As intervenções cambiais controlam só o câmbio ou a inflação também?

Intervenção pode levar a um aumento da taxa de juro básica/Fotos Públicas
Intervenção pode levar a um aumento da taxa de juro básica/Fotos Públicas
Se o Bacen deseja intervir no mercado de câmbio como forma de apreciar a cotação da nossa moeda, a autoridade monetária pode vender reservas internacionais, diminuindo a base monetária.
Fecha de publicación: 16/03/2021

Para receber nossa newsletter diária inscreva-se aqui!

 

Aos meus milhões de leitores por toda a parte do mundo (modo ironia, óbvio!), já começo pedindo desculpas por esse texto iniciar um pouco chato (técnico), mas importante para entendê-lo e avaliar como tomar determinadas decisões nos nossos planos de negócio, que podem ser impactados por câmbio, juros, populismo, etc.

 

Ultimamente temos visto a autoridade monetária ou o Banco Central (Bacen) intervindo várias vezes no mercado de câmbio, vendendo reservas internacionais ou oferecendo operações de swap cambial: Bacen ativo em juros e passivo em câmbio. Essa operação com o objetivo de oferecer hedge cambial para os investidores. Pois bem. A pergunta que não quer calar envolve algumas digressões técnicas bem chatinhas: O Bacen está intervindo e vendendo dólares como forma de manter a paridade cambial ou quer apenas diminuir a volatilidade das cotações até que o câmbio atinja seu valor de acordo com os fundamentos macroeconômicos?


Leia também: A importância da credibilidade do Banco Central no controle da inflação


Para responder a primeira parte da pergunta, convém entrarmos naquela esfera técnica mencionada acima. Vamos partir inicialmente da condição de paridade de juros, que parte do princípio de que onde quer que o investidor aloque seus recursos o retorno auferido deverá ser sempre o mesmo, quando expresso na mesma moeda e devidamente remunerado pelo risco país incorrido. Obviamente que estamos assumindo comparabilidade de ativos e negligenciando custos transacionais vigentes nesse tipo de operação, como spreads (bid-ask), impostos, etc. Ou seja:

 

i = i* + EDcambial + Prêmio de Risco (r)          (1)

onde:

i = taxa de juro doméstica

i* = taxa de juro internacional (mesmo duration que o título doméstico)

EDcambial = Expectativa de oscilação cambial = Se/S

Se =S = Expectativa do Câmbio no futuro = Câmbio Atual

r = Prêmio de Risco ou Risco País

 

De acordo com a paridade de juros, a taxa de juro doméstica deve ser igual à soma da taxa de juro internacional, a expectativa de oscilação cambial e um prêmio de risco que os investidores estejam dispostos a correr para transferir seus recursos de um país para o outro. Nesta situação, em uma condição ceteris paribus, qualquer modificação na taxa de juro internacional, o que já está acontecendo com o juro de 10 anos dos EUA atingindo 1.61% a.a. dada maior expectativa inflacionária naquele país, levaria a paridade de juros a quebrar momentaneamente, suscitando uma saída de capital do Brasil para os EUA.

 

Se assumirmos um eventual aumento do risco país, notadamente risco fiscal, então o investidor terá o seguinte cenário á sua frente: “Deixa eu entender. Quer dizer que o risco fiscal no Brasil aumentou, os EUA estão pagando mais, então o que continuo fazendo aqui? Vou comprar dólares”. Exatamente nessa retórica é que testemunhamos o nosso câmbio atingindo patamares próximos a R$/US$ 5.74.

 

Mas não tem nada que o Bacen possa fazer para segurar essa depreciação acelerada? Sim, mas essa não é a questão correta. O certo seria: dado que o nosso sistema cambial é flexível e temos uma meta de inflação a ser atingida, via Selic (taxa de juro básica determinada pelo Comitê de Política Monetária - Copom), não tem nada que o Bacen possa fazer e que dê resultado (mude o patamar do câmbio consistentemente), além de apenas amenizar a volatilidade cambial, que parece querer buscar novos níveis, dada a mudança nos fundamentos macroeconômicos (maior taxa de juro lá fora e maior risco fiscal aqui dentro)? Ufa. Agora a pergunta tá legal, mas não quer dizer que teremos respostas óbvias e ou sinceras à essa questão.

