A Lei das S.A. na era do ESG

Lei das S.A. mostra-se atual e alinhada aos princípios ESG/Pixabay
Lei das S.A. mostra-se atual e alinhada aos princípios ESG/Pixabay
Apesar de já ter mais de quatro décadas, ela estabelece e impõe deveres a acionistas, controladores e administradores de agir no interesse dos stakeholders da sociedade.
Fecha de publicación: 26/02/2021

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A utilização de fatores ESG na condução das atividades empresariais conquistou enorme visibilidade nos últimos anos. Embora não exista uma definição unânime e precisa sobre o que seja ESG, os princípios que a regem são universais: para além da busca por lucro, as empresas devem assumir um papel de promoção do bem-estar social, levando em consideração questões ambientais, sociais e de governança, três pilares distintos, mas que se complementam.

Apesar da visibilidade recente da sigla, os princípios que a sustentam não são novos e estão presentes na realidade das empresas (em maior ou menor grau) há décadas. Em um momento de construção das práticas que nortearão uma atuação das empresas que esteja alinhada aos princípios ESG, a nossa legislação societária assume papel fundamental para viabilizar a adoção e prática de princípios ESG pelas empresas.

Aqui trataremos dos dispositivos da Lei 6.404/76, a lei das sociedades por ações, que viabilizam a adoção de práticas ESG pelas empresas. A Lei das S.A., embora datada de 1976, já demonstrava preocupação com o papel social das empresas. Mérito de Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, autores do seu anteprojeto.


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Filiando-se à teoria da sociedade como uma instituição, de inspiração francesa e alemã, Lamy Filho e Bulhões Pedreira assim declararam na exposição de motivos da lei: “Há muito a sociedade anônima deixou de ser um contrato de efeitos limitados para seus poucos participantes; é uma instituição”.

A teoria institucionalista surge como um contraponto à teoria contratualista, segundo a qual a sociedade seria um contrato bilateral, firmado entre os acionistas com a finalidade de atender aos seus interesses privados. Pela teoria institucionalista, “o interesse social não se limitaria apenas ao interesse dos acionistas, mas incluiria um interesse público, principalmente dos chamados stakeholders: trabalhadores, consumidores, fornecedores e a própria coletividade na qual a companhia se insere.”

O caráter institucional da nossa lei está presente em diversos momentos. O caput do artigo 115, por exemplo, estabelece que “o acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia”. Referido artigo, aplicável a todos os acionistas, estabelece a companhia como detentora de um interesse próprio, que pode ser distinto ao de seus acionistas.

O parágrafo único do artigo 116, por sua vez, estabelece os deveres do acionista controlador perante todos os stakeholders da companhia que controla: “O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”

Ao tratar dos deveres e das responsabilidades dos administradores das companhias, a Lei das S.A. determina, no caput do seu artigo 154, que “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.”

Indo além, o § 4º do mesmo artigo 154 autoriza expressamente a companhia a dedicar recursos razoáveis no atendimento de suas responsabilidades sociais: “o conselho de administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais.”


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Por fim, com a finalidade de promover a participação de diferentes stakeholders na sua administração, o parágrafo único do artigo 140, introduzido na reforma de 2001, contém uma autorização, ainda pouco utilizada, para que os estatutos das companhias permitam a participação no conselho de administração de representante dos seus empregados, nesses termos: “o estatuto poderá prever a participação no conselho de representantes dos empregados, escolhidos pelo voto destes, em eleição direta, organizada pela empresa, em conjunto com as entidades sindicais que os representem.”

Conforme se verifica dos exemplos acima, a Lei das S.A. já estabelece e impõe deveres a acionistas, controladores e administradores de agir no interesse de todos os stakeholders da sociedade. Apesar de já ter mais de quatro décadas, a nossa Lei das S.A. mostra-se atual e alinhada aos princípios ESG - uma ferramenta poderosa e pronta para viabilizar o desenvolvimento desses princípios com segurança jurídica.

*Cauê Rezende Myanaki e Carolina Nogueira são associados do escritório Pinheiro Neto Advogados.


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