Sobre as práticas anticorrupção e o financiamento internacional na América Latina

Sobre las prácticas anticorrupción y el financiamiento internacional en Latinoamérica
Sobre las prácticas anticorrupción y el financiamiento internacional en Latinoamérica
Fecha de publicación: 31/05/2016
Etiquetas:
“Não há um só país no mundo que esteja livre de corrupção”
—Transparência Internacional

 

A corrupção é um problema global que permeia em todas as esferas da sociedade e trunca o desenvolvimento dos países. Segundo dados de Transparência Internacional, se estima que os países em vias de desenvolvimento perdem cerca de 1 trilhão de dólares ao ano por culpa da corrupção. A situação se torna ainda mais complicada para os investidores estrangeiros ao ter que distinguir entre uma prática puramente local de negócios ou idiossincrática, e uma prática corrupta ou fraudulenta. Frente a isto, desde faz mais de duas décadas, organizações internacionais como a OEA, a OECD, e a ONU, entre outras, têm realizado esforços importantes para prevenir atos de fraude e corrupção por parte de seus países membros [1].

Contribuindo a este esforço global, as instituições financeiras internacionais (IFI) também têm feito seu aporte, implementando medidas para prevenir e sancionar atos de fraude, suborno e/ou corrupção nos projetos financiados por eles, tanto para estados soberanos como para investidores estrangeiros. Instituições como o Banco Mundial (BM), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Grupo Europeu de Investimentos, e o Fundo Monetário Internacional (FMI), entre outros, têm estabelecido padrões éticos em contra de práticas proibidas de fraude e corrupção. Igualmente, as IFIs têm estabelecido o Enquadramento Uniforme para Prevenir e Combater a Fraude e a Corrupção, sob o qual acordam harmonizar suas atividades, estabelecendo pautas comuns sobre as práticas sancionáveis e os mecanismos de investigação.

O alcance das políticas antifraude e corrupção implementadas pelas IFIs, que também vem sendo implementadas pelas instituições financeiras privadas em todo o mundo, não podem ser subestimadas. Estas políticas não só podem afetar os governos e empresas que buscam financiamento com estas instituições, senão que também podem limitar outras oportunidades de negócios como a participação em projetos financiados por elas.

Em 2015, por exemplo, o BID aprovou empréstimos e garantias por mais de USD 11 bilhões e desembolsou cerca de USD 10 bilhões para investimentos em países da região [2]. Igualmente, no setor privado, a recém-renovada Corporação Interamericana de Investimentos (CII) estima fechar operações até por USD 2,9 bilhões em 2016 [3]. Paralelamente, tem se dado um aumento no crescimento de sanções por práticas fraudulentas e corruptas exercidas em violação das políticas de anticorrupção do grupo BID. Em 2015, de acordo com o Informe Anual da Agência de Integridade Institucional (OII), o BID recebeu 130 alegações novas de casos de fraude e corrupção; isto é, uma média de duas denúncias por semana, atendidas segundo o procedimento de investigações e sanções da entidade.

Entendendo a gravidade das sanções

As sanções aplicadas pelas IFI podem afetar os proprietários, empregados e agentes das empresas envolvidas, e inclusive outras empresas controladas diretamente ou indiretamente, com independência de sua participação na conduta sancionável. Especificamente, dentro das sanções se prevê a imposição de multas ou restituição de fundos. Igualmente, pode impor-se a inabilitação condicional ou automática para participar em projetos financiados por um período determinado, o declarar-se inelegível permanentemente.

Em abril de 2010, os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMDs) assinaram o Acordo de Reconhecimento Mútuo das Decisões de Inabilitação, o qual estabelece que as sanções podem ser reconhecidas pelos demais signatários do acordo (Cross Debartment) [4]. Esta iniciativa global tem por objetivo gerar um efeito dissuasivo em empresas e indivíduos que buscam financiar seus projetos através de BMDs, ao permitir sancionar empresas ou indivíduos previamente inabilitados por qualquer dos BMDs.

No caso particular de grupos empresariais, os BMDs adotaram princípios harmonizados em 2012, aplicando sanções a todas as entidades controladas pela parte objeto de investigação [5].

Adicionalmente, de considerar-se que tenha podido existir violações de normas internas do país do investimento, é possível que as IFIs refiram os fatos objeto de sua investigação às autoridades locais. Ademais disto, há empresas que podem ver-se envolvidas em violações da Lei de Práticas Corruptas no Estrangeiro (Foreign Corrupt Practices Act) emitida pelos Estado Unidos, que penaliza os indivíduos ou entidades que realizem negócios nesse país pelos atos de corrupção em operações que ocorram fora de suas fronteiras.