 

Mais uma parada nesse passeio “turístico” para tirarmos algumas fotos do tipo excursão que não acaba. Permitam-me mostrar, simplificadamente ao extremo, como tende a ser o balanço patrimonial de uma autoridade monetária:

 

Balanço Patrimonial – Autoridade Monetária (BACEN)

 

Ativo                                                            Passivo

________________________________________________________________________

 

 

Empréstimos aos Bancos Comerciais              Papel Moeda Emitido

Empréstimos ao Governo                              Reservas Bancárias

Reservas Internacionais                                Passivo Não Monetário

 

Do lado esquerdo do balanço do Bacen, temos os ativos ou bens e direitos. Por ser uma autoridade monetária, os bens e direitos de um Bacen diferem de uma empresa comum. Dada suas funções de banqueiro dos bancos comerciais, banqueiro do governo e administrador das reservas internacionais do país, é natural que o ativo da autoridade monetária seja basicamente constituído em: empréstimos aos bancos comerciais (assistência de liquidez ou redesconto), empréstimos ao governo e reservas internacionais.

 

Do lado direito do balanço do Bacen, temos o passivo ou as obrigações da autoridade monetária, dentre elas: papel moeda emitido e reservas bancárias. Pelo fato de o Bacen deter o monopólio de emissão de moeda manual e os bancos a serem obrigados ou voluntários a depositarem parte de seus depósitos à ordem do Bacen como reserva compulsória e voluntária (ambas denominadas aqui, reservas bancárias), ambas as rubricas fazem parte do passivo do Bacen.

 

Esse agregado monetário (papel moeda emitido e reservas bancárias) corresponde ao passivo monetário do Bacen ou a base monetária. Todos os outros passivos que não correspondem ao passivo monetário do Bacen ou a base monetária no sentido restrito são considerados passivos não monetários.

 

Dessa forma, se avaliarmos sob o ponto de vista contábil, percebemos que:

 

ATIVO = PASSIVO

 

Ativo = Base Monetária (BM) + Passivo não Monetário (PÑM), ou seja

 

BM = Ativo – PÑM     (2)  

 

Se analisarmos a equação 2, veremos que a base monetária (lado esquerdo da equação) é uma conta resultado, ou seja, sua movimentação depende apenas das movimentações ocorridas no lado direito da equação, assumindo que o passivo não monetário seja constante.


Veja também: O Brasil perdeu a competitividade?


Com a saída de reservas internacionais do Bacen, a operação de intervenção usada pela autoridade monetária como forma de suprir uma demanda maior por dólares, dado o maior retorno auferido lá fora e maior risco fiscal aqui dentro, resulta em uma contração no ativo monetário da autoridade monetário (reservas internacionais diminuem), em condições ceteris paribus, ou seja, assumindo nenhuma esterilização desse movimento, o efeito final dessa queda do nível de reservas internacionais, seria uma queda correspondente na base monetária (BM). Sim pois quando a autoridade monetária intervém no mercado cambial vendendo reservas internacionais, ela retira Reais (R$) de circulação, diminuindo, portanto, a base monetária.

 

BM¯ = Ativo¯ – PÑM            (2)  

 

Mas dado que menor liquidez na economia tende a elevar o custo do dinheiro (Selic) e posto que o Bacen tem de se ater ás decisões de meta Selic definida pelo Copom como a autoridade monetária fará essa intervenção, uma vez que essa operação tende a diminuir a liquidez do sistema e aumentar a Selic?

 

Se o Bacen deseja intervir no mercado de câmbio como forma de apreciar a cotação da nossa moeda, dado que uma depreciação cambial pode suscitar pressões inflacionárias indesejadas, principalmente agora em que vivemos momentos populistas, a autoridade monetária pode vender reservas internacionais, diminuindo o ativo do Bacen e consequentemente diminuindo a base monetária.

