Mulheres encarceradas: principais medidas adotadas no Brasil

A taxa de encarceramento no Brasil é terceira no mundo/Unplash
A taxa de encarceramento no Brasil é terceira no mundo/Unplash
Confira o panorama sobre as mulheres privadas de liberdade no contexto da pandemia.
Fecha de publicación: 22/06/2020
Etiquetas: direito

Em iniciativa liderada pelo Cyrus R. Vance Center for International Justice e a Penal Reform International este artigo integra pesquisa do projeto Women in Prison, que reúne organizações e indivíduos engajados com a pauta do encarceramento feminino em todo o mundo. O seu objetivo é trazer informações sobre o impacto da pandemia do novo coronavírus a mulheres encarceradas no Brasil e apoiar a estratégia internacional de advocacy dessas organizações, com atenção especial ao Sul global. 

A análise, feita pelo escritório Mattos Filho, em colaboração com a associação Elas Existem – Mulheres Encarceradas, sediada no Rio de Janeiro apresenta um panorama sobre as mulheres privadas de liberdade no Brasil no contexto da pandemia da Covid-19, notadamente quanto ao aprofundamento das vulnerabilidades e as violações de direitos a que estão expostas. 

A reunião de dados exaustivos sobre a população carcerária no Brasil – cuja taxa de encarceramento é terceira no mundo, com população carcerária de aproximadamente 37 mil mulheres (Infopen/dezembro 2019) – representa um enorme desafio. O país tem dimensões continentais e os 26 Estados e o Distrito Federal apresentam realidades políticas, econômicas e culturais extremamente diversificadas.

 

A administração penitenciária é de competência dos estados da federação, o que significa que, apesar de haver diretrizes federais estabelecidas pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), os recursos, a população encarcerada e os processos decisórios são diferentes em cada estado.

 

Esta realidade dificulta a obtenção de informações fidedignas e atualizadas a respeito da situação de cada um dos estados, e ainda mais de cada uma das unidades prisionais, gerando, entre outros motivos, problemática histórica na produção de dados a respeito do tema, considerando que, muitas vezes, tal produção se dá mediante metodologias e rotinas de atualização distintas, o que torna os dados e respectivos indicadores inconsistentes para um diagnóstico preciso acerca das condições do sistema penitenciário brasileiro e a proposição de medidas de melhoria e de políticas públicas sobre o tema. 

 

A situação do sistema penitenciário brasileiro já foi reconhecida em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como um "estado de coisas institucional" no julgamento dos pedidos liminares da Arguição de Preceito Fundamental nº 347, em que a Corte elencou entre outros problemas a superlotação, condições desumanas de custódia e violação massiva de direitos fundamentais decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas. Os fatos que respaldavam as afirmações do ministro relator Marco Aurélio podem ser resumidos no trecho abaixo.

 

"A maior parte desses detentos está sujeita às seguintes condições: superlotação dos presídios, torturas, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida imprestável, falta de água potável, de produtos higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle quanto ao cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual".

 

"[...] Os presídios e delegacias não oferecem, além de espaço, condições salubres mínimas. Segundo relatórios do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, os presídios não possuem instalações adequadas à existência humana. Estruturas hidráulicas, sanitárias e elétricas precárias e celas imundas, sem iluminação e ventilação representam perigo constante e risco à saúde, ante a exposição a agentes causadores de infecções diversas".

 

"As áreas de banho e sol dividem o espaço com esgotos abertos, nos quais escorrem urina e fezes. Os presos não têm acesso a água, para banho e hidratação, ou a alimentação de mínima qualidade, que, muitas vezes, chega a eles azeda ou estragada. Em alguns casos, comem com as mãos ou em sacos plásticos. Também não recebem material de higiene básica, como papel higiênico, escova de dentes ou, para as mulheres, absorvente íntimo". 

 

"[...] O sistema como um todo surge com número insuficiente de agentes penitenciários, que ainda são mal remunerados, não recebem treinamento adequado, nem contam com equipamentos necessários ao desempenho das próprias atribuições".

 

A situação pouco mudou desde esse reconhecimento pelo STF. No caso das mulheres encarceradas, a situação é igualmente grave, consideradas as especificidades de gênero pertinentes à sua segregação. A avaliação quanto às falhas estruturais do sistema carcerário feminino foi reforçada pelo STF quando do julgamento do habeas corpus coletivo nº 143.641 em fevereiro de 2018.

 

Diante das dificuldades de monitoramento presencial durante as medidas de isolamento impostas pela pandemia e da fragilidade dos dados oficiais, as informações apresentadas nesse informativo são provenientes de:

  • Sites oficiais das secretarias estaduais de administração penitenciária;
  • Recomendação nº 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicada em 17/03/2020;
  • Informações prestadas pelas Corregedorias de Justiça dos estados nos autos do habeas corpus coletivo nº 143.641;
  • Painel de monitoramento de medidas adotadas para prevenção do coronavírus no sistema penitenciário por unidades federativas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen);
  • Resolução Conjunta da Secretaria Estadual de Saúde (SES)/Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) nº 736 do Rio de Janeiro que apresenta recomendações para prevenção e controle de infecções pelo novo coronavírus a serem adotadas nas unidades prisionais do estado;
  • Resolução Seap nº 804 do Rio de Janeiro que estabelece rotinas de funcionamento dos órgãos de administração penitenciária para enfrentamento da emergência de saúde provocada pelo coronavírus;
  • Levantamento feito pela organização "Elas Existem" a partir do contato direto com familiares de mulheres custodiadas, advogados e defensores públicos que têm acesso às unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro;
  • Denúncias e levantamentos realizados por organizações da sociedade civil dedicadas ao tema.

Ressalta-se que parte significativa das respostas foi elaborada com base nas recomendações feitas pelo CNJ e por Tribunais de Justiça às administrações estaduais, o que não garante que medidas tenham sido efetivamente tomadas. 

 

Considerando o trabalho "em campo" realizado pela organização "Elas Existem", algumas informações apresentadas são resultantes do contato com familiares de presas, agentes do sistema prisional, defensores públicos e advogados que mantiveram visitas a unidades prisionais, bem como da atuação de grupos como o Comitê Estadual para a Prevenção e Combate à Tortura, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

 

*Flavia Regina de Souza Oliveira é sócia e Bianca Waks advogada do escritório Mattos Filho.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.