Medidas emergenciais podem restringir a oferta de crédito e hedge para infraestrutura

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Capital externo desempenha papel fundamental na execução, financiamento E capitalização de concessionárias de serviços públicos.
Fecha de publicación: 22/04/2020
Etiquetas: Mercado Brasileiro

​Além das tradicionais fontes de investimento público e privado existentes no mercado doméstico, não é novidade que o capital externo tem o potencial de desempenhar um papel fundamental na execução e no financiamento de uma série de projetos de infraestrutura e na capitalização de concessionárias de serviços públicos no Brasil.

Recentemente, diversas alternativas têm sido discutidas para solucionar a questão do risco cambial, incluindo a inserção de componente em dólar nas tarifas das concessionárias, a criação de um seguro de risco cambial pelo governo, a estruturação de um fundo pelas concessionárias e pelo governo cujos recursos seriam utilizados em períodos de volatilidade cambial, sendo que alguns editais de concessão já contemplam mecanismos específicos voltados à proteção cambial (caso o concessionário busque financiamento em moeda estrangeira).

Consequentemente, além de todos os riscos inerentes a esses financiamentos (risco-país, oscilação de taxas de juros, de índices de preços etc.), o risco cambial é um constante desafio para os financiadores, concessionárias e governos.

Tradicionalmente os mercados de derivativos oferecem mecanismo de proteção contra esses riscos. Em casos extremos, o preço dos derivativos pode afetar a viabilidade de projetos de infraestrutura.

Exemplo da importância desses instrumentos de proteção para o setor é que, em passado recente, foi noticiado nos jornais que o Banco Central do Brasil desenvolveu um projeto de proteção cambial para o segmento, através da utilização de derivativos, com o objetivo de facilitar e atrair investimentos para o país.

Entretanto, a volatilidade e as incertezas que contaminam os mercados globais neste momento da pandemia da Covid-19 têm forçado os legisladores e as autoridades monetárias de diversos países a adotar medidas que podem afetar substancialmente os mercados de derivativos locais e internacionais.

Atualmente, inúmeras leis emergenciais estão sendo promulgadas em diversas jurisdições e pretendem, no que diz respeito às operações de crédito em geral, modificar leis de insolvência e suspender a execução de contratos.

Essas medidas podem afetar negativamente as operações de derivativos, pois contém medidas que podem resultar na impossibilidade de aplicação das cláusulas conhecidas como close-out netting (cláusula contratual que prevê o encerramento, com a liquidação antecipada, se necessária, e a consequente compensação das diversas relações jurídicas obrigacionais existentes).

Podem, ainda, tornar as garantias costumeiramente utilizadas pelas partes em operações dessa natureza (ex. margem) inócuas, haja vista a suspensão de direitos de excussão dessas garantias e o fato de tornarem os mecanismos de hedge que esses produtos oferecem ineficientes e escassos. E esse risco existe, hoje, no Brasil. 

PL 1397/2020 impõe medidas emergenciais que inadvertidamente podem restringir substancialmente o acesso de empresas brasileiras aos mercados de derivativos, principalmente aqueles oferecidos no mercado internacional voltados para a proteção do risco cambial.

Muito embora o PL tenha como objetivo principal manter o equilíbrio dos contratos em vigor, sendo "necessário que o devedor e seus credores busquem soluções de reequilíbrio das obrigações pactuadas, contando com a suspensão das medidas de execução" (Exposição de Motivos do PL), as medidas propostas, se não excepcionarem os contratos de derivativos, tornam insustentável a oferta desses produtos de hedge às empresas concessionárias e aos financiadores de projetos de infraestrutura.
 

Isto porque os contratos de derivativos utilizados no mercado contêm cláusulas de vencimento antecipado no âmbito de uma sistemática própria. Tal sistemática é a seguinte: as partes elencam uma série de eventos de inadimplemento (não pagamento de prestação devida, alienação do controle societário, distribuição da recuperação judicial, decretação de falência/liquidação extrajudicial etc.) e também outros que independem da ação ou omissão de qualquer das partes, que costumam ser denominados "eventos de término", como são, por exemplo, os casos de força maior.

