Os depoimentos de Mandetta e Teich na CPI da Covid

Preferiu-se divergir da ciência, politizar a questão e apoiar-se em influência familiar paralela/ Marcos Corrêa/PR
Preferiu-se divergir da ciência, politizar a questão e apoiar-se em influência familiar paralela/ Marcos Corrêa/PR
Comissão faz a defesa dos interesses sociais e individuais dos brasileiros e da ordem jurídica.
Fecha de publicación: 06/05/2021

Os depoimentos prestados pelos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich à Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia do novo Coronavírus foram contundentes e seus conteúdos colaboraram sobremaneira com o início das investigações.

Com efeito, a instalação da CPI tem o apoio de significativa parcela da população brasileira no sentido de que as noticiadas omissões do Governo Federal acerca do implemento de políticas públicas ágeis e de caráter nacional para conter a disseminação da Covid-19 sejam plena e satisfatoriamente esclarecidas.


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Até porque, o cenário inercial divulgado é afligente, posto que notabilizado por seu caráter ideologizado e pelo posicionamento negacionista acerca da gravidade do estado de calamidade da saúde pública, e, principalmente de seus deletérios efeitos sobre a vida do povo.

A investigação também ostenta, com vigor, pleno respaldo político a perfilar a defesa dos interesses sociais e individuais e ordem jurídica, com o fito de que a apuração final possa responsabilizar de forma pessoal os agentes políticos e servidores públicos que tenham incorrido em inescusável paralisação do dever de agir para evitar o recrudescimento da tragédia anunciada: a morte acachapante de milhares de brasileiros.

Não por outro motivo, constitui - no regime democrático - direito inalienável dos cidadãos o direito à informação, e, portanto, o direito de conhecer a verdade sobre os fatos que tanto prejudicam suas vidas e de seus familiares, de sorte que a composição dos membros da CPI  – relativamente distanciada da maioria daqueles que apoiam as ações do Governo Federal – assegura a participação ativa das minorias parlamentares no processo da investigação legislativa, dotada de poderes próprios das autoridades judiciais para fiscalizar os órgãos e agentes do Estado.

Bem por isso, o depoimento do ex-ministro Mandetta, na qualidade de testemunha trouxe à baila dados e informações importantes, que, se não causaram estarrecimento maior, confirmaram o comportamento omisso e conflitante já conhecido do governo federal no combate da pandemia.

Como se viu, exemplo disso, foram os sucessivos aconselhamentos junto ao presidente da República para que alterasse seu posicionamento a fim de que se pudesse evitar – já em março de 2020 – o agravamento da crise sanitária e o colapso do sistema de saúde, que, de sua parte, preferiu contrariar as recomendações do ex-ministro (embasadas por especialistas, cientistas e autoridades em saúde) e negar apoio do Governo Federal.

Preferiu-se divergir da ciência, politizar a questão e apoiar-se em influência familiar paralela.

Assim também, cuida-se de fato grave a narrativa sobre a opção do Governo por não fomentar, naquele momento, o engajamento consistente na realização de uma campanha nacional de conscientização da população, escolhendo, ao invés disso, estimular o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença, com esdrúxula proposta de alteração da bula da cloroquina para proposição de sua indicação ao tratamento da Covid-19, cujo uso, até os dias de hoje, é rejeitado pela comunidade científica mundial.

Isso sem falar na demora no fechamento dos contratos com a indústria internacional para a compra de imunizantes, que, nas palavras de Mandetta, teriam – caso contratados a tempo e modo tempestivo – minimizado os efeitos da segunda onda da pandemia.

Na mesma linha seguiu-se o depoimento de Nelson Teich, que, apesar de sua efêmera passagem no comando do Ministério da Saúde, pode revelar a recalcitrância negativa do governo federal quanto ao planejamento e a execução estratégica de programas de controle de transmissão da doença e de ações de enfrentamento da pandemia.

Negligências essas também evidenciadas pela preferência da tese de imunidade de rebanho em detrimento da compra de imunizantes, que culminaram com o pedido de demissão do ex-ministro, ante a falta de autonomia e de divergências insolucionáveis do ponto de vista técnico-científico, como a insistência, mais uma vez, no uso da cloroquina no tratamento dos doentes.

Enfim, apesar de todos os entraves provocados pelos governistas, os trabalhos da CPI caminham bem e cumprem seu papel republicano, exprimindo concordância ao postulado constitucional que visa diretamente à preservação da saúde – direito universal assegurado no artigo 6º da Constituição Federal -, posto que o cidadão não pode (ante a inércia do Estado) ser lançado à própria sorte, uma vez que em jogo a proteção ao mais importante bem jurídico, qual seja, o direito à vida, de que trata o artigo 5º da Carta da República.


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Espera-se que as conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito sejam remetidas ao Ministério Público para que o órgão promova a responsabilização civil e criminal dos infratores, tendo em vista que parece irretorquível, até aqui, a constatação de que o governo federal agiu e vem agindo de maneira inadequada, vez que dissociado o verdadeiro propósito de minimizar perdas, proteger a população e salvar vidas.

*Adib Abdouni é advogado criminalista e constitucionalista do Adib Abdouni Advogados.

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