O Brasil perdeu a competitividade?

Saída da montadora mostra que é preciso pensar na produtividade do trabalhador brasileiro/Unsplash
Saída da montadora mostra que é preciso pensar na produtividade do trabalhador brasileiro/Unsplash
Ford não é a única empresa a sair do país nos últimos anos
Fecha de publicación: 13/01/2021

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Nesta semana a montadora Ford pegou muitos brasileiros, alguns bastante nostálgicos, com a notícia de que a empresa sairia do Brasil fechando as três fábricas remanescentes, após o fechamento da de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (SP). 

Algumas lágrimas de lamentos nostálgicos daqueles que carregam a letra “R” ao falar, herança de um passado desenvolvimentista às custas de endividamentos externos e domésticos e um pouco de carrego, quase orgulhoso quando mencionam ícones da televisão como “RRReporter Esso” e Vigilante Rrrrodoviário”. Mas vamos aos fatos. 

Como dizia o saudoso Nelson Rodrigues: “Cansa demonstrar o óbvio”. Mas às vezes para aqueles que não estão inseridos em busca de fatos e evidências empíricas sobre a falta de competitividade da “nossa” indústria brasileira, talvez a notícia tenha sido não tão surpreendente assim. Mas por que uma empresa multinacional símbolo do desenvolvimentismo brasileiro do início do século XX resolveu abandonar o Brasil tão inesperadamente? Pois é. Nesse ponto que entra a lucidez de Nelson Rodrigues e a não tão surpreendente decisão da Ford e de outras montadoras, que já saíram ou nem entraram no Brasil. 

Corações apaixonados ao alto, mas razoavelmente postos no chão da compreensão econômica, o que levaria a um êxodo tal marcante assim? Símbolo da pujança do Brasil no passado? Resposta: competitividade. 

Mesmo que explicações estratégicas preferidas pela alta direção da montadora não devam ser desmerecidas, mas o presente texto busca lançar luz em como a produtividade da indústria brasileira vem perdendo competitividade ao longo dos anos para outros países. 

O economista Robert Solow, ganhador do prêmio Nobel de economia de 1987, pai da economia de desenvolvimento, teve seu trabalho voltado ao crescimento econômico, provando que um país depende de mais coisas além do “trabalho e o capital” para se ter uma economia saudável. Para não nos estendermos demais, Solow afirmou que a produtividade total dos fatores (PTF) ou resíduo de Solow, seria o ponto chave para a produtividade e o crescimento de uma nação.

Cometendo o sacrilégio de extrapolar seus pensamentos sobre nações para indústrias, ouso dizer que a produtividade da indústria brasileira foi a principal causa macroeconômica e não microeconômica da saída da Ford do Brasil. Teoricamente para uma nação crescer, ou segmento econômico, ela precisa de produtividade do trabalho ou trabalhador e produtividade do capital.

Podemos resumir a produtividade do trabalhador como sua capacidade em produzir cada vez mais com menos insumos. Óbvio que um aumento de produtividade só virá com níveis adequados de educação, principalmente primária e técnica, bem como treinamentos. 

Analisemos, portanto, o nível de produtividade de nossos trabalhadores de 1960 a 2018, com dados do Conference Board, como mostra a tabela a seguir: 

Fig.1. Produtividade do Trabalho (em US dólares de 2016) – Output per employed

 

 

Fonte: The Conference Board

Nota-se que, comparativamente, a produtividade do trabalhador brasileiro, como estimada pelo Conference Board, ficou bastante aquém da produtividade dos trabalhadores japoneses, coreanos, americanos e quase atingindo a mesma produtividade dos chineses até o ano 2018. 

Macroeconomicamente, podemos dizer que uma menor produtividade do trabalho não necessariamente prejudica a competitividade de um segmento econômico. Tal afirmação só é verdadeira se o custo do trabalho for maior que a produtividade do trabalhador. Como assim? A constatação é simples. Vamos assumir um cenário básico, onde se produza um único bem e a empresa tenha um único trabalhador, que tenha uma produtividade de 1 máquina produzida por mês.

Mas dada a educação absorvida, seu aumento de produtividade (produto produzido por trabalhador) tenha atingido 1,5 máquinas por mês. Se o empresário aumentar o salário desse trabalhador em 50%, note como a demanda aumentaria em 50% (assumindo nenhuma poupança) e a oferta também em 50%, sem prejuízo para o nível de preços e nem para a margem da empresa.