Em muitas ocasiões, as partes de um contrato de derivativos mantêm uma série de operações, todas com prazos de vencimento diferentes. Assim, a eficácia desse mecanismo de vencimento antecipado é essencial para que seja possível às partes gerenciarem a exposição aos riscos. Em outras palavras, é fundamental para que as partes tenham a segurança de que o vencimento antecipado de uma operação de derivativos ensejará o vencimento antecipado de todas as operações realizadas entre as mesmas partes.

Além disso, é prática comum – e muitas vezes obrigatória – que as partes ofereçam garantias umas às outras, notadamente conhecidas como "chamada de margem". Dada a natureza dessas operações, mecanismos de netting e garantias limitam riscos, permitem um melhor gerenciamento dos mesmos e claramente contribuem para a segurança dessas operações. Ainda reduzem o custo para as empresas, pois a exposição de crédito dos agentes econômicos pode ser melhor dimensionada.

Nesse particular, chama atenção, primeiramente, o disposto no § 1º do artigo 3º do PL 1397/2020. Segundo esse dispositivo, ficarão automaticamente vedadas, por 60 dias (prorrogáveis por mais 60 mediante ajuizamento de pedido nesse sentido) a "resolução unilateral de contratos bilaterais, sendo considerada nula qualquer disposição contratual nesse sentido, inclusive de vencimento antecipado".

Outro inciso do referido artigo reza que ficam também vedadas "a realização de excussão judicial ou extrajudicial das garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e de coobrigações".

Assim, caso seja aprovado sem exceções, as cláusulas de vencimento antecipado de um contrato de derivativos perderão sua eficácia. Consequentemente, por estarem vincendas, tais obrigações não poderão ser compensadas, uma vez que um de seus requisitos essenciais para que a compensação ocorra não estará presente.

Por sua vez, as garantias oferecidas pelas partes não poderão ser utilizadas para satisfação do crédito de uma delas contra a outra.

Vale lembrar, por fim, que tanto o mercado quanto as autoridades monetárias trabalham há mais de 20 anos para desenvolvimento do mercado com a segurança necessária. O que os agentes, os reguladores e os legisladores conseguiram implantar no Brasil permitiu um incremento das operações financeiras realizadas no mercado doméstico e uma importante abertura do acesso de empresas brasileiras e operações de hedge negociadas no exterior.

As situações de insolvência previstas na legislação em vigor não afetam a compensação das operações cursadas no âmbito das câmaras e prestadores dos serviços de compensação e liquidação (clearings), nem das operações de derivativos cursadas no mercado de balcão.

Por tudo isso, em que pese a necessidade de legisladores e autoridades monetárias adotarem medidas de caráter emergencial, promovendo alterações nas relações contratuais e principalmente na legislação falimentar, há que ter atenção e cautela voltadas para os seus efeitos indesejáveis.

Não há dúvida de que a adoção desses normativos legais irá afetar significativamente a oferta de hedge, essencial para a oferta de crédito no âmbito do programa de concessões e privatizações, tão relevante para o desenvolvimento do país.

Outros países que adotaram legislações emergenciais semelhantes se anteciparam ao impacto que tais medidas poderiam causar ao mercado de derivativos. Na França, por exemplo, legislação similar que suspende a excussão de garantias e de prazos tem exceção expressa de determinadas obrigações financeiras e aos contratos de garantias a ela atreladas, que incluem os contratos de derivativos.

Em vista da ausência de crédito local capaz de atender a demanda relevante para projetos de infraestrutura no país, as companhias detentoras de projetos de infraestrutura devem buscar no mercado externo fontes de funding para tais projetos.

Para tanto, dentre outros mecanismos, o hedge cambial se torna essencial como forma de proteção aos riscos inerentes a esta alternativa de financiamento. Certamente os agentes econômicos e empresas, notadamente aquelas sujeitas a riscos financeiros, principalmente os de natureza cambial, deverão se posicionar para sensibilizar o legislador quanto ao risco aqui discutido.

*Fernando Ruiz de Almeida Prado é sócio da área Bancária, Financeira e Cambial do Pinheiro Neto Advogados.

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