Ministério da Infraestrutura cria o Selo Infra + Integridade. Qual sua utilidade?

Intenção do selo é criar métodos confiáveis para a tomada de decisões/Pixabay
Intenção do selo é criar métodos confiáveis para a tomada de decisões/Pixabay
Iniciativa servirá como um instrumento para que a administração pública reconheça empresas que desenvolvam boas práticas de governança.
Fecha de publicación: 12/08/2020
Etiquetas: Brasil

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O Ministério da Infraestrutura lançou em julho deste ano o Selo Infra + Integridade (Portaria nº 102/2020) para premiar empresas que reconhecidamente desenvolvam boas práticas de governança, “compreendendo integridade, ética, transparência conformidade, responsabilidade social, sustentabilidade e prevenção à fraude e corrupção...”. Trata-se de uma boa iniciativa, mas qual sua utilidade? Apenas um selo para promover as empresas ou, de fato, uma busca da Administração Pública em contratar empresas que sejam íntegras e que possuam programas de integridade efetivos?

 

Para esta análise, tome-se como exemplo o que ocorreu com o selo Pró-Ética da Controladoria Geral da União (CGU). Após a sua reestruturação ocorrida em 2014, portanto, já levando em consideração o quanto disposto na Lei Anticorrupção (Lei 12.486/13), 97 empresas solicitaram acesso ao sistema, 56 enviaram o questionário completo, 33 empresas foram admitidas e avaliadas e 19 foram aprovadas.

 

O número de empresas interessadas só aumentou e, para o biênio 2018-2019, 373 empresas acessaram o sistema, 222 empresas enviaram o questionário completo, 152 empresas foram admitidas e avaliadas e 26 empresas foram aprovadas. Há várias informações nestes números. A primeira é o claro crescimento no número de empresas que buscaram obter o selo Pró-Ética, o que é positivo e confere legitimidade para esta iniciativa.

 

Por outro lado, o número de empresas aprovadas pouco cresceu e, no mais das vezes, eram empresas que já haviam sido aprovadas anteriormente. Há duas hipóteses possíveis para isso: as empresas brasileiras ainda não estão adaptadas às novas regras de integridade estipuladas pela Lei Anticorrupção; e a CGU não foi capaz de dar vazão à grande demanda apresentada.

 

Um pouco dos dois é verdade. É de se reconhecer que as empresas brasileiras ainda estão engatinhando em termos de estruturação de programas de integridade que sejam realmente efetivos. Houve, por certo, um aumento na procura por estruturar programas de integridade, mas a realidade é que poucos são efetivos, a começar pela falta de envolvimento da alta direção.

 

É uma mudança cultural difícil, ainda mais em um contexto em que as empresas brasileiras ainda são, em sua maioria, familiares, mas iniciativas como essa são salutares. O outro aspecto a ser considerado é o fato de que a demanda das empresas foi muito maior do que a capacidade de atendimento da CGU, tanto é verdade que foi necessário estender o tempo de análise e hoje há uma busca por parcerias com institutos e universidades para que seja possível atender a um maior número de empresas.

 

A tendência é que para o biênio 2020-2021 o número de empresas aprovadas seja consideravelmente maior. O que se percebe é que de fato o selo Pró-Ética confere um certo status para as empresas que o possuem, pois, em linhas gerais, é possível depreender que seus programas de integridade foram testados e aprovados.

 

Levando em consideração este cenário, foi bem a Portaria nº 102/20 ao limitar o escopo de sua análise. De acordo com as regras ali estipuladas, o Selo Infra + Integridade será restrito às empresas que atuam no setor de transporte terrestres (ferrovias e rodovias), que tenham sido contratados pela administração pública nos últimos cinco anos e que estejam envolvidas em obras de grande vulto, ou seja, com valores superiores a R$ 82,5 milhões, já considerando, desse modo, os novos valores estipulados no Decreto 9.412/18.

 

Há algumas dúvidas a respeito, como, por exemplo, se seria aceito o pleito de empresas com contratos com outros entes da federação que não o Governo federal; e se bastaria uma única contratação com a administração pública nos últimos cinco anos, entre outras. Imagina-se que estas e outras dúvidas serão esclarecidas pelo Comitê Técnico de Integridade do Ministério da Infraestrutura (CTI), também criado por meio da Portaria nº 102/20.

 

De todo modo, a limitação de escopo é interessante para que, neste momento, o Selo Infra-Integridade atinja o objetivo para o qual foi criado, qual seja: estimular a implantação de programas de integridade; conscientizar empresas do setor de infraestrutura da importância de programas de integridade; reconhecer as práticas de integridade e sustentabilidade e  mitigar riscos de ocorrência de fraudes e atos de corrupção.

 

Outro ponto positivo é que os requisitos para obtenção do Selo Infra-Integridade não se limitam à análise de programas de integridade e sua efetividade, mas englobam também aspectos de sustentabilidade e responsabilidade social. Trata-se de uma visão moderna de integridade, traduzida pela sigla ASG (ambiental, social e governança), que pode ser fundamental para que uma empresa e/ou um projeto receba investimentos, especialmente estrangeiros.

 

Fomentar essa preocupação nas empresas – e também no próprio Governo – é criar as condições necessárias para que se tenha acesso a formas de investimento que hoje, pela conjuntura atual, não estão acessíveis.

 

Por fim, reconhecendo a importância da iniciativa, toma-se a liberdade de sugerir que na evolução natural do Selo Infra + Integridade, quando este estiver consolidado e disseminado no mercado, que se vá além. Nessa linha seria interessante que os demais setores de infraestrutura sejam incluídos e que independa do valor envolvido.

 

Se for para criar uma restrição de valor, que esta também seja acompanhada da exigência da obtenção do Selo Infra + Integridade como forma de habilitação para participar da licitação, pelo menos no âmbito federal. Ficar preso a velhos dogmas na forma de contratar com a administração pública não será útil tampouco desejável.

 

Exigir que empresas que buscam contratos de grande vulto possuam programas de integridade efetivos é o mínimo que se espera em um mercado maduro e competitivo. Fazê-lo por meio do Selo Infra + Integridade poderá conferir a segurança jurídica necessária, seja porque evita-se a proliferação indiscriminada de certificadoras de programas de integridade, seja porque é possível criar métodos confiáveis para a tomada de decisões.

 

Acredita-se, assim, que o Selo Infra + Integridade não servirá apenas como uma marca ou um material de divulgação, mas sim como um instrumento útil para que a administração pública, em especial o Ministério da Infraestrutura, atinja a sua finalidade de modo transparente e eficiente.

 

*Paulo Henrique Dantas é sócio do Castro Barros Advogados e especialista em infraestrutura e direito público.

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