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O ano de 2020 foi, de fato, atípico. Não apenas em decorrência das crises sanitária e econômica causadas pela pandemia da Covid-19, mas também pela celeridade, até então nunca vista, no julgamento de questões tributárias pelo Supremo Tribunal Federal.
Celeridade esta que é muito bem-vinda, já que a palavra final do STF dá a esperada segurança jurídica entre Fisco e contribuinte. No entanto, o que se viu ao longo de 2020 foi a celeridade em forma de julgamentos em série, sem debates entre os Ministros e com resultados, em maioria, desfavoráveis aos contribuintes.
Mas não é apenas a tendência desfavorável que chama atenção. Em 2020, o STF enfrentou temas tributários de relevo, cujas discussões se arrastavam por anos e até décadas na jurisprudência, e decidiu na contramão de precedentes até então reiterados pela própria Corte e pelo Superior Tribunal de Justiça.
O julgamento da constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias ilustra essa situação. O resultado surpreendeu por duas razões: o STF, em 2018, havia entendido pela não incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias de servidor público, e o STJ, em 2014, fixou o entendimento em recurso repetitivo de forma favorável ao contribuinte (RESP nº 1.230.957).
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A “virada” da jurisprudência verificou-se neste tema previdenciário e também na definição da cobrança do IPI na saída subsequente à importação (RE 946.648), sem qualquer cuidado ou cautela no trato de precedentes em sentido oposto.
Outro comportamento da Corte Suprema observado nos julgamentos ocorridos em 2020 foi o chamado consequencialismo, ou seja, a utilização de argumentos de possíveis consequências não jurídicas das decisões, especialmente aqueles de cunho econômico.
De forma inédita, em algumas ocasiões, o STF modulou os efeitos de suas decisões, pois a consequência da adoção de determinada orientação jurídica poderia representar negativo impacto orçamentário. É o que se viu no julgamento do RExt nº 851.108, no qual foi reconhecida a inconstitucionalidade da cobrança do ITCMD sobre doações do exterior, sem, contudo, assegurar a devolução dos valores indevidamente recolhidos pelos contribuintes.
É óbvio que temas tributários representam impacto econômico-financeiro, mas não apenas para os cofres públicos. Não assegurar o direito do contribuinte à restituição de valores indiscutivelmente indevidos implica a validação de um comportamento nocivo à sociedade e, por vezes, reiterado do Poder Legislativo: a criação de leis sabidamente inconstitucionais que produzem efeitos nocivos por anos, décadas!
E o que esperar do STF em 2021?
Essa pergunta gera grande apreensão nos contribuintes, já que grandes temas ainda estão pendentes de conclusão.
O mais aguardado é o Tema 69, atinente a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins. A expectativa é que o STF analise, dentre outros pontos, a requerida modulação dos efeitos de decisão de inconstitucionalidade de tal cobrança. A Fazenda Nacional se agarra a argumentos consequencialistas e de cunho econômico para sensibilizar os ministros a atribuir efeitos prospectivos à decisão – ou seja, para não assegurar a devolução dos valores indevidamente recolhidos pelos contribuintes ao longo dos últimos anos. Os contribuintes, por sua vez, buscam demonstrar a total impertinência de tal pedido.
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De igual ou maior importância, o Tema 881 levará o STF a definir, enfim, os limites da coisa julgada em matéria tributária, selando o real alcance de causas ganhas pelos contribuintes.
Ademais, o STF deverá concluir julgamento sobre a tributação de softwares (ICMS x ISS) e diferencial de alíquota de ICMS (Difal) e, em paralelo, iniciar julgamentos acerca da já debatida base de cálculo do PIS/Cofins quanto a exclusão do ISS, das receitas de locação de bens e das próprias contribuições, da multa na compensação tributária e do FAP – fator acidentário de proteção para fins de contribuição ao SAT, dentre outros.
Espera-se que 2021 seja um ano de grandes e efetivos debates no STF, tudo para que a apreciação e resolução de temas tributários sejam profundas, exaurientes, considere a confiança nos precedentes anteriores e não parta ao consequencialismo.
*Lígia Regini e Letícia Pelisson são sócias da área tributária do BMA Advogados.
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