Agora imaginemos que esse mesmo trabalhador receba um aumento salarial real (acima da inflação) de 70%, ou seja, acima da sua capacidade produtiva. Nesse caso, teríamos um aumento da demanda maior, porém um custo empresarial incompatível com a empresa. Ou seja, aumentos salariais acima da produtividade do trabalhador em um cenário competitivo tornam a empresa menos competitiva resultando em menores lucros acumulados e consequentemente menores dividendos a serem remetidos à matriz e ou menor capacidade de reinvestimentos.

Talvez possamos discordar do estudo efetuado pelo conference board e utilizarmos os dados da International Labour Organization (ILO), que mostra o crescimento anual da produção per capita do trabalhador brasileiro e o aumento do salário mínimo nominal e o IPCA anual (IBGE): 

Fig.2, Comparação Produtividade do trabalhador brasileiro vs salário mínimo real

Fonte: https://ilostat.ilo.org/topics/labour-productivity/ e IBGE 

Ora, mesmo utilizando outra base de dados, dessa vez proveniente do ILO, podemos perceber que enquanto a produtividade do trabalhador de 2010 a 2019 subiu apenas 4.1%, o salário mínimo real subiu 11.36% (1.96/1.76), ou seja, dada uma produtividade menor dos trabalhadores comparados com seus salários reais, as empresas ficaram menos competitivas. Isso sem falar nos encargos sociais que praticamente dobram os custos trabalhistas no Brasil.

Mesmo com eventuais regozijos de ganhos de sindicatos trabalhistas, o fato é que alguns setores econômicos do Brasil perderam competitividade, quando comparados com o custo trabalhista. Como não existe almoço de graça, a lucratividade desses mesmos segmentos econômicos, tudo o mais constante, será reduzida. 

Mas por que a produtividade da mão de obra do Brasil não cresce? Muitos diriam falta de inovação, recursos para pesquisa e desenvolvimento. Ninguém está errado. Mas antes de chegarmos à lua seria importante que nossa mão de obra, em sua grande maioria, fosse capaz de entender uma opinião jornalística ou conduzir operações básicas de matemática, o que não é o caso. Tome, por exemplo, a nossa posição na prova do Pisa conduzido pela OCDE a cada 3 anos.

Na prova conduzida em 2015, dentre 73 países, o Brasil alcançou o 68º lugar em matemática, 62º lugar em leitura e 66ª posição em ciências[1]. Estamos à frente em educação apenas de países como Kosovo, Argélia, Tunísia e República Dominicana, entre outras estrelas. A OCDE ainda estima o tempo necessário para que o Brasil atinja o nível de leitura apresentado por um país da OCDE: Impressionantes 260 anos, seguindo o trajeto atual. 

Mas seria só o nosso problema de produtividade do trabalhador versus ganhos acima da produtividade a possível razão da nossa parca competitividade industrial? Longe disso. 

Não apenas a produtividade do trabalho importa para a competitividade de um segmento econômico, mas também a competitividade do capital. Ou seja, uma indústria para ser competitiva não basta sê-la apenas dos portões da fábrica para dentro, mas também dos portões da fábrica para fora. Nesse caso, podemos jogar um pouco de luz sobre a condição da nossa infraestrutura.

Sim, pois estradas esburacadas, falta de meios de transportes confiáveis, alternativas eficientes, tudo isso acaba prejudicando a produtividade do produto final, pois seus custos logísticos de distribuição, cadeias produtivas e outros acabam afetando o preço de equilíbrio para as indústrias. 

As figuras abaixo mostram o nosso posicionamento no quesito infraestrutura de acordo com o Global Competitiveness Report (2015/2016): 

Comparação de Infraestrutura (Ranking de 140 países) 

 Fonte: World Economic Forum – The Global Competitiveness Report (2015/2016) 

Entretanto, se ainda assim quisermos buscar outras fontes de informação, podemos tê-las pelo IMD Business School for Management. 

Estudo do (IMD) RANKING DE COMPETITIVIDADE

Comparação entre 63 países 

Fonte: IMD (2017). World Competitiveness Center

O IMD faz o ranking usando 260 indicadores, sendo 2/3 de dados como emprego, abertura comercial, custo de capital e outros. O outro 1/3 vem de 6.250 respostas a uma sondagem junto a executivos internacionais para medir a percepção sobre questões como corrupção, meio ambiente, qualidade de vida, rule of law, etc.  