Quê fazer ao enfrentar uma possível violação?

Se uma empresa considera que tem podido estar em violação das políticas contra fraude e corrupção de uma IFI, é importante que explore as opções existentes.

Por exemplo, se se tratasse de um projeto financiado pelo Banco Mundial, a empresa pode aderir-se ao Programa de Revelação Voluntária da Informação, podendo conduzir a: (i) revelação voluntária de condutas indevidas; (ii) esgotamento de investigações internas e sua verificação posterior; (iii) estabelecimento de um programa de cumprimento interno; (iv) implementação de mecanismos de supervisão do cumprimento [6]. No caso de um projeto financiado pelo grupo BID, existem mecanismos de colaboração no enquadramento de suas investigações e a possibilidade de implementar programas internos de cumprimento para mitigar as sanções.

Como prevenir que ocorram atos proibidos?

Implementar um programa de prevenção e de detecção precoce. O custo para uma entidade ativa em negócios internacionais de não ter um programa de prevenção poderá ser maior em termos reais e de reputação que o custo de definir internamente como combaterão estes atos. A ausência de programas de prevenção e o combater em si os atos de suborno, fraude e/ou corrupção dentro das empresas se pode converter num importante obstáculo para sua capacidade de assegurar oportunidades de financiamento ou negócios com as IFIs.

Em geral, os seguintes três passos seriam um bom começo:

  • Realizar uma análise completa de contingências legais (due diligence);
  • Desenho de uma política anticorrupção consistente, e estabelecimento de uma robusta plataforma de gerenciamento de riscos; e
  • Treinamento e difusão de conhecimento dos regimes jurídicos aplicáveis e implementação de políticas anticorrupção.

Na América Latina, os programas de prevenção de atos de fraude e corrupção dentro das empresas não se têm expandido com a força e rapidez necessárias. É fundamental que as empresas façam importantes esforços para identificar, através de investigações internas, se se encontram numa situação de risco e que implementem medidas ou programas de prevenção para evitar que seus empregados realizem atos fraudulentos, tanto na licitação como na execução de seus contratos e projetos.

 

Uma completa análise de risco é fundamental para todas aquelas entidades locais ou estrangeiras que se preparam para executar investimentos numa jurisdição nova, ou continuar seus investimentos numa jurisdição na que nunca tem feito este tipo de análise. Para isso, é importante contar com assessoria legal especializada que lhes permita navegar e entender este tipo de processo, antecipar os riscos, e prevenir e solucionar as consequências adversas que pudessem enfrentar.

O que vem...

Finalmente, os países da América Latina têm começado a entender como a corrupção e outras práticas fraudulentas afetam sua capacidade de desenvolvimento, e em consequência, têm começado a dar importantes passos para combatê-la e melhorar sua reputação internacional, emitindo legislações que pretendem prevenir as referidas práticas, tanto dentro do setor público como no setor privado.

O recente caso da Petrobrás no Brasil e a publicação dos Panama Papers, entre outros acontecimentos, têm servido para elevar o discurso de zero tolerância e enaltecer o apoio da opinião pública, obrigando os governos a tomar medidas imediatas para frear este flagelo. Contudo, se necessitam mais que os esforços do setor público. Sendo o setor privado um ator determinante nestas práticas proibidas, as empresas têm também a obrigação de manejar os riscos via implementação de medidas e programas para prevenir que seus funcionários sejam cúmplices em atos de fraude e corrupção.


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Margarita agradece a colaboração de suas colegas Geraldine Fuenmayor e Margie-Lyz Jaime na investigação e pontualização dos tópicos deste artigo.

[1] Por exemplo, ver a Convenção Interamericana contra a Corrupção (1966), a Convenção para Combater o Coato de Servidores Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OECD (1999, 2009); a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (2003).

[2] Banco Interamericano de Desenvolvimento, Estatísticas de Projetos, disponível no sítio web: http://www.iadb.org/es/proyectos/proyectos.1229.html

[3] Corporação Interamericana de Investimentos, Projetos aprovados durante o 2015, disponível no sítio web: http://www.iic.org/es/proyectos/resultados?keys=&country=All&approvaldate%5Bvalue%5D%5Byear%5D=2015&=Aplicar.

[4] Os BMDs incluem: Banco Asiático de Desenvolvimento, Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Africano de Desenvolvimento.

[5] Princípios harmonizados para o tratamento de grupos de sociedades.

[6] Banco Mundial, Vice-presidência de Integridade Institucional, Voluntary Disclosure Program (VDP).

 

 

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