Repensemos a gestão de riscos no mercado jurídico

O coronavírus levantou uma nova questão: fomos capazes de prever esse evento? / Pixabay
O coronavírus levantou uma nova questão: fomos capazes de prever esse evento? / Pixabay
O coronavírus levantou uma nova questão: fomos capazes de prever esse evento? / Pixabay
Fecha de publicación: 03/05/2021
Etiquetas: Gestão LexLatin

Sempre foi difícil olhar a mesma bola de cristal e prever mudanças futuras no mercado jurídico. Contudo, depois dos acontecimentos de 2020, isto se acentuou ainda mais. Acreditávamos ou esperávamos que os acontecimentos progrediriam mais ou menos de forma linear, ou seja, de maneira previsível. A todos os efeitos, adaptamos certas mudanças inesperadas quanto à velocidade que ocorrem os eventos, assim como pequenos saltos no seu desenvolvimento - mas só os necessários. Reitero: isto era válido até antes mesmo do momento atual.

 

Cisnes brancos ou negros? Ou simplesmente cinzas?

 

O coronavírus levantou uma nova pergunta: fomos capazes de prever este evento? E nos preparamos para ele de maneira equivocada? As pessoas logo especularam se tratava de um evento absolutamente único e imprescindível e de grande impacto, ou seja, o conceito de cisne negro proposto por Nassim N. Taleb. Isto serviria para justificar nosso fracasso ao lidar com a pandemia e evitar ter que apontar os culpados. Mas quanta certeza se requer para que um cisne negro se converta em um cisne cinza ou inclusive um branco?

 

Se considerarmos que existiam vastos estoques de etanol e máscaras (que alguns países reduziram pois não consideravam útil), poderíamos especular que alguém alguma vez pôde considerar a possibilidade de uma epidemia ou, inclusive, de uma pandemia. Então, isso significa que estamos vendo um cisne branco ou, quando menos, um cinza?

 

O ponto crucial da gestão do risco está precisamente em olhar para o futuro e também considerar o impensável.

 

Como ocorreu esta reavaliação equivocada? Para poder explicar isso, teríamos que recorrer a ajuda das duas categorias clássicas da gestão de riscos. Parece que avaliamos a ocorrência do evento e do potencial de dano concomitante como menos grave do que realmente era - possivelmente chegamos a essa conclusão nos baseando em uma observação historicamente condicionada. Porém, o ponto crucial da gestão de risco está precisamente em olhar para o futuro e também considerar o impensável.

 

Pense com originalidade!

 

O coronavírus fez dolorosamente palpável o fato de que somos capazes de forçar ao mundo inteiro um confinamento e trabalhar de casa sem aviso prévio. O que mais poderia acontecer, então? Portanto, tomei esta pandemia como ponto de partida para uma discussão com meus estudantes sobre como repensar a gestão de riscos. Pedi que eles avaliassem o mercado jurídico em 2030 à luz de suposições, em vez de fazer uma simples extrapolação sobre a base de informação histórica.

 

Seremos capazes de ver todo o panorama e desde uma nova perspectiva se nos atrevermos a nos aventurar além de um ambiente acolhedor e seguro e nos animarmos a aceitar pensamentos problemáticos. Tenho muita curiosidade em ver o resultado deste trabalho.

 

Gestão de crise unicamente como plano B

 

Aqueles que descuidam sua gestão de riscos inevitavelmente se verão forçados a atuar como gestores de crise. Duas perguntas foram notáveis. Em primeiro lugar, que impacto teve a crise nos indivíduos: estavam bloqueados no que diz respeito ao pensamento e ao trabalho e simplesmente estiveram tratando de operar em piloto automático até o retorno da normalidade, ou a crise inspirou a inovar e iniciar mudanças?

 

E em segundo lugar, quanto tempo estarão dispostos a permanecer em modo de crise antes de aceitar uma nova forma de viver, com uma rotina comercial diária diferente e uma volta ao modo de gestão de riscos que prevalecia antes da crise? Enquanto estivermos operando em modo de crise, estaremos controlados por uma fonte externa e estaremos em modo de reação, lideraremos e comunicaremos de forma transacional. Este último fator, em particular, impactará diretamente as relações, especialmente nas relações de trabalho. Uma bonificação especial no final do ano não será suficiente para compensar o esforço excepcional e o compromisso demonstrado.

 

Apesar de tudo isso, deveríamos nos aventurar em contemplar a bola de cristal. Em primeiro lugar, posso vislumbrar três questões que caracterizarão este 2021: o dinheiro, as pessoas e a tecnologia.

 

Falemos de dinheiro

 

Desta vez, não se trata do habitual 10% de desconto, se não de uma pressão adicional exercida sobre os recursos. As empresas foram duramente golpeadas, o volume de negócios e de ganhos desabou. Quando a liquidez baixa, especialmente nesta velocidade e volume, é comparável com a perda de sangue de uma ferida, que deve ser contida de imediato. Portanto, as medidas de curto prazo em tempos de crises apontam para o controle de gastos dentro do balanço de perdas e ganhos, já que aumentar o volume de negócios para compensar a perda tomará muito mais tempo do que o disponível.