Mas se um dos problemas parece ser infraestrutura, tanto o setor privado e o setor público, apesar da falta de recursos, deveriam endereçar esse problema que tanto afeta a competitividade das nossas indústrias. 

A figura a seguir mostra o quanto o Brasil investiu em infraestrutura, em média, entre 1994 e 2014 em percentuais do PIB e o quanto o país precisa investir apenas para manter intacto o estoque de infraestrutura existente, ou seja, repor a depreciação acumulada. De 1994 a 2014, o Brasil investiu em média 2,2% do PIB ao ano em infraestrutura, sendo que o mínimo necessário seria de 3,2% ao ano, apenas para manter o estoque intacto. Se quisermos realmente melhorar nossa infraestrutura, o país precisaria mais do que dobrar seus investimentos, alcançando 5,5% do PIB até 2030 ou pelo menos R$ 400milhões ano, sendo que em 2016 investimos apenas R$122 milhões. 

 

Infraestrutura: Para atingir a média mundial, até 2030, o Brasil precisará mais do que dobrar seus investimentos em infraestrutura (% PIB). 

Ou ainda podemos mostrar a situação (2018) da nossa infraestrutura de acordo com os transportes modais, também comparado com outros países. 

Fonte: InterB 

Isso sem mencionar a enorme carga tributária que as empresas localizadas no Brasil ainda padecem. Pior ainda. Dada a enorme confusão, burocracia, envolvimento de várias instâncias governamentais, o Brasil é um dos países que mais gasta em tempo para estimar o quanto precisa pagar em impostos, como mostra a figura a seguir:

 

Enquanto os Emirados Árabes gastam por ano apenas 12 horas e o México 240 horas anuais para calcularem os impostos a serem pagos, o Brasil necessita de uma legião de contadores, advogados tributaristas, que compõem impressionantes 1,958 horas por ano. Isso representa custo e menor competitividade para as empresas. 

Engana-se ainda que, dentre outros fatores, o Brasil precisa investir mais em educação para melhorar a produtividade do trabalhador. Por incrível que pareça, o Brasil é um dos países que mais investe em educação do mundo em percentual do PIB. Aproximadamente 6% do PIB, veja a tabela a seguir: 

Quanto outros Países investem em educação? (% PIB)

Fonte: Giambiagi e Castelar Pinheiro (2012): “Além da Euforia” – PG. 115. Ed. Campus 

Alguns ainda poderiam dizer que gastos por PIB não representam fielmente o quanto o Brasil investe em educação (???) e que o certo seria verificar o dispêndio por estudante. Nada mais justo. Mas entendo que, mesmo não sendo um expert em educação, acredito que grande parte da verba destinada à educação e consequentemente à melhoria da produtividade de nossos trabalhadores deveria ser alocada no ensino fundamental ao invés do superior. Afinal, ensinar as quatro operações básicas de matemática e a compreensão correta de um texto são, na minha opinião, elementos cruciais para o sucesso profissional e universitário. Entretanto, não é o que acontece no Brasil. 

Gastos com Educação por ano por estudante (US$) - 2016

 

 Fonte: Todos pela educação 

Enquanto os países mais desenvolvidos investem mais no ensino fundamental, o Brasil estranhamente prefere alocar a maior parte dos recursos no ensino superior. Talvez poderíamos dizer que o setor de educação há tempos vem sofrendo de uma falta de trajetória estratégica e que seria fundamental sua correção para a produtividade dos trabalhadores brasileiros. 

Infelizmente, o espaço é curto, mas certamente as razões macroeconômicas que levaram a Ford e outras empresas a saírem do Brasil não podem ser resumidas a estas expostas nesse texto. Poderíamos ainda desenvolver enormemente os nossos problemas quanto à falta de segurança jurídica, corrupção, falta de acordos comerciais com outros países colocando o Brasil na rota de cadeias de suprimento e menor carga tributária.

Roberto Dumas

Mas essa última acaba subindo também em partes pelos generosos subsídios oferecidos a várias empresas, que buscam benesses do governo para competir em um cenário como este, ajudando também a destituir o caixa do governo para que equilibre esses problemas estruturais que perduram há mais de um século. 

Como se vê, competir e dar certo no Brasil não é fácil.

*Roberto Dumas é economista e professor do Insper e do Ibmec.

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