A alienação fiduciária de imóvel em garantia de operações de crédito e a MP 992

O novo contrato deverá mencionar elementos formais e jurídicos essenciais, tais como o valor principal da nova operação, a taxa de juros e encargos incidentes/Pixabay
O novo contrato deverá mencionar elementos formais e jurídicos essenciais, tais como o valor principal da nova operação, a taxa de juros e encargos incidentes/Pixabay
Poderão ser beneficiadas pela MP as pessoas físicas e jurídicas que tenham operações de crédito garantidas por alienações fiduciárias de bem imóvel.
Fecha de publicación: 23/07/2020
Etiquetas: Brasil

Por meio da Medida Provisória nº 992/20, publicada em 16 de julho, a Presidência da República passa a permitir o compartilhamento de uma única alienação fiduciária de bem imóvel como garantia para mais de uma operação financeira no âmbito do Sistema Financeiro Nacional. Ressalvadas as peculiaridades de cada modalidade, isso já era conceitualmente possível para hipotecas de múltiplos graus e certamente trará uma força maior às alienações fiduciárias de imóveis como opção de garantia real em operações de crédito.

Poderão ser beneficiadas pela MP as pessoas físicas e jurídicas que tenham operações de crédito garantidas por alienações fiduciárias de bem imóvel com determinados credores (as operações originais) e que desejem celebrar novas operações de crédito no âmbito do Sistema Financeiro Nacional com os mesmos credores, utilizando-se do mesmo bem como garantia (as operações derivadas). Se pessoa física, o interessado somente poderá fazê-lo em benefício próprio ou de sua entidade familiar, declarando tal informação em contrato.

Para que seja averbado na matrícula do imóvel como operação derivada, o novo contrato deverá, necessariamente, mencionar determinados elementos formais e jurídicos essenciais, tais como o valor principal da nova operação, a taxa de juros e encargos incidentes, o prazo e as condições de reposição do crédito do credor, a declaração a respeito da utilização em seu próprio benefício ou de sua entidade familiar (caso pessoa física), o prazo de carência para constituição em mora, a declaração no sentido de que o imóvel poderá ser utilizado livremente pelo devedor enquanto adimplente com as obrigações e outros requisitos formais previstos em lei.

É importante citar que, além das exigências acima apontadas, deverá constar no contrato cláusula com previsão de que a falta de pagamento de quaisquer obrigações das operações de crédito garantidas pela mesma alienação fiduciária de imóvel (tanto para operações originais como para derivadas) permitirá que o credor dê por vencidas antecipadamente todas as obrigações garantidas no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária. Isso significa dizer que as alterações introduzidas pela MP permitem a inclusão automática do vencimento cruzado como evento de vencimento antecipado em operações financeiras realizadas anteriormente com o mesmo credor, mesmo sem o manejo de alterações contratuais específicas à operação original.

Outra inclusão relevante é a previsão específica de que, para fins de compartilhamento de garantias, não se aplicam as disposições relativas à quitação automática de dívida quando o produto resultante da excussão não é suficiente para quitar a dívida, exceção feita às operações com natureza de financiamento imobiliário habitacional. Esse ponto é, certamente, um dos que mais geram discussão quando da eleição da alienação fiduciária de imóveis em garantia de operações, especialmente quando comparada à alternativa de constituição de uma hipoteca, que não tem a mesma restrição.

Embora as inovações indicadas acima tenham sido incluídas na Lei nº 13.476/17, que trata principalmente dos contratos de limite de crédito, a sua redação não é clara no sentido de restringir sua aplicação a esses contratos. Pelo contrário, a MP indica que o compartilhamento pode ser feito para “novas e autônomas operações de crédito de qualquer natureza”, desde que tais operações estejam compreendidas no Sistema Financeiro Nacional. Em razão disso, o escopo de aplicação das novas disposições pode vir a ser objeto de discussão e, idealmente, deverá ser esclarecido quando da conversão da MP em lei.

Sem prejuízo dessa discussão, as alterações introduzidas pela MP certamente são relevantes para a ampliação do acesso a crédito, além de terem o potencial de diminuir a exposição dos credores a riscos e tornar mais dinâmica a atualização de garantias para novos empréstimos. Antes, a utilização de um mesmo bem imóvel como garantia fiduciária para uma nova operação de crédito dependia do desfazimento e refazimento da garantia original, com consequentes cancelamentos e novos registros imobiliários.

Ainda que o alcance da MP esteja limitado ao Sistema Financeiro Nacional, a inovação por ela trazida poderá incentivar as discussões sobre alterações legislativas para permitir ampliar essas disposições para outros tipos de financiamentos. A MP 992/20 ainda deverá ser submetida ao Legislativo para poder ser convertida em lei. Nesse processo, alterações a esse regime jurídico podem ser implementadas.

*Maria Flavia Seabra, Vagner Araujo e Gustavo Cavaliere são, respectivamente, sócia e advogados da área de direito imobiliário do Machado Meyer Advogados.

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