 

Essa intervenção, se assim terminar, levará a um aumento da taxa de juro básica. Mas isso não pode ocorrer! Temos uma meta de inflação que deve ser alcançada via meta Selic que não pode ser alterada, a não ser durante as reuniões do Copom. O que fazer então? Em um sistema cambial flexível, como o nosso, quando o Bacen entra vendendo US$ ou reservas internacionais para conter a pressão da depreciação cambial, a autoridade monetária terá de esterilizar essa queda da base monetária e aumento de juro, comprando títulos públicos (operação de open market), aumentando novamente o ativo do Bacen e reestabelecendo o volume monetário (base monetária) anterior à intervenção. Dessa forma, a meta Selic é respeitada. Como deve ser.

Entendi. Mas e se os agentes econômicos não querem apenas um way-out de alguns bilhões de dólares, mas mais retorno para ficarem aqui no país, posto que lá fora estão pagando mais e aqui o risco fiscal está aumentando? Finalmente chegamos ao ponto nevrálgico da questão. Pois é. À época que tínhamos metas cambiais era imperioso que a autoridade monetária subisse os juros como forma de conter a sangria das reservas internacionais, evitando a saída maciça de capitais oferecendo mais retorno para os agentes domésticos, como forma de compensar pelo maior risco doméstico e maior retorno lá fora.

 

Mas agora não podemos mais oferecer mais retorno para os investidores, pois não temos meta cambial, mas meta de inflação. Como segurá-los aqui e evitar que daqui a pouco a cotação volte para os 5.73 ou até mais? Acho que vocês já perceberam onde quero chegar?

 

Diferentemente do sistema cambial fixo, em um sistema cambial flutuante a oferta monetária é exógena.  Ou seja, não existe dependência da política monetária doméstica em relação às decisões de políticas monetárias tomadas por outros países ou as mudanças no nosso risco país. A não ser que uma depreciação cambial suscite pressões inflacionárias.

 

Notem a mudança de objetivos aqui. No nosso atual regime cambial o câmbio é flutuante e não existe meta cambial formal a ser perseguida pela autoridade monetária. Seu objetivo é o de apenas manter a inflação dentro das metas, se a depreciação cambial acabar por suscitar pressões inflacionárias, então deve, sim, o Bacen aumentar a Selic, mas não para segurar o câmbio, mas limitar o pass-through da depreciação cambial para os preços domésticos.

 

Diversos estudos tem avaliado a eficácia de intervenções esterilizadas e não esterilizadas. O estudo de Obstfeld, M (1990) conclui que apenas as intervenções não esterilizadas são eficientes, uma vez que o efeito monetário desencadeado com a intervenção afeta o nível das taxas de juros do país e consequentemente a demanda por moeda estrangeira. Intervenções esterilizadas no mercado cambial, no entanto, parecem produzir efeitos apenas temporários e limitados, não devendo ser consideradas como ferramentas de política macroeconômica.

 

Ótimo, então por que o Bacen continua intervindo no mercado cambial, mesmo em situações de apreciação da nossa moeda? Não parece um pouco contraproducente ou o objetivo final seria fazer o câmbio se manter apreciado às custas de reservas internacionais, apenas para limitar a subida da Selic na próxima reunião?


Mais sobre o assunto: O Real brasileiro foi a moeda que mais depreciou em 2020. Estamos tão mal assim?


 

Roberto Dumas

Se essa possibilidade estiver correta, que todos os santos nos ajudem, então entraremos em um regime híbrido de metas cambiais com meta inflacionária. Sem querer assustar, mas só lembrando um pouco de história, foi mais ou menos isso que o ex-presidente da Argentina, Mauricio Macri, tentou fazer como forma de tentar diminuir o aumento da taxa básica de juros e lograr conquistar maior apoio popular pré-eleição. E o resultado nós vimos.

 

*Roberto Dumas Damas é consultor independente da Ohmresearch e professor do Insper.

 

 

 

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.