 

As medidas de redução de gastos também afetaram os escritórios de advocacia, que, por sua vez, transferirão essa pressão para seus advogados externos. Um conselho geral poderia reduzir os salários do pessoal jurídico e deixar alguns deles irem; no entanto, por diversas razões, esta não seria a solução mais conveniente.

 

Os cortes salariais e de pessoal implementados pelas grandes firmas de advogados dos Estados Unidos parecem ter compensado o déficit em volume de negócios, tanto que não só pagarão os bônus devidos no outono (segundo semestre no hemisfério norte), como também incluirão um bônus especial pela pandemia. Estar ciente de tudo isso facilitará aos clientes as negociações em torno das reduções de honorários. Não podemos passar por alto o papel primordial que tem o dinheiro para os advogados, o que poderia dificultar a discussão sobre a relevância da confiança e da experiência.

 

No entanto, o dinheiro não só afeta empresas e escritórios jurídicos. A crise também afeta economicamente os particulares. Eles pensarão duas vezes antes de contratar um advogado e, se o fizerem, esperarão concessões quanto à fixação dos honorários.

 

Em todo caso, agora os provedores de serviços legais alternativos (ALSP) estão tendo bastante êxito graças a sua proposta única de vendas (USP, sigla em inglês) expressada em seus honorários competitivos. Podemos especular quanto tempo levará para que os primeiros diretores de finanças (CFO) comecem a cada vez mais solicitar aos seus conselhos gerais a contratação deste tipo de provedores. E será ainda mais emocionante quando os provedores de serviços alternativos começarem a se concentrar nas pequenas e médias empresas (PMEs), em particular naquelas que não contam com departamento jurídico próprio.

 

As relações com as pessoas como chave para o êxito?

 

A reputação e as relações comerciais a longo prazo se forjam em uma crise ou se perdem para sempre. Isto não se aplica unicamente aos contatos com os clientes, mas também aos empregados de todos os níveis e ao mercado de contratação. No início da crise soubemos que as firmas postergaram a incorporação de advogados jovens (além de ordenar cortes salariais e dispensas), enquanto que outros provedores de serviços jurídicos começaram a capacitar seus advogados jovens através de programas virtuais e comunicação online, integrando-os desta maneira.

 

Uma linha de ação benéfica pode levar adiante o trabalho com ausência de contato físico; ou seja, com « distanciamento social». No entanto, requer que os advogados busquem forjar relações estreitas usando suas melhores habilidades sociais, mesmo que isto só possa ser feito digitalmente. A experiência do cliente segue sendo crucial.

 

A comunicação eletrônica persistente revelou a necessidade e a pertinência do contato humano e as pausas para o café. O modelo de trabalho de casa também demonstrou que a nova forma de trabalhar funciona e seguirá sendo perfeitamente desejável no futuro. Ainda assim, alguns gestores temem que isto faça com que eles percam o controle - embora os próprios advogados e gerentes queiram ser considerados como pessoas dignas de confiança.

 

Durante estes tempos de incerteza, a construção da confiança requer tempo e proximidade humana. Portanto, os provedores de serviços jurídicos devem aprender a utilizar as pequenas janelas de tempo e, no pior dos casos, ensaiar a forma com que possam utilizar os contatos por vídeo para despertar e consolidar este sentimento.

 

A tecnologia como proposta única de vendas (USP)

 

Depois de 2020, ninguém poderá afirmar com total seriedade que os provedores de serviços jurídicos sobreviveram unicamente porque tinham ferramentas digitais a sua disposição. Apesar de todas as profecias fatalistas e desoladoras, estas ferramentas passaram por uma prova de fogo, algo que foi feito durante um período prolongado de tempo. A tecnologia não necessita mais de legitimação.

 

A situação causada pelo coronavírus proporcionou uma plataforma gratuita de grande qualidade para todos aqueles provedores que já contavam com ferramentas  tecnológicas em seu modelo de negócio. Resta ver o que vão fazer agora com este estímulo e se isto conduzirá a uma digitalização total do mercado legal ou a uma interrupção da tecnologia ao serviço do direito (LegalTech). Ao menos, já se estabeleceram as bases para isso.

 

Uma nota positiva para concluir

 

O que tampouco mudará completamente o próximo ano são os típicos elementos que sempre gozaram de grande valorização. A questão da eficiência continuará em pauta este ano. A orientação ao cliente é mais importante do que nunca. O departamento de compras da companhia cujo critério fundamental são as cifras já não terá que justificar suas decisões.

 

Em última análise, está rapidamente se tornando evidente que a questão das transações jurídicas continuará ganhando impulso. E esta crise pode ter desferido outro golpe no desenvolvimento da liberalização. Hoje nos Estados Unidos vários estados consideram a possibilidade de permitir a incorporação de profissionais não advogados a firmas jurídicas.

 

Hoje tenho mais curiosidade do que nunca sobre os emocionantes e inesperados desafios que trará o novo ano e como responderá o mercado jurídico a eles. A agilidade e a resiliência deixarão de ser meras palavras da moda. Agora quando as crises repentinas tiverem que ser negociadas terão que ser levadas à prática e postas a prova a cada dia.

 

*Prof. Dr. Bruno Mascello, LL.M. é especializado em Direito (ES-HSG), Universidade de St.Gallen (HSG). EMBA HSG, Advogado, Profesor de Direito e Gestão e Diretor da Escola Executiva de Gestão.

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