contraproducentes, mas eles acreditam que é preciso ter algum tipo de punição aos infratores/Pixabay
Para criminalistas e tributaristas, as medidas são equivocadas e contraproducentes, mas eles acreditam que é preciso ter algum tipo de punição aos infratores/Pixabay
Modelo brasileiro ainda considera inadimplente como criminoso. Prisão desestimula pagamento de dívidas, segundo especialistas.
Fecha de publicación: 28/01/2021

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O assunto é motivo de discussões dos tributaristas e até de artigos acadêmicos e teses nas universidades do Brasil e do mundo. Muitos defendem a descriminalização desse tipo de delito, que está previsto na Lei 8.137/90 e em vários dispositivos do Código Penal.

Nesse início de 2021 o tema voltou a ser debatido depois que o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) propôs endurecer sanções, com possibilidade até de prisão, para quem fraudar impostos, mesmo após a quitação dos débitos com a Receita Federal. A proposta faz parte de um estudo da entidade, que pretende aproveitar a discussão da reforma tributária no Congresso Nacional.  

Para advogados criminalistas e tributaristas, as medidas são equivocadas e contraproducentes, mas eles acreditam que é preciso ter algum tipo de punição aos infratores. 

“Pelo que se vê, atualmente, o objetivo principal da criminalização de infrações fiscais é a recuperação dos valores devidos. Tanto é que a existência da possibilidade do parcelamento do débito tributário, ou, ainda, a sua quitação integral, impactarem diretamente na persecução penal do agente funcionam, sim, como catalisadores para que, ao fim e ao cabo, seja possível alcançar tal objetivo final: recuperação dos valores devidos. Sendo assim, retirar tais possibilidades seria, no mínimo, contraproducente”, avalia Fabiana Rocha, criminalista do Nelson Wilians Advogados. 

Adib Abdouni, especialista em direito constitucional e criminal, aponta transferência de responsabilidade na proposta. “A proposta transfere ao cidadão a responsabilidade do Estado por sua incapacidade de executar um sistema eficiente de fiscalização e combate à sonegação fiscal, impulsionada por um confuso e complexo sistema tributário vigente em nosso país”, avalia. 

Ainda de acordo com Adib, a aplicação da lei penal na esfera tributária deve ficar restrita só àqueles casos em que fique demonstrada a “concreta conduta delituosa, decorrente do emprego de mecanismos de sonegação qualificados por artifício fraudulento e doloso”.  

Para Daniel Gerber, advogado criminalista com foco em gestão de crises e compliance político e empresarial, a proposta mostra “o quão intervencionista se tornou o pensamento do funcionário público - alimentado mensalmente pelo imposto que deseja erguer ao patamar de fato gerador prisional”.


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Rodrigo Rigo Pinheiro, especialista em direito tributário e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, defende a simplificação do sistema tributário nacional.  

“Desconstruir as complicações interpretativas das leis que a própria Receita Federal cria é fator condicionante para ‘endurecer’ a punição contra os contribuintes. Esse cenário de ‘desejo de punir’ é reflexo natural dos tão aguardados e sucessivos Refis, que acabaram incluindo contribuintes investigados - tais como Lava Jato, Zelotes etc. Como os acordos livram os acusados de responder a processos por crime fiscal (considerando, claro, que a dívida tenha sido integralmente quitada), a redenção dá a sensação de que a pena do pecado não foi cumprida”, diz Pinheiro. 

Diego Henrique, criminalista associado do Damiani Sociedade de Advogados, afirma que a proposta parte de premissa de que existiria um elaborado cálculo de custo/benefício na atividade criminosa. “Ora, tal cálculo depende de variáveis que o empresariado sequer conhece, como a probabilidade de ser autuado pelo Fisco, o valor da multa, a pena de prisão, a duração de um processo-administrativo e de um processo-crime etc., bem como a necessidade de se ter uma ‘reserva’ destinada ao pagamento do tributo caso fosse descoberto, o que está completamente fora da realidade da prática empresarial no Brasil”, diz.  

Tiago Conde Teixeira, tributarista, sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, faz a ressalva de que nem sempre o contribuinte age por má-fé. “Pedir a prisão de qualquer devedor tributário é muito grave. Há várias hipóteses em que o contribuinte deixa — sem intenção de fraudar o Fisco —  de pagar o tributo e, portanto, não pode ser considerado sonegador. Um empresário pode, por exemplo, optar por pagar seus funcionários em dia, postergando o recolhimento de um imposto que declarou. Isso não é fraude, mas mero inadimplemento tributário. E ameaçar com pena de prisão esse empresário é absolutamente arbitrário e desproporcional”, analisa Tiago. 

Fernanda Tórtima, advogada especializada em direito penal e sócia fundadora no Bidino & Tórtima Advogados, acredita que é preciso uma discussão mais ampla da criminalização da sonegação fiscal.   

“É possível defender que, ou bem a sonegação fiscal não tem dignidade penal e merece ser descriminalizada, ou tem, e o pagamento não deveria necessariamente extinguir punibilidade. Talvez uma solução fosse descriminalizar condutas que não tivessem determinadas características, seja em termos de habitualidade, seja em termos de montante. E manter a criminalização (e a punição, mesmo em caso de pagamento dos tributos ou contribuições) das condutas relevantes. É que, na prática, o sistema penal vem funcionando como instrumento de pressão para promover a arrecadação. E isso não é função do direito penal.”, defende Tórtima.

A discussão deve continuar ao longo de 2021 no Congresso Nacional, assim que a reforma tributária voltar a ser analisada.


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