Os dez anos da Lei da Ficha Limpa e o combate à corrupção

Lei mantém o caráter democrático do sistema eleitoral e do Estado Democrático de Direito brasileiro/Pixabay
Lei mantém o caráter democrático do sistema eleitoral e do Estado Democrático de Direito brasileiro/Pixabay
A maior bandeira levantada em sua promulgação, o combate à corrupção, ainda não foi alcançada como esperado.
Fecha de publicación: 09/06/2020
Etiquetas: Brasil

A Lei Complementar nº. 135 de 2010, a mais grandiosa lei brasileira oriunda de um projeto de iniciativa popular, conhecida como Lei da Ficha Limpa, completa dez anos de sua vigência. São dez anos promovendo um processo eleitoral mais justo e democrático ao punir políticos considerados corruptos com a inelegibilidade por oito anos.

A norma proíbe a eleição a cargos públicos de candidatos condenados por decisão transitada em julgado ou por órgãos colegiados da Justiça (tribunal). Além disso, corrobora com a redução de ingressos de pessoas que já foram condenadas por crimes contra a administração pública. Mas a maior bandeira levantada em sua promulgação, o combate à corrupção, ainda não foi alcançada como esperado.

A origem do projeto se deu com A campanha "Combatendo a corrupção eleitoral", ainda nos anos 1990. A pressão midiática e o momento que o Brasil vivia no momento ajudaram em muito a maior carga de importância da proposta.

À época, a campanha de coleta de assinaturas para o projeto de lei foi liderada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que é o maior colégio de líderes da Igreja Católica no país. Em 2009, o Brasil vinha passando por um processo de fortalecimento das instituições como Ministério Público e Polícia Federal, fortalecimento que também somou os esforços para aprovação da Lei da Ficha Limpa.

Ainda assim, a lei demorou para de fato ser promulgada. A sua articulação se iniciou quase dez anos antes e o tema foi palco de grandes debates e mobilização social.  Quando a Lei da Ficha Limpa se tornou um “consenso nacional”, sua redação foi aprovada por unanimidade no Congresso Nacional. Algo ainda raro de se ver.

É certo que durante todos os anos em vigor, a Lei da Ficha Limpa promoveu uma mudança significativa para impedir que possíveis candidatos corruptos, inclusive condenados por determinados atos ilícitos, participassem do processo eleitoral. Entretanto, infelizmente, não há um instrumento capaz de medir o verdadeiro impacto da norma para a corrupção nas eleições e mandatos no Brasil.

Ocorre que a corrupção é um fenômeno que ultrapassa a esfera dos cargos ocupados por meio de eleição e voto dos cidadãos. A Lei da Ficha Limpa é apenas uma das ferramentas de combate à corrupção. Além disso, a corrupção não existe apenas nos representantes do povo eleitos por voto.

O chamado jeitinho brasileiro permitiu, nesses últimos anos, um legado dos chamados "candidatos-laranja", pois se um político está impedido pela Lei da Ficha Limpa de se candidatar, mas não deseja sair do poder, outra pessoa em nome dele acaba assumindo determinado cargo.

Mas vale ressaltar que os escândalos de corrupção trazidos a público nos últimos anos não guardam relação com a Lei da ficha limpa, pois, em regra, são crimes cometidos antes de sua vigência e por pessoas que eram ficha limpa mesmo antes da vigência da lei.

A lei apenas limita o acesso à concorrência de cargos públicos, cujo ingresso ocorra por meio de eleições e voto do cidadão. Com isso, ela mantém o caráter democrático do sistema eleitoral e do Estado Democrático de Direito brasileiro. Esse filtro exercido por ela ajuda a melhorar a qualidade dos representantes dos eleitores e, em tese, os serviços por eles prestados, já que são pessoas sem mácula de conduta.

Porém, vale ressaltar que a maioria dos candidatos que tiveram seu registro indeferido por conta da Lei da Ficha Limpa conseguiram decisões liminares que autorizavam a sua candidatura sub júdice. Nas eleições de 2018, por exemplo, ocorreram situações em que o candidato com condenação colegiada, mas não transitada em julgado, teve sua candidatura autorizada, conseguiu votos suficientes para ser eleito, mas não assumiu o mandato.

Acredito que esta situação acaba fragilizando a democracia no imaginário popular, pois o cidadão médio acaba tendo dificuldade de entender o motivo do seu candidato ter tido o registro deferido, mas não ter a sua diplomação e posse.

É necessário não continuarmos apostando somente na Lei da Ficha Limpa para o combate à corrupção nas eleições e por políticos. É preciso mais normas eficazes e mais punição. De toda forma, a iniciativa popular demonstrou que é capaz de mudar rumos do país e traçar perspectivas para um Brasil melhor.

*Fernando Parente é advogado sócio do Guimarães Parente Advogados.

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