As mudanças no setor de fusões e aquisições do pós-pandemia

A pandemia pode provocar a evolução da concepção de como serão avaliados os negócios/Unplash
A pandemia pode provocar a evolução da concepção de como serão avaliados os negócios/Unplash
O uso de tecnologias será mais presente nas negociações e os acordos cara a cara se tornarão menos habituais.
Fecha de publicación: 01/06/2020
Etiquetas: Brasil

Todos com uma certa idade se lembram exatamente onde estavam e o que estavam fazendo em 11 de setembro de 2001. Crises econômicas já nos ajudaram a refinar processos e cláusulas de garantias em operações. Fraudes corporativas e escândalos de corrupção nos ajudaram a refinar práticas de compliance e cláusulas anticorrupção. Essas crises provocaram também reformas legislativas e regulatórias, bem como revisão de procedimentos de fiscalização das autoridades competentes.

 

No entanto, até a pandemia da Covid-19, somente o ato terrorista de 2001 provocou tantas mudanças comportamentais na sociedade. Alteraram-se protocolos de aeroportos e portarias, relações internacionais governamentais e comerciais e cláusulas de declarações e garantias em contratos e operações de financiamento e aquisições. Passou-se a exigir maior transparência e garantias quanto a origem dos recursos utilizados em tais operações, assim como práticas do tipo know your client.

 

A Covid 19 já providenciou a inclusão das palavras “epidemia” e “pandemia” ao lado de “atos terroristas” e “catástrofes naturais” no verbete de definições de cláusulas de efeito material adverso e de fatores de risco, contribuindo para a introdução de mecanismos de alocação de risco mais complexos nos quais há uma expansão da lista de ocorrências que fogem do controle da empresa alvo.

 

Ao lado dessas cláusulas, podemos ver discussões sobre cláusulas que permitem a rescisão do contrato mediante pagamento de multa (break up fee), bem como o estabelecimento de diferentes prazos para a conclusão das operações (long stop dates ou drop dead dates) e de cláusulas que determinam a rescisão do contrato (termination clauses), nos casos envolvendo pandemias e epidemias.

 

A sessão de declarações e garantias que normalmente contém disposições sobre propriedade dos ativos, capacidade e autoridade, compliance com normas ambientais, tributárias e trabalhistas, entre tantas outras, também pode esperar mais um acréscimo em relação a planejamento para situações de contingências ou calamidades e preparação do TI da empresa para lidar com problemas relacionados à privacidade de dados e à segurança digital.

 

Empresas podem aproveitar o momento para fazer reorganizações internas e buscar oportunidades e sinergias para otimizar o resultado. No entanto, espera-se também operações de M&A e consolidação de mercado, incluindo compra e venda de empresas, como ocorreu pós crise do subprime em 2008, levando-se em consideração o momento de fragilidade de certas empresas e o aumento do poder de barganha dos compradores.

 

A pandemia pode provocar a evolução da concepção de como serão avaliados os negócios. O valuation das empresas também passará a levar em consideração a resiliência do setor no qual a empresa se insere diante de eventos que causem o distanciamento social e a atuação remota dos colaboradores. As empresas que são muito suscetíveis a efeitos adversos poderão ser impactadas negativamente na precificação de seus negócios.

 

Em razão disso, a cautela agora vai exigir que o foco seja dado em due diligence, tanto do lado do vendedor quanto do comprador.

 

Vendedores devem se preocupar em: organizar a casa, fazer due diligence interna para mitigar passivos e contingências, revisar seus contratos e maximizar o valor do seu negócio; definir os ativos, clientes e fornecedores relevantes para a manutenção e cuidado com esse relacionamento; digitalizar documentos, uma vez que o risco de ter algum documento em locais interditados já se mostrou um problema que tem afetado as operações de M&A realizadas atualmente; verificar sistemas de tecnologia adequados para videoconferência, proteção de dados e segurança da informação; montar data room previamente e preparar a equipe interna e advisors externos para melhor tomada de decisão; definir prioridades, critérios e parâmetros para não deixar a pressa sobressair ao valor do negócio; identificar potenciais compradores estratégicos e avaliar a capacidade financeira do potencial comprador; e avaliar a estrutura de governança no caso de investidores financeiros que normalmente são atraídos por empresas em situações de dificuldade financeira.

 

O vendedor precisa contar a estória de sua empresa para o comprador sobre como era antes da pandemia e como pode se recuperar.

 

Compradores precisarão: avaliar os riscos relacionados à atividade da empresa e ao setor no qual ela se insere para considerá-los no valuation do negócio e definir o apetite ao risco e as respectivas garantias que serão alvo de longas discussões e verificação, já que vendedores em situação financeira delicada podem oferecer garantias de indenização por passivos pretéritos bem limitadas.

 

Ter o recurso disponível em caixa será definitivamente uma vantagem em processos competitivos e para obtenção de um melhor preço. A due diligence do comprador terá como prioridade questões que afetam diretamente o valuation do negócio, como a propriedade dos ativos, os ônus e gravames sobre estes, os contratos da empresa alvo e o impacto destes no caixa da empresa, os direitos dos empregados, se houve demissões em decorrência da Covid-19, alterações de condições de trabalho, remuneração, banco de horas, questões de saúde e segurança do trabalho.

 

Aspectos regulatórios também devem ser objeto de cuidado, devido a mudanças legislativas mais restritivas. O comprador deverá se preocupar com a existência de dívidas e com as condições e garantias dos financiamentos, além de eventual necessidade de anuência de credores e fornecedores.

 

Discussões acerca da forma de pagamento também serão mais comuns, prevendo diferimento e condicionando o pagamento a diversos fatores, tais como relacionados à capacidade de geração de fluxo de caixa, manutenção de contratos relevantes ou volume determinado de pedidos de compra, encerramento de restrições de isolamento ou lockdown etc. Ajustes de preço pós closing se colocam ainda mais relevantes do ponto de vista de caixa.

 

As cláusulas de earn-out que já eram antigas inimigas de muitos e que em muitos casos desaguavam em disputas arbitrais ou judiciais serão ainda mais escrutinadas para definição das metas e parâmetros para pagamento do earn out com base em eventos específicos.

 

Aquela imagem do negócio fechado com um aperto de mão está cada vez mais congelada em preto e branco em nossa memória e distante do contemporâneo. O uso de tecnologias se tornará mais presente nas negociações, de forma que as tratativas cara a cara se tornarão gradualmente menos habituais.

 

Antes da pandemia, contratos e operações já eram fechados por meio de assinaturas digitais. Essa situação certamente será mais recorrente pós pandemia. Ferramentas tecnológicas e precedentes judiciais oferecem segurança técnica e jurídica. Videoconferências para negociações prévias também substituirão muitas (mas não todas) reuniões presenciais, reduzindo custos e horas perdidas com deslocamentos. 

 

Provavelmente, teremos menos cerimônias de signing e closing com bombons e champagne e passaremos a ter mais emojis de palminhas. Menos glamour, mas mais segurança, saúde e economia. Viva o novo normal e segue o business.

 

*Ana Paula Terra Caldeira é sócia e Pedro Antônio Bahia Claudio é estagiário do departamento de M&A da Azevedo Sette Advogados em Belo Horizonte